Colunas

Cultivando a invasão biológica

Invasão biológica de espécies botânicas causam prejuízos ao meio ambiente. Cultivar plantas ornamentais exóticas potencialmente invasoras deveria ser proibido

13 de março de 2024
  • Ricardo Cardim

    Paisagista e Botânico, é diretor da Cardim Arquitetura Paisagística, escritório especializado em grandes projetos e com atuação nacional.

Nos últimos dias, a publicação do Relatório Temático sobre Espécies Exóticas Invasoras, Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES), confirmou o que já sabíamos do extenso impacto ambiental, social e econômico da invasão biológica. O que poucos ainda sabem é a enorme responsabilidade de nossos jardins e paisagismo nisso.

Convencionalmente considerada uma questão ambiental menor, ou apenas singela e pontual, as áreas verdes planejadas por seres humanos os acompanham praticamente em todos os lugares que ocupam no planeta, e junto introduzem e disseminam o seu repertório de espécies vegetais produzidas e melhoradas em laboratórios e viveiros industriais, localizados principalmente na Europa e EUA, com plantas de mínima variabilidade genética e desenhadas para atender apenas a interesses mercadológicos e nenhum ecológico. Uma salada de plantas estrangeiras que nada tem a ver com a maioria dos ecossistemas naturais, e um eficiente meio de ampla difusão de espécies exóticas invasoras por todo o globo. São jiboias, agaves, amoreiras, bambus, costelas-de-adão, beijinhos, e muitos outros.

No Brasil, país detentor da maior biodiversidade do planeta, esse quadro é ainda mais ameaçador. Possivelmente – e sendo conservador – cerca de 90% das plantas usadas atualmente em paisagismo no nosso território não participavam da flora original regional antes da invasão europeia. São arborizações e paisagismos idênticos, embasados em espécies exóticas que ocupam de Manaus a Porto Alegre, Vitória a Cuiabá, criando as mesmas paisagens biologicamente homogêneas, independente de estarem na Amazônia, Cerrado ou Mata Atlântica.

A Praça Paris, no Rio de Janeiro, foi construída em 1926 com projeto do urbanista francês Alfred Agache e reproduzia o traçado de um típico jardim parisiense da época, abrigando em seus espaços grande número de amendoeiras e outras espécies exóticas da Mata Atlântica. Foto: Wikimedia Commons

Além da clara erosão cultural pela profunda desconexão da população brasileira com o seu maior patrimônio de biodiversidade do mundo, o que reflete diretamente na preservação e valorização dos remanescentes nativos, isso ainda causa, e vem causando há décadas, graves invasões biológicas e degradação dos ecossistemas naturais pelas ditas plantas ornamentais, fatos que, embora já bem explicados pela ciência, são novidade e até mesmo refutados por pessoas defensoras da natureza, até porque misturam sentimentos como nostalgia e amor pelas plantas tradicionais de jardim. Como Botânico e Paisagista, acompanho esses dramas silenciosos há muito tempo, e tenho testemunhado situações drásticas e caóticas de plantas invasoras vindas do paisagismo degradando agressivamente áreas destinadas à preservação públicas e privadas, sem que ninguém faça nada.

Nem toda planta exótica é invasora, mas as que reconhecidamente são assim consideradas por evidências científicas ou são novidades com potencial já relatado em outras localidades, deveriam ser proibidas de serem comercializadas e cultivadas em jardins. Porque o seu impacto ambiental é imprevisível, e certamente vai contra o nosso direito fundamental previsto artigo 225 da Constituição Federal de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida.

Já olhou para quem são as plantas do seu jardim? O que vai fazer em relação a isso?

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

Leia também

Colunas
25 de outubro de 2023

A influência cultural do paisagismo na preservação dos remanescentes nativos

Se o repertório das plantas presentes no cotidiano da quase totalidade dos brasileiros é de origem estrangeira, haverá uma desconexão histórica e real entre as pessoas e flora nativa

Análises
18 de junho de 2020

Cadê a planta que estava aqui?

Enquanto discutimos o desaparecimento de animais carismáticos ao redor do mundo, seres tão importantes quanto estão se extinguindo de forma silenciosa

Reportagens
3 de setembro de 2018

Diversidade de árvores é 3 vezes maior do que se pensava nas áreas úmidas da Amazônia

Pesquisa revela que nas regiões úmidas da maior floresta tropical do mundo, a variedade de espécies arbóreas é pelo menos três vezes maior do que se imaginava. De 1.119 para 3.615

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Comentários 2

  1. Amarildo diz:

    Proíbem o cultivo de nativas, perde-se a possibilidade de se conhecer riquezas locais, a ponto das pessoas se tornarem analfabetos botânicos, considerando nossas jóias botânicas como mato, viveiros deveriam ser obrigados a trabalhar com nativas locais, mas só pensam em lucrar e nesta ganância nem percebem as jóias botânicas em suas mãos.


  2. Adriano Canci diz:

    Meu jardim é 100% nativo!