Tefé (AM) — Um grupo restrito de nove turistas estiveram este ano na Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá para observar onças-pintadas de jeito diferente de qualquer outro lugar. Cada um deles desembolsou R$ 10 mil reais, para passar quatro dias na pousada Uakari e flagrar período em que o chão é coberto por água e os felinos vivem em árvores.
Entre maio e junho, ocorre o auge da cheia em Mamirauá. Nos igapós, parte do tronco e a copa das árvores permanecem acima do nível da água, que forma um imenso e contínuo espelho. Enquanto muitos animais fogem para a terra firme, as onças permanecem por ali.
“É um comportamento inusitado”, afirma o biólogo Emiliano Esterci Ramalho, coordenador de Monitoramento do Instituto de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá (ISDM). “Um felino deste tamanho precisa de muito alimento e uma área grande para sobreviver”, completa.
Onça subir em árvores não é novidade. Mas passar tanto tempo lá em cima, é. Ramalho explica que, em Mamirauá, as onças conseguem se adaptar devido a abundância de presas, mesmo durante a cheia, e preservação da área.
A flexibilidade de adaptação da onça também é importante, pois consegue viver, caçar e se alimentar sobre os galhos. E claro, as onças são excelentes nadadoras. Há registros em Mamirauá de um animal que chegou a nadar três quilômetros em uma única noite.
“Quando vi que passavam muito tempo em árvores, que eram visíveis, eu busquei o turismo para criar a observação de onças”, conta Ramalho.
São apenas três semanas de observação de onças por ano. Para cada pacote, são quatro vagas (mas há possibilidade de aumentar para seis vagas). O período escolhido é o clímax da cheia, quando existe a maior possibilidade de ver os animais, com mais segurança.
“Na árvore, estão com mobilidade reduzida, não se sentem ameaçadas e a gente não faz barulho andando de canoa”, afirma Ramalho, “Por isso, a observação funciona”.
Uso e interação
As pesquisas de fauna do Instituto, conforme ressalta Ramalho, são voltadas para a interação e uso da comunidade. No caso das onças, os pesquisadores ainda buscavam compreender a ecologia da espécie no ambiente da várzea. Mas o turismo, além de levar benefícios para comunidades, pode contribuir também para proteger o animal, aumentando a tolerância das pessoas à espécie.
Em Mamirauá, há conflitos entre os felinos e a população humana. As causas são diversas: retaliação por ataque a animais domésticos, medo de ataque a crianças ou famílias, comer a carne ou até mesmo um pouco de ação.
Portanto, segundo Ramalho, são necessárias estratégias diferentes para proteger o animal. Com turistas pagando caro, um preço maior do que o pacote convencional, a expectativa é que a onça passe a ser vista também como um animal benéfico. Com base em entrevistas com comunitários, estima-se que 70 onças são abatidas por ano em Mamirauá.
Não é um caminho fácil, como conta o auxiliar de pesquisas Valciney Martins de Oliveira, o Sarney, criado na comunidade de Boca do Mamirauá, berço da Reserva de Desenvolvimento Sustentável. Onças dão medo às comunidades.
“Hoje, com a experiência de pesquisa que acompanho desde pequeno, vejo diferente, mas muita gente do interior tem medo, porque acredita que é um animal feroz, que pode fazer mal para crianças e para a família”, afirma. “É muito difícil para uma pessoa que mora lá acreditar que a onça não é tão feroz quanto pensam”.
Encontros
Mas para turistas, onças são uma atração. Até agora, em três anos de programa, nenhum saiu frustrado por não ter encontrado o animal. E não é apenas sorte. Turismo e pesquisa navegam juntos em Mamirauá. Os visitantes são guiados por um especialista, que monitora os sinais de rádio enviados por colares colocados nos animais.
Alguns fotógrafos não gostam, mas todos são avisados que esses felinos foram capturados e carregam os aparelhos. Com sorte, como já ocorreu algumas vezes, é possível ver um animal monitorado interagindo com outros sem coleira ou até mesmo com filhotes.
Oliveira é um dos monitores da pesquisa. Conta que existem um limite de aproximação, afinal é preciso ter respeito pelo animal. Já chegou a ficar a 15 metros de uma e passar até 40 minutos observando outra. Já sabe que os bichos podem se irritar quando turistas conversam muito ou se mexem muito nas voadeiras.
“Acho que os bichos são curiosos também, porque ficam ali, deitam, dormem e depois acordam e olham também”, acredita. Durante o trabalho, Oliveira registrou um momento importante no comportamento das onças durante a cheia: a predação de um macaco guariba.
Ele ouvira um grupo de guaribas cantando, chegando perto de onde Django, uma onça-preta macho, era observado. Cinco minutos depois, Django se escondeu e deu o bote em um macaco: abocanhou a base da cabeça. Sem muito equilíbrio entre galhos e cipós, o predador deixou o macaco cair na água. Alguns minutos depois, Django pulou e buscou a presa.
Dinheiro para pesquisa e comunidade
O dinheiro da observação de onças é revertido parte para a comunidade e parte para pesquisas. Ele reforça a atividade turística, pois ocorre antes da alta temporada, que vai de junho a agosto.
Fora os pacotes de observação de felinos, a pousada Uakari recebe até 100 pessoas por mês. Mas este ano a procura está baixa, apenas 70% de ocupação. O preço, cerca de R$ 2,5 mil para um pacote de quatro noites, a partir da cidade de Tefé (AM).
Ela ainda é uma empresa do Instituto, mas está em processo de transferência para a Associação de Auxiliares e Guias de Turismo de Mamirauá (Aagesmam), o que deve ser concluído em 2022.
O biólogo Pedro Nassar, coordenador do programa de Turismo de Base Comunitária, explica que ali o turismo não gera apenas benefícios, mas envolve a comunidade. Isto significa que além de renda, os comunitários participam das tomadas de decisão.
“Quando a pessoa participa, se sente mais parte do local. Sente que a atividade ou empreendimento é dele”, afirma. “Tem muito a ver com a reserva. Elas sentem que é delas, elas cuidam também. A mesma coisa com a pousada, que eles sentem deles e cuidam também”.
Ele conta que estão sendo desenvolvidos também um programa de Birdwatching. Embora Mamirauá não seja uma área de endemismo para aves e tenha menos diversidade do que a terra firma, a região possui uma riqueza razoável de espécies e uma considerada chave, o Mutum-de-fava (Crax nobulosa).
* O repórter Vandré Fonseca está em Tefé, com apoio do Instituto Mamirauá, para cobrir o 3º Seminário do Projeto Mamirauá – Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade em Unidades de Conservação, que começa hoje e vai até terça-feira (4 de julho), e o 14º Simpósio sobre Conservação e Manejo Participativo na Amazônia, entre os dias 5 e 7 de julho.
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