Manaus, AM — Um acidente, ou melhor, dois acidentes levaram à descoberta de um mecanismo de defesa até agora desconhecido entre os anfíbios, que permite a duas espécies de pererecas brasileiras inocularem veneno quando atacadas por predadores. A Corythomantis greeningi, encontrada na Caatinga, e a Aparasphenodon brunoi, da Mata Atlântica, possuem espinhos na cabeça, associados a glândulas de veneno, que pode ser injetados nos predadores.
A estratégia de defesa dessas pererecas é diferente de outros anfíbios venenosos, como sapos, cujas glândulas são acionadas pelos próprios predadores. “Elas fazem um movimento de ‘sim e não’ com a cabeça, que pode servir para fincar o espinho num predador”, afirma o líder da equipe responsável pela descoberta, o biólogo Carlos Alberto Gonçalves Silva Jared, diretor do Laboratório de Biologia Celular do Instituto Butantan, em São Paulo. Segundo ele, essa capacidade não é suficiente para classificar essas pererecas como peçonhentas. “Elas não atacam como as cobras”, disse.
Jared estuda a espécie C. greeningi para tentar desvendar como um anfíbio, classe de animal associada à água ou áreas úmidas, sobrevivia na Caatinga, onde só chove, se chover, três meses por ano.
A descoberta do novo mecanismo de envenenamento foi feita por acidente quando Jared fazia coletas na Caatinga. Há alguns anos, ele se espetou na casca de uma algaroba (Prosobis juliflora). Doeu. E teve um estalo. Lembrou da dor parecida que ele havia sentido em 1987, quando também por acidente sentiu o efeito do veneno da perereca C. greeningi. Foram quase cinco horas de sofrimento. Era noite e não havia socorro por perto e ele não tinha idéia de que o veneno havia sido inoculado pelo espinho presente na cabeça do animal. Em ambas as situações, a dor fora provocada por espinhos. Oras, mas anfíbios podem possuir veneno, mas não são peçonhentos, ou seja, não têm a capacidade de inocular a substância. Ou teriam? A dúvida levou a uma nova pesquisa.
Nos últimos dois anos, ele e um grupo de outros cientistas do Instituto Butantan e da Universidade Estadual de Utah, Estados Unidos, estudaram essas duas espécies de pererecas. A descrição deste sistema de defesa foi publicada no início deste mês, na revista científica Current Biology. Jared explica que as duas espécies pertencem ao grupo casque-headed, ou seja, com cabeça em forma de capacete.
A C. greeningi se abriga em pequenos buracos nos troncos e galhos de árvores na caatinga, mantendo apenas a cabeça cheia de espinhos para fora. Assim, além de mimetizar o ambiente ao redor, está protegida caso algum predador queira se aventurar. Esta é também uma forma de reduzir a perda de umidade para o ambiente, importante para um bicho que vive em uma região seca.
Já a A. brunoi, que possui um veneno 25 vezes mais potente do que a prima da caatinga, não precisa se preocupar com a falta de água, pois vive na Mata Atlântica, entre o Rio de Janeiro e a Bahia. Ela fecha os espaços existentes nas axilas das bromélias, entre o caule e as folhas. É uma perereca encontrada também nas restingas, locais que costumam ser mais secos do que a mata.
Agora, pesquisadores tentam descrever os venenos encontrados nas duas pererecas. Já se sabe que a C. greeningi possui alcalóides, mas ainda são necessários mais estudos para descrever a composição exata. Os pesquisadores querem saber também se outras pererecas da mesma família possuem sistemas de defesa parecidos. Uma delas é encontrada no México, mas nunca foi estudada.
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