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Países liberam rios para salvar peixes migradores

Declínio chega a 91% na América Latina, mas Brasil quer barrar ainda mais cursos d’água, sobretudo na Amazônia e no Cerrado

Aldem Bourscheit ·
21 de maio de 2024

Peixes e outras espécies que migram por até milhares de quilômetros em rios somem no mundo todo pelo bloqueio humano desses cursos d’água. Países fora da América Latina estão pondo abaixo centenas de barreiras fluviais para salvá-las. O Brasil age em direção contrária.

Mantendo uma tendência das últimas décadas, a Europa removeu 487 barragens, diques e represas no ano passado, o dobro das cerca de 240 eliminadas em 2022, e os Estados Unidos desmantelam gigantescas barragens no rio Klamath, nos estados da Califórnia e de Oregon. 

Além de melhorar a saúde de rios, lagos e outras massas d’água interligadas, dar cabo desses obstáculos pode gerar empregos e aquecer economias, como nas indústrias do turismo e da pesca. Isso ajuda ainda mais a biodiversidade e comunidades tradicionais, indígenas e pescadores, especialmente em regiões da América Latina, Ásia e África. 

A análise consta de novo e preocupante relatório quanto à derrocada de peixes migradores, assinado por Fundação Mundial sobre Migração de Peixes, União Internacional para a Conservação da Natureza, Sociedade Zoológica de Londres, A Conservação da Natureza, Áreas Úmidas Internacional e WWF.

Ao longo das décadas, essas populações encolheram 81% em média no mundo e 75% na Europa, mas há declínios bem piores, como de 91% na América Latina e Caribe. Bloqueio de rios, pesca excessiva e aterramento de áreas úmidas como banhados para agricultura e urbanização são as grandes causas, seguidas por poluição urbana e industrial e crise do clima.

“Precisamos agir agora para salvar essas espécies e seus rios. O declínio catastrófico das populações de peixes migratórios é um alerta ensurdecedor para o mundo”, diz Herman Wanningen, especialista em Ecologia Aquática e fundador da World Fish Migration Foundation. 

Indígenas pedem a remoção de barragens no Rio Klamath para salvar salmões e outras espécies migratórias. Foto: Patrick McCully/Creative Commons

Além de proteger e restaurar rios, urge entender melhor como peixes migratórios vivem ao redor do planeta e como interagem com outros ambientes e espécies aquáticas e terrestres. Necessário também reforçar alianças e ações conservacionistas, como ampliar áreas protegidas.

Iniciativas internacionais como o Plano de Recuperação de Emergência para a Biodiversidade de Água Doce e a Swimways (nadadeiras) elencam medidas para melhorar a gestão de rios, lagos e áreas úmidas, bem como identificam as rotas migratórias mais importantes para a biodiversidade, culturas e economias.

No retrovisor

O Brasil não engaveta planos para barrar rios e gerar mais eletricidade, apresentada por governos e empreendedores como uma fonte limpa de energia por emitir menos gases de efeito estufa que o uso de combustíveis fósseis como petróleo, carvão e diesel. 

Todavia, hidrelétricas causam desmatamento direto e indireto na sua construção e operação, na área alagada e atraindo mais cidades e agronegócio para seu entorno, a ameaçam a biodiversidade de peixes migradores e outras espécies. Reportagens de ((o))eco evidenciam isso tudo.

Gerando energia desde 2016, a usina de Belo Monte segue prejudicando ambientes, biodiversidade e pessoas na Amazônia. Foto: Bruno Batista/Vice-presidência da República

Em maio, a Eletrobras retomou planos para construir o complexo de hidrelétricas de São Luiz do Tapajós, em região amazônica que abriga indígenas. A barragem alagaria ao menos 1.368 km² com floresta preservada e diversas áreas protegidas – área similar ao município de São Paulo (SP). 

Décadas após a hidrelétrica de Tucuruí (1984) ter afetado o fluxo de águas e a migração dos peixes, o Rio Tocantins enfrenta agora o risco de uma hidrovia que exigirá dragagem permanente, explosão de rochas e outras obras em 500 km de seu curso. Há 229 espécies de peixes que só vivem no manancial. Se forem perdidas total ou parcialmente, podem nunca mais voltar.

Enquanto isso, indígenas, pescadores e ribeirinhos podem passar fome devido ao assoreamento, dificuldades de navegação, morte de árvores e freio na reprodução de peixes no Rio Xingu, tudo graças à hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Os danos foram reforçados em relatório do Ibama e Fapesp, de 2023.

Atualização

Após a publicação desta nota, a empresa Norte Energia, operadora de Belo Monte, entrou em contato contestando a afirmação que indígenas e ribeirinhos passam fome devido aos danos causados ao Rio Xingu por conta da construção da hidrelétrica. Segundo a Norte Energia, a empresa “realiza o monitoramento do consumo proteico das famílias desde julho de 2012 e os dados atuais demonstram que a taxa de consumo proteico recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é de 12kg/ano/pessoa e os dados de 2023 mostram que a média de consumo no Xingu é de 34kg/ano/pessoa, isto é, a taxa média de consumo de pescado no Xingu é 280% maior que a recomendação da OMS”. A empresa também contesta a afirmação de que o assoreamento e erosão do rio Xingu são “obstáculos à navegação fluvial”. Leia o posicionamento da Norte Energia na íntegra

*Com informações da Fundação Mundial sobre Migração de Peixes.

  • Aldem Bourscheit

    Jornalista cobrindo há mais de duas décadas temas como Conservação da Natureza, Crimes contra a Vida Selvagem, Ciência, Agron...

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