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Projeto de lei ameaça implodir análise ambiental da BR-319

Aprovado a toque de caixa na Câmara, PL que torna a estrada “infraestrutura crítica” agora tramita no Senado e pode ser enfraquecido por liminar que derrubou licença prévia da obra

Leila Salim ·
2 de agosto de 2024

DO OC – A licença prévia nula foi suspensa pela Justiça, mas não apenas de pressões no Executivo se faz o rolo compressor pelo asfaltamento do trecho do meio da BR-319 (Manaus-Porto Velho). Um projeto de lei que pretende transformar a rodovia em “infraestrutura crítica e de interesse nacional” – status que permitiria a dispensa de várias etapas do processo de licenciamento ambiental – avança no legislativo. Segundo especialistas, a proposta interfere em atribuições do Poder Executivo e pretende pressionar o Ibama a licenciar o empreendimento.

De autoria do deputado federal Maurício Carvalho (União Brasil/RO), o PL 4994/2023 foi aprovado às pressas na Câmara dos Deputados em dezembro do ano passado, sem passar por comissões e em uma votação que aconteceu praticamente às escondidas, depois das 23h. Agora, tramita na Comissão de Serviços de Infraestrutura do Senado, relatado por Beto Faro (PT/PA). Faro já apresentou seu parecer: apesar de propor a supressão de um de seus trechos mais criticados – a utilização de verbas do Fundo Amazônia para as obras de asfaltamento –, o senador é favorável à aprovação do PL. 

texto aprovado na Câmara  determina o reconhecimento da estrada como “infraestrutura crítica, indispensável à segurança nacional”, estabelecendo que seja garantida a sua trafegabilidade. O PL define como infraestrutura crítica aquela “cuja interrupção ou destruição, total ou parcial, provocam sério impacto social, ambiental, econômico, político, internacional ou à segurança do Estado e da sociedade, razão pela qual necessitam de medidas especiais de proteção”. 

Esse pressuposto é questionado por ambientalistas, pesquisadores e organizações da sociedade civil, que afirmam que a proposta pretende pressionar o Ibama a conceder o licenciamento para o empreendimento, desrespeitando as atribuições e autonomia do órgão. “A interferência do Legislativo em obras específicas é absolutamente inaceitável, além de inconstitucional. O Congresso tem o poder de legislar de forma geral sobre variados temas, mas não o de determinar a realização de um empreendimento como uma estrada, uma hidrelétrica ou outro”, afirma Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima. 

Em nota, a rede afirmou que a proposta é uma “intromissão nas atribuições do Poder Executivo”: “Uma lei federal não pode definir empreendimentos como infraestrutura crítica. Tanto é assim, que as disposições sobre esse tema não estão em lei, mas sim em ato do Executivo, o Decreto 9.573/2018, que aprovou a Política Nacional de Segurança de Infraestruturas Críticas”, dizem as organizações. 

Segundo a análise, o principal objetivo da proposta de pressionar o Ibama a conceder a licença para o asfaltamento do trecho do meio ficaria explícito no artigo 2º do texto aprovado na Câmara. O texto estabelece que o poder público fica obrigado a “recompor o pavimento nos trechos que tenham perdido a trafegabilidade desde a inauguração da rodovia”. 

“O Legislativo estaria, dessa forma, indiretamente obrigando o Ibama a conceder a licença ambiental, bem como a Funai a se manifestar favoravelmente a um empreendimento que não teve a devida oitiva das populações tradicionais afetadas, conforme requerido pela Convenção OIT 169”, criticam.

O PL estabelece ainda, em seu artigo 3º, a “simplificação” dos processos de licenciamento ambiental para garantir a trafegabilidade da estrada. Segundo a proposta, o licenciamento de atos públicos de pequeno e médio potencial poluidor passariam a ser feitos por procedimentos simplificados ou por adesão e compromisso. 

Segundo o Observatório do Clima, além de segmentar o licenciamento ambiental e discriminar atividades que passariam pelo processo acelerado, a proposta contraria a legislação ambiental ao determinar a simplificação do licenciamento de atividades de médio potencial poluidor. 

“A segmentação de empreendimentos para facilitar a emissão de licenças ambientais é uma irregularidade evidente. Mesmo que a segmentação fosse aceitável – e ela não é considerando as perspectivas técnica e jurídica –, deve ser percebido que a redação do art. 3º inclui também atividades de médio potencial poluidor, sendo que a legislação atual estabelece a possibilidade de simplificação do licenciamento ambiental somente para atividades ou empreendimentos de pequeno potencial de impacto ambiental”, afirma a nota. 

A decisão da Justiça Federal que, ontem (25/7), suspendeu a licença prévia concedida pelo Ibama ao empreendimento no último ano do governo Bolsonaro pode impactar a tramitação do texto. Na avaliação de Suely Araújo, a liminar expõe as contradições do PL: “A suspensão da licença prévia da reconstrução e pavimentação do trecho do meio da BR-319 evidencia o quanto esse projeto de lei é absurdo. A proposta tem como principal objetivo justamente pressionar pelo licenciamento da obra sem pré-condicionantes que atendam aos seus principais impactos, e o que a liminar reconheceu foi a impossibilidade de se dar seguimento ao processo”, afirma. 

  • Leila Salim

    Jornalista e doutora em Comunicação e Cultura pela ECO/UFRJ. Repórter com experiência em fact-checking, políticas públicas e direitos humanos.

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Comentários 2

  1. Mario Santana diz:

    Somente a ganância, a usura e a ignorância de alguns poucos privilegiados responsáveis pelas mudanças climáticas, usufruindo dos lucros advindos com a destruição do meio ambiente e o possível genocídio de grupos indígenas, é que pode explicar essa defesa inescrupulosa de asfaltar o trecho do meio da BR-319. A abertura dessa ¨Estrada Genocídio¨ não só abrirá a porteira para o gado, mas também, para os garimpeiros, madeireiros, sojeiros, invasores de terras e outros aventureiros. O Legislativo e o Executivo podem aprovar uma enciclopédia de leis “ambientais para proteger a floresta amazônica” que elas não sairão do papel pois haverá o eterno “falta de verbas e de vontade política” para implantá-las com todo vigor. Resultado, menos floresta, menos rios voadores, menos chuvas regando as terras do norte e do centro-oeste atingindo em cheio a nossa maior fonte de renda: o AGRONEGÓCIO.


  2. Miguel Melo diz:

    Parabéns pelo trabalho Leila e demais envolvidos.