Análises

Cortar árvores ajuda, mas não é suficiente para restaurar restinga invadida por pínus

Somente a eliminação dos pínus invasores não é suficiente para que todas as espécies nativas voltem a ocupar o espaço onde estavam antes dessas árvores invasoras chegarem

Michele de Sá Dechoum ·
7 de março de 2022 · 2 anos atrás

Aprendemos desde crianças que devemos plantar árvores. De fato, árvores têm papéis sociais e ambientais muito relevantes, ainda mais no cenário de crise climática que estamos vivendo. Mas esses benefícios podem ser comprometidos dependendo de quais árvores são plantadas e onde são plantadas. 

Algumas árvores que não são nativas podem provocar impactos negativos de grande magnitude sobre áreas naturais. Espécies do gênero Pinus, popularmente conhecidas como pínus ou pinheiros-americanos, podem impactar negativamente plantas e animais nativos, alterar paisagens culturais e reduzir a disponibilidade de recursos, como água e alimento, provocando impactos negativos também sobre o bem-estar humano. 

Nestes casos, a eliminação dessas árvores chamadas de exóticas invasoras pode reduzir danos sobre plantas nativas e ajudar a recompor o funcionamento de sistemas naturais. Este foi um dos principais resultados encontrados em estudo realizado em áreas de restinga localizadas no Parque Natural Municipal das Dunas da Lagoa da Conceição, em Florianópolis (SC, Brasil), e recentemente publicado no periódico internacional “Ecological Solutions and Evidence”. 

No estudo, os autores mostraram que em áreas invadidas por árvores de pínus, à medida que o tempo passa, plantas nativas que são adaptadas à muita luz vão sendo substituídas por plantas de outros ambientes e que são adaptadas à sombra. Nessas áreas invadidas, as plantas de menor porte praticamente desaparecem e ocorre uma descaracterização completa da flora nativa. 

Voluntários do projeto que combate pínus no Parque Natural Municipal das Dunas da Lagoa da Conceição. Foto: Michele de Sá Dechoum/UFSC.

Os autores apontam também que somente a eliminação dos pínus invasores não é suficiente para que todas as espécies nativas voltem a ocupar o espaço onde estavam antes dessas árvores invasoras chegarem. Uma consequência é que a diversidade de plantas hoje é menor em áreas onde os pinheiros invasores foram eliminados quando comparadas com áreas onde eles nunca invadiram. Dessa forma, os autores apontam que é necessário plantar ou semear alguns arbustos para aumentar a diversidade de espécies nativas, como a aroeira-brava (Lithraea brasiliensis) e a caúna (Ilex dumosa).

O artigo intitulado “Efeito do tempo de invasão e de ações de controle em ecossistemas costeiros invadidos por pinheiros-americanos invasores”, é fruto do projeto de mestrado da gestora ambiental Letícia Mesacasa, desenvolvido no Programa de pós-graduação em Biologia de Fungos, Algas e Plantas da Universidade Federal de Santa Catarina.

O trabalho de mestrado foi desenvolvido no sentido de avaliar qual o resultado de um programa de controle de pínus invasores que vem sendo conduzido desde 2010, por meio de uma parceria entre o Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental e o Laboratório de Ecologia de Invasões Biológicas, Manejo e Conservação da Universidade Federal de Santa Catarina. 

Em mutirões de controle realizados mensalmente, pínus invasores são cortados e arrancados por voluntários que auxiliam neste programa de restauração ambiental. Até o momento, quase 400.000 pínus já foram eliminados e cerca de R$ 150.000,000 foram poupados dos cofres públicos nessa iniciativa de manejo comunitário. Caso o trabalho não tivesse sido iniciado em 2010, cerca de 1/3 de toda a área do Parque (700 hectares) estaria invadida por pínus até 2028, conforme apontado em outro estudo.

Paisagem do Parque Natural Municipal das Dunas da Lagoa da Conceição. Foto: Divulgação.

Espécies de pínus foram introduzidas em Florianópolis em 1963 para fins silviculturais, e disseminadas localmente na década de 1970. Além disso, plantios posteriores de pínus ocorreram para fins ornamentais e para a contenção de dunas em propriedades privadas existentes no entorno do Parque onde o estudo foi desenvolvido. Muito possivelmente essas árvores plantadas tenham sido e ainda sejam as principais fontes de sementes que originaram as árvores que ocupam o interior do Parque, tendo em vista que as sementes leves de pínus podem ser levadas pelo vento a algumas dezenas ou, mais raramente, a centenas de metros de distância.

A boa notícia é que o programa de controle de pínus e outras plantas exóticas invasoras em áreas costeiras continua em plena atividade. Com o apoio da EOCA, o trabalho está sendo ampliado para novas áreas com os objetivos de restaurar ecossistemas costeiros e discutir junto à população local a relevância desses ecossistemas frente a eventos climáticos extremos. Novas parcerias também estão sendo firmadas, incluindo tanto associações e moradores locais quanto o poder público municipal, no sentido de plantar e semear as plantas nativas que devem voltar a ter seu espaço nessas áreas com grande relevância biológica e cultural para a sociedade.

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

  • Michele de Sá Dechoum

    Docente do Departamento de Ecologia e Zoologia da UFSC, colaboradora do Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambi...

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Comentários 1

  1. Augusto Milagres e Gomes diz: