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Relacionamento tóxico: pesticidas usados em plantações prejudicam abelhas polinizadoras

Apenas 48 horas após exposição a agrotóxicos amplamente usados no país, as abelhas apresentaram danos na sua locomoção e no seu sistema imunológico

Duda Menegassi ·
1 de julho de 2024

Não é novidade que pesticidas podem ter consequências perigosas para os insetos e o uso indiscriminado dessas substâncias têm preocupado cientistas em todo mundo, em especial nos impactos sobre os polinizadores. Um estudo liderado por brasileiros confirmou que três agrotóxicos amplamente utilizados no Brasil – glifosato, imidaclopride e piraclostrobina – prejudicam a sobrevivência de uma espécie de abelha nativa sem ferrão do país. Após 48 horas de exposição às substâncias, as abelhas apresentaram dificuldades de locomoção e danos no seu sistema imunológico. Cientistas reforçam a necessidade de restrições mais rígidas para os pesticidas.

A pesquisa foi feita com a abelha sem ferrão uruçu, ou uruçu-do-nordeste (Melipona scutellaris), que ocorre nos estados da Bahia, Paraíba e Pernambuco, entre a Mata Atlântica e a Caatinga, e é conhecida pela qualidade do seu mel. Além disso, as abelhas nativas sem ferrão como a uruçu são consideradas fundamentais para polinização de muitas plantas silvestres e culturas economicamente importantes.

O estudo, conduzido por pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (UNESP), da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e da Universidade Federal de Viçosa (UFV), destaca que até agora a maioria das análises sobre os impactos dos agrotóxicos em abelhas concentraram-se nas abelhas europeias e norte-americanas.

Durante a pesquisa, os cientistas expuseram um grupo de abelhas aos três pesticidas, de forma oral e com as substâncias isoladas ou combinadas, por 48 horas. Foram avaliadas mudanças no comportamento, morfologia e fisiologia das abelhas, e os resultados foram comparados com um grupo controle, sem contato com os agrotóxicos.

As abelhas contaminadas pelos agrotóxicos andavam menos e se moviam mais lentamente. Além disso, apresentaram danos morfológicos e fisiológicos, com danos no seu corpo gorduroso – um órgão vital para armazenamento de energia –, no seu metabolismo e na regulação da resposta imunológica.

Abelhas uruçu (Melipona scutellaris). Foto: Cícero R. C. Omena

“Descobrimos que os pesticidas, tanto isoladamente como combinados, interferiram gravemente no comportamento das abelhas, danificando o seu corpo gorduroso e prejudicando a atividade de proteínas importantes para o sistema imunológico e a sobrevivência celular”, explica o pesquisador da UFSCar Cliver Fernandes Farder-Gomes, um dos autores do artigo, publicado em junho na revista científica Environmental Pollution.

O pesquisador acrescenta que por mais que os resultados mostrem a sobrevivência das abelhas à exposição aos pesticidas, o seu sistema imunológico fica tão enfraquecido que não consegue combater adequadamente bactérias e doenças, o que as torna mais propensas a infecções.

“A morte das abelhas é sempre chocante, mas deve-se ter em mente que muitas vezes pode ser ainda mais perigoso se sobreviverem à exposição aos pesticidas, porque as colônias ficam enfraquecidas e diminuídas, com efeitos adversos na produção de mel e na polinização, o que por sua vez significa perdas para a produção de frutas e hortaliças”, explica a professora do CCA-UFSCar, Roberta Cornélio Ferreira Nocelli, e também autora do artigo.

Roberta é presidente de um grupo de trabalho da Comissão Internacional para Relações Planta-Polinizadores (ICCPR) com o objetivo de desenvolver métodos para testar a toxicidade em abelhas nativas brasileiras.

Outro autor do estudo, Osmar Malaspina, professor do Instituto de Biociências do campus da UNESP em Rio Claro, destaca a importância de usar esses dados sobre os impactos dos agrotóxicos em abelhas para justificar restrições mais rigorosas aos pesticidas. “Queremos que a agricultura seja mais sustentável e ande de mãos dadas com a conservação. Esta é a única forma de garantir a segurança alimentar futura”, pontua o pesquisador.

O estudo foi realizado no âmbito do Programa FAPESP de Pesquisa em Caracterização, Conservação, Restauração e Uso Sustentável da Biodiversidade (BIOTA-FAPESP).

  • Duda Menegassi

    Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.

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