Encurralado pelo crescimento rápido da cidade de Manaus, o sauim-de-coleira está entre os primatas mais ameaçados da Amazônia brasileira. Com cada vez menos florestas para chamar de sua, o pequeno macaco depende de novas áreas protegidas que resguardem seu já reduzido habitat, alertam pesquisadores. Um levantamento liderado pelo Instituto Sauim-de-Coleira com apoio do Museu Paraense Emílio Goeldi aponta que mais da metade da área de distribuição do primata está sob forte pressão, tanto pela urbanização quanto pela expansão agrícola. O estudo identifica cerca de 497 mil hectares de áreas prioritárias para criação de unidades de conservação que possam garantir o futuro do sauim na metrópole amazônica.
O artigo foi publicado no final de agosto no periódico científico Journal for Nature Conservation, com acesso aberto. O texto é assinado por um time de 13 pesquisadores de diferentes instituições.
O sauim-de-coleira (Saguinus bicolor) vive apenas em uma pequena porção do estado do Amazonas, entre os municípios de Manaus, Itacoatiara e Rio Preto da Eva. São cerca de 8 mil quilômetros quadrados – o equivalente a menos de 1% do estado amazonense ou o tamanho da Região Metropolitana de São Paulo. É uma das menores áreas de distribuição geográfica conhecida entre os primatas amazônicos.
O primata manauara – que foi listado entre os mais ameaçados do mundo na edição 2023-2025 do Primates in Peril – é atualmente classificado como Em Perigo de extinção pela avaliação nacional do ICMBio. A perda de habitat é a principal ameaça à espécie.

De acordo com a pesquisa, atualmente cerca de 36% da área urbana de Manaus ainda possuem cobertura de vegetação e 29,5% estão sob algum tipo de proteção – o equivalente a pouco mais de 14 mil hectares. Entretanto, a grande maioria (95,7%) pertence a categorias mais “frágeis” de preservação, como Áreas de Proteção Ambiental (APAs).
Apenas 4,3% são unidades de conservação (UCs) de proteção integral, com regras mais restritas para uso e ocupação.
“Como resultado, 48% da vegetação dentro de áreas protegidas já foi perdida, reduzindo o total de habitat disponível para o sauim-de-coleira”, alertam os pesquisadores no artigo
Outros quase 10 mil hectares de vegetação dentro da área urbana seguem desprotegidos.
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O estudo aponta que proteger as áreas verdes e as Áreas de Preservação Permanente (APPs) – num total de 20.365 hectares, o equivalente a 41% da cidade de Manaus – deve ser prioridade para a conservação do sauim-de-coleira no contexto urbano.
Somado com a área rural, onde há fragmentos maiores e melhor preservados de floresta, o mapeamento – que faz parte das ações do Plano de Ação Nacional (PAN) para a Conservação do Sauim-de-Coleira – identificou um total de 18 fragmentos, com tamanhos que variam de 32 a 199 mil hectares. Ao todo, foram apontados 477 mil hectares prioritários para conservação do sauim-de-coleira, o equivalente a pouco mais da metade (56%) da área de estudo.
“Salvar o sauim-de-coleira não é apenas sobre proteger uma espécie carismática. É sobre garantir áreas verdes que mantêm o equilíbrio climático e a qualidade de vida de milhões de pessoas que vivem em Manaus”, destaca o coordenador do estudo, Maurício Noronha, um dos fundadores e atual diretor do Instituto Sauim-de-Coleira.

Para além de novas – e mais rígidas – unidades de conservação – pesquisadores sugerem um melhor monitoramento e ações de restauração da vegetação nativa nas áreas protegidas já existentes, em especial nas APPs no contexto urbano, para promover a conectividade entre os remanescentes florestais.
“Estamos diante de um paradoxo: o maior centro urbano da Amazônia, que abriga mais de 2 milhões de pessoas, também é a única casa desse primata único. O futuro do sauim-de-coleira depende diretamente das escolhas que Manaus fará agora sobre seu crescimento e conservação”, afirma a pesquisadora Ana Luisa Albernaz, do Museu Paraense Emílio Goeldi, que liderou o estudo, financiado pela Re:wild.
A expectativa é que o mapeamento ajude a balizar políticas públicas para conservação do sauim-de-coleira.
Dois símbolos manauaras juntos
Junto com o sauim-de-coleira, o estudo considerou o habitat de outra espécie símbolo de Manaus, o sapinho-manauara (Atelopus manauensis). Cerca de metade da área de distribuição do anfíbio – descoberto apenas em 2020 – é concomitante a do primata.
Sua inclusão como uma das espécies-alvo do mapeamento aumenta a representatividade e relevância das áreas prioritárias, justificam os pesquisadores, e as fortalecem enquanto política pública.
Luta por mais proteção
Uma das principais UCs de proteção integral para o primata é o recém-criado Refúgio de Vida Silvestre Sauim-de-Coleira, com cerca de 15 mil hectares, na zona rural do município de Itacoatiara, no limite leste da distribuição da espécie.
Criada em junho de 2024, a UC era uma luta antiga de pesquisadores e ambientalistas que pedem há anos por mais unidades de conservação de proteção integral para garantir a proteção e conectividade das florestas em que vive o sauim.
Com a criação do refúgio, passou para quatro o número de UCs de proteção integral no habitat do primata: dois parques municipais e um estadual, que somam juntos cerca de 100 hectares, completam a lista.
Com regras mais flexíveis sobre uso e ocupação, a maioria das UCs no território do sauim são de uso sustentável, como as Áreas de Proteção Ambiental. Apenas em âmbito municipal em Manaus são seis.
Outros importantes maciços florestais seguem de pé em propriedades particulares como a Reserva Florestal Adolpho Ducke, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), com 10 mil hectares; o Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS), do Exército, com cerca de 100 mil hectares, a maior área contínua de floresta dentro do habitat do sauim; e o campus da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), com cerca de 600 hectares.
Além disso, no extremo leste da distribuição do sauim, está a Terra Indígena Rio Urubu, com 27 mil hectares, habitada pela etnia Mura.
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