Com ajustes para atender os apelos do agronegócio, o Plano Clima foi aprovado nesta segunda-feira (15) pelo Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM). O documento passa a orientar a implementação da meta climática brasileira no âmbito do Acordo de Paris e estabelece o caminho para que o Brasil reduza entre 59% e 67% das emissões líquidas de gases de efeito estufa até 2035, em relação aos níveis de 2005.
A aprovação do Plano Clima encerra uma lacuna de uma década sem um instrumento nacional atualizado para orientar a política climática e ocorre 17 anos após a primeira versão do plano, lançada em 2008. A resolução do CIM com a decisão será publicada nos próximos dias no Diário Oficial da União.
O documento que consolida as Estratégias Nacionais de Mitigação (ENM) e de Adaptação (ENA) chegou a ser boicotado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e, após ajustes, agora finalmente chancelado, depois de cinco meses de negociações. A principal crítica do setor foi a da responsabilização das metas de redução de desmatamento, que na proposta inicial não separava o que era público do que era privado.
“Todos os setores precisam mitigar emissões; a agropecuária, além de mitigar, pode sequestrar carbono pela fotossíntese e pela recuperação de áreas degradadas”, afirmou o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro.
O Plano Clima é composto por oito planos voltados à redução de emissões e 16 direcionados à adaptação aos impactos da mudança do clima. Pela primeira vez, o Brasil também encaminhará oficialmente seu Plano Nacional de Adaptação à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC)
Segundo a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, o Plano Clima “tem a cara do Brasil” e funciona como um roteiro para articular ações entre União, estados, municípios, setor privado, sociedade civil e academia, com foco em desenvolvimento sustentável e inclusivo.
Pressão do agro molda versão final
A elaboração do Plano Clima começou em setembro de 2023 e envolveu um amplo processo participativo. Segundo o governo, mais de 24 mil pessoas participaram de oficinas, plenárias territoriais e consultas públicas, que resultaram em 1.292 propostas para os eixos de mitigação e adaptação. Somam-se ao processo as contribuições da 5ª Conferência Nacional de Meio Ambiente, que teve como tema a emergência climática, e quase 3 mil sugestões enviadas pela sociedade durante a consulta pública
O Plano Setorial de Agricultura e Pecuária concentrou cerca de 400 contribuições, quase um quinto de todas as manifestações recebidas durante a consulta pública. O principal alvo das críticas foi a previsão de que o setor responda por uma parcela expressiva do esforço de redução das emissões até 2035, incluindo aquelas provenientes do desmatamento em áreas privadas.
Para responder à resistência, o governo reforçou o argumento de que a transição climática no campo não será viável sem apoio público e privado, e passou a destacar instrumentos financeiros, linhas de crédito e incentivos para práticas produtivas de menor impacto ambiental.
Um dos pontos mais sensíveis incorporados à discussão do Plano Clima foi o uso de agrotóxicos, tema tradicionalmente tratado como tabu nas negociações com o agronegócio. A questão apareceu associada à segurança alimentar e nutricional e à necessidade de repensar modelos produtivos diante da emergência climática.
Segundo o secretário nacional de Mudança do Clima, Aloisio Nunes, o debate não se dá em termos de proibição imediata, mas de estratégias governamentais de transição, como o fortalecimento do Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos. “O que se discute são os passos que precisam ser dados para garantir uma alimentação saudável e acessível para toda a população”, afirmou, ao G1, ao explicar que o plano se ancora em agendas já existentes no governo federal.
Justiça climática como eixo e desafio
A apresentação do Plano Clima afirma que a justiça climática é o eixo norteador da política, reconhecendo desigualdades históricas e os impactos desproporcionais da crise climática sobre populações vulnerabilizadas. Povos indígenas, comunidades tradicionais, recortes de raça, gênero, classe e território aparecem como elementos centrais nos planos de adaptação.
O Plano Clima prevê ainda avaliações bianuais e revisões a cada quatro anos, com possibilidade de ajustes nos critérios de alocação de emissões e nos mecanismos de monitoramento e transparência. Com a aprovação, o governo aposta em reposicionar o Brasil no debate climático internacional, ao mesmo tempo em que enfrenta o desafio interno de transformar metas ambiciosas em políticas públicas efetivas, em um país marcado por desigualdades sociais, pressões sobre territórios e disputas em torno do uso da terra e dos recursos naturais
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