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Siri-capeta, um terror no litoral brasileiro

Pesquisas mostram espécies exóticas avançando em toda a costa, unidades de conservação e até anomalias em animais

Aldem Bourscheit ·
24 de maio de 2024

Nativo de regiões dos oceanos Pacífico e Índico e hoje em áreas como no Mar Vermelho e Golfo Pérsico, África, Índia, Filipinas, China, Austrália e Havaí, o Charybdis hellerii invade quase sem freio o Brasil, onde seus pequenos chifres lhe renderam a alcunha de siri-capeta.

Adultos, ovos e larvas de espécies invasoras como essa podem se espalhar por correntes marítimas, mas sobretudo pela água de lastro que navios usam para equilibrar cargas e, depois, despejam mundo afora. As recomendações globais para conter essa contaminação raramente são obedecidas. 

Os primeiros registros do siri-capeta no país datam dos anos 1990, em estados como Bahia, Alagoas e São Paulo. A espécie é vista hoje do Pará a Santa Catarina, mostra um relatório acessado no ICMBio. Mas ele não é um invasor solitário. O peixe-sapo (Opsanus beta), natural no Golfo do México e da costa dos Estados Unidos, e o mexilhão-verde (Perna viridis), esse nativo de águas salgadas da Ásia-Pacífico, também se disseminam velozmente.

No Sul do país, as três espécies invasoras chegaram a unidades de conservação como o Parque Estadual Acaraí e Área de Proteção Ambiental Anhatomirim, em Santa Catarina, áreas de proteção ambiental e estações ecológicas de Guaraqueçaba, das ilhas do Mel e da Galheta, parques Estadual Ilha das Cobras e Nacional das Ilhas dos Currais, no Paraná. 

Consultora sobre Ictioplâncton (ovos e larvas de peixes) do programa Rebimar, Cláudia Namiki explica que espécies exóticas competem por comida e espaço com animais nativos, e ainda têm vantagens competitivas sobre esses por não terem predadores naturais.

“A grande quantidade de espécies invasoras é um indicador de desequilíbrio do ambiente”, ressalta a doutora em Oceanografia Biológica pela Universidade de São Paulo (USP). “É preciso melhor entender os impactos que estão por trás dessa presença constatada”, afirma.

Nativo das águas do Golfo do México e dos Estados Unidos, o peixe-sapo é uma das espécies invasoras do litoral brasileiro. Foto: Jonathan Sabin/Creative Commons

Pescadores paranaenses contam que o siri-capeta é sempre mais encontrado, mas que sua pouca carne não tem gosto bom. Por sua vez, a coordenadora da Fauna de Manguezal no Rebimar, Cassiana Metri, avisa que até essas pessoas podem ser afetadas pelo espraiamento da espécie exótica.

“Se o siri começar a competir com as espécies comerciais, haverá um baita impacto socioambiental, uma vez que dificilmente se consegue erradicar esses invasores. O risco com o Charybdis hellerii é ameaçar a pesca do siri [nativo] na Baía de Paranaguá”, alerta. 

Conforme Cassiana, tentam controlar a disseminação do siri-capeta na região do Porto de Paranaguá (PR), onde o invasor ocorre ao menos desde 2010 e se alastra ferozmente. “A continuidade do monitoramento vai indicar se a ação está sendo efetiva ou não”, destaca.

O peixe-sapo é encontrado desde 2005 em locais como Santos (SP) e nas paranaenses Paranaguá e Guaratuba. É uma espécie muito resistente, agressiva e territorialista. Já o mexilhão-verde teve seu primeiro registro no Paraná em 2022. “Agora, ele está em qualquer rocha que observamos. Pode haver um problema nos cultivos comerciais de mexilhão-marrom pela disputa de espaço”, diz Rafael Metri, vice-presidente da Associação MarBrasil e pós-doutor em Dinâmica dos Oceanos e da Terra pela Universidade Federal Fluminense (UFF).  

O mexilhão-marrom (Perna perna) teria chegado aqui há séculos, de carona em navios negreiros vindos da África. É cultivado e usado na culinária de regiões litorâneas de Santa Catarina e do Paraná, e até considerado nativo no Brasil por alguns pesquisadores.

Fora da curva

Em suas navegações e mergulhos, pesquisadores e aspirantes a cientistas topam até com verdadeiras aberrações em animais vivendo em manguezais ou em águas de rasas a profundas. Os achados incluem um “caranguejo zumbi”, se movendo sem problemas apesar de já completamente oco, e outro desses animais sendo devorado vivo por um parasita, parente dos tatuzinhos-de-jardim (Oniscidea sp). Cenas de filmes de ficção científica.

O parasita que devorava um caranguejo ainda vivo. Foto: Cassiana Metri/Rebimar/Divulgação
O caranguejo com pata de três dedos. Foto: Anne Carolina Sandi/Rebimar/Divulgação

Outra anomalia foi um caranguejo com “três dedos” numa pata dianteira. Ele foi identificado logo antes de ser comido pela família de um aluno de Cassiana Metri, do Rebimar. “Foi o único assim encontrado por aqui, até agora. Hoje o exemplar raro está na faculdade. É nossa estrela”, conta. 

*Com informações do Programa Rebimar, focado em pesquisa e conservação das regiões litorâneas do Paraná e do sul de São Paulo. Ligado à Associação MarBrasil, é apoiado pelo Centro de Estudos do Mar da Universidade Federal do Paraná e Instituto Federal do Paraná e patrocinado pela Petrobras.

  • Aldem Bourscheit

    Jornalista cobrindo há mais de duas décadas temas como Conservação da Natureza, Crimes contra a Vida Selvagem, Ciência, Agron...

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