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O mundo pode perder metade dos seus manguezais até 2050

Com ameaças como aumento do nível do mar, desmatamento e mudanças climáticas, levantamento inédito da IUCN alerta para o risco de extinção de 50% dos manguezais do mundo

Duda Menegassi ·
27 de maio de 2024

Metade dos manguezais do mundo corre risco de colapsar até 2050. O alerta é fruto de um  levantamento pioneiro da International Union for Conservation of Nature (IUCN). Pela primeira vez, a organização, responsável pela lista vermelha de espécies ameaçadas, avaliou o risco de extinção de um grupo de ecossistemas em nível global. Neste caso, os manguezais. E o resultado mostra que 50% dos ecossistemas de manguezais estão sob alguma classe de ameaça de extinção.

Quase um quinto dos manguezais (19,6%) estão nas classes mais severas de risco de extinção: Em Perigo ou Criticamente Em Perigo. A principal ameaça a estes ecossistemas é o aumento do nível do mar, seguido pelas mudanças climáticas, de modo geral, e maior frequência de eventos extremos – como tempestades e ciclones –, assim como o desmatamento, expansão urbana, poluição, construção de represas.

“De acordo com os modelos utilizados, mantendo-se a situação atual [o “business as usual”], prevê-se que 25% da área global de manguezais fique submersa nos próximos 50 anos. Um terço das regiões com ecossistemas de manguezais do mundo serão gravemente afetadas pelo aumento do nível do mar”, descreve o estudo da IUCN, divulgado na última quarta-feira (22) e que contou com a participação de mais de 250 especialistas de 44 países diferentes.

Os manguezais ocupam uma área de cerca de 150 mil quilômetros quadrados no mundo, concentrados principalmente nas zonas tropicais, numa cobertura que equivale a aproximadamente 15% das faixas costeiras do planeta.

O estudo classifica os manguezais em 36 regiões distintas, a partir das quais são avaliadas as ameaças e riscos em cada uma delas. As áreas onde estes ecossistemas enfrentam maior risco de desaparecer estão no litoral sul da Índia, no Sri Lanka e nas Maldivas; no Golfo do México, nos Estados Unidos; no Mar Vermelho; em parte da Papua-Nova Guiné e das Ilhas Salomão; e no litoral sul da China.

Fonte: IUCN, 2024. Mapa adaptado com tradução livre para o português.

A região que compreende os manguezais brasileiros foi classificada como Pouco Preocupante. De acordo com o biólogo Arimatéa Ximenes, especialista que liderou um dos capítulos do levantamento da IUCN sobre os manguezais do Brasil, no contexto global o Brasil pode estar numa situação menos preocupante, mas isso não quer dizer que a gente não deva se preocupar. 

“Comparado aos países da Ásia, por exemplo, o Brasil ainda está bem em relação à conservação dos manguezais, até porque temos uma legislação relativamente antiga de proteção desses ecossistemas. Mas o estado de conservação deles nem sempre é bom, temos muitas áreas degradadas e poluídas. E nos modelos não foi inserida a questão da saúde dos manguezais porque são dados praticamente inexistentes, nós não temos essa informação sistematizada de quais os manguezais poluídos. Temos às vezes de um e de outro, mas não de todos do Brasil, muito menos do mundo todo”, analisa o pesquisador, que atua no Center for International Forestry Research and World Agroforestry (CIFOR-ICRAF).

O biólogo lembra ainda de episódios recentes no país, como o derramamento de óleo no nordeste e o rompimento da barragem de Brumadinho, que carregou rejeitos até a foz do rio Doce, e os possíveis impactos em manguezais no litoral brasileiro.

Além disso, um grande gargalo, pontua Arimatéa, é a falta de dados mais antigos sobre a cobertura de manguezais. “Os dados que temos na série histórica sobre a cobertura de manguezais são da década de 80 e 90 em diante. Sendo que os desmatamentos mais significativos de manguezais ocorreram antes disso, na época de ocupação e consolidação das cidades no litoral brasileiro”, explica. Com isso, as taxas de desmatamento de manguezais disponíveis acabam sendo “míopes” e não contam toda a história.

O resultado do levantamento reforça ainda a importância dos manguezais brasileiros no cenário global, já que eles prestam importantes serviços ecossistêmicos como a proteção da zona costeira, sequestro e armazenamento de carbono e manutenção de estoques pesqueiros, já que são estuários para vida marinha de modo geral.

“A perda deles [dos manguezais] seria desastrosa para a natureza e para as pessoas ao redor do mundo” resume a diretora da Comissão de Manejo de Ecossistemas da IUCN, Angela Andrade.

Os manguezais na Lista Vermelha

A Lista Vermelha dos Ecossistemas da IUCN, criada em 2014, utiliza critérios padronizados para avaliar o risco de extinção de ecossistemas em nível local, regional, nacional ou global.

“A Lista Vermelha de Ecossistemas da IUCN é fundamental para acompanhar o progresso rumo ao objetivo de travar e reverter a perda de biodiversidade, em linha com o Marco Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal. A primeira avaliação global dos ecossistemas de manguezais fornece orientações importantes que destacam a necessidade urgente de conservação coordenada dos manguezais – habitats cruciais para milhões de pessoas em comunidades vulneráveis ​​em todo o mundo. As conclusões da avaliação nos ajudarão a trabalhar juntos para restaurar as florestas de mangue que perdemos e proteger as que ainda temos”, avalia o diretora geral da IUCN, Grethel Aguilar.

  • Duda Menegassi

    Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.

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