Na última quinta-feira, 10 de março, o site do jornal The New York Times registrou que a reportagem mais enviada por e-mail naquele dia tratava da entrada de grupos evangélicos na discussão sobre aquecimento global. Durante dois dias, cerca de 150 líderes evangélicos estiveram reunidos nos subúrbios de Washington e na sede do Parlamento, o Capitólio, para colocar o tópico na agenda de suas prioridades.
À frente do movimento estava o pastor Richard Cizik, presidente de Assuntos Governamentais da Associação Nacional dos Evangélicos (NEA, na sigla em inglês), conhecido há anos por sua luta pelos direitos humanos e causas sociais. O encontro chegou a atrair ícones do governo, como o senador Joseph Lieberman, de Connecticut (ex-candidato a vice-presidente na chapa de Al Gore), e representantes de empresas já engajadas em ações de preservação ambiental. Segundo um dos pastores presentes, os evangélicos representam 30 milhões de pessoas nos EUA, e se quiserem fazer diferença nessa área, eles farão.
O pontapé inicial foi positivo. Cem líderes assinaram um documento intitulado “Para a saúde da Nação: um chamado Evangélico para a Responsabilidade Cívica”. A mensagem é clara e promete influenciar opinião pública e governo em novas rodadas de discussão sobre temas ambientais: “Ar limpo, água pura e recursos adequados são cruciais para a saúde pública e a ordem cívica. O governo é obrigado a proteger seus cidadãos dos efeitos da degradação ambiental”. O pastor Civik conversou exclusivamente com O Eco, de seu escritório em Washington, logo após as reuniões.
Como foram os encontros?
Foram muito bons, acho que cumprimos nossos objetivos. Mais de cem líderes evangélicos assinaram o documento que elaboramos e que nos desafia a estabelecer uma agenda bíblica para o futuro. Esta foi a nossa prioridade na semana passada. Os 150 líderes vindos de diversas organizações de todas as partes dos Estados Unidos foram uma amostra bem representativa dos evangélicos da nação.
Todos têm a mesma preocupação com o meio ambiente e com assuntos ligados ao clima da Terra?
Nem todos têm visões idênticas sobre o assunto. Mas todos concordam que o cuidado com a Criação é parte de nosso dever. Temos de ser guardiões de nossa Criação.
Como o senador Joseph Lieberman, judeu religioso, está envolvido neste movimento?
Ele propôs algumas leis que tratam do aquecimento global. Algumas pessoas o apoiam, outras se opõem, mas ele é responsável por um esforço pioneiro para colocar em pauta as discussões sobre emissões de carbono.
Em que medida os evangélicos estão comprometidos com o governo Bush? Os senhores se reúnem com regularidade para discutir questões como esta?
Nos reunimos com líderes duas vezes por ano, mas nunca havíamos nos reunido antes para falar especificamente sobre aquecimento global. Inclusive, o documento da Responsabilidade Cívica estava pendente há alguns anos. Esta foi a primeira vez em que tivemos duas pessoas do governo presentes em nossas reuniões, assim como John Houghton, de Londres, líder do painel governamental de mundança climática, que veio nos ensinar mais sobre o assunto.
A maioria dos evangélicos é republicana. Isso pode ajudar a incentivar o governo a tomar atitudes pró-verde?
De fato, compomos 40% da base de republicanos. Se nos mostrarmos ao mesmo tempo pró-negócios e pró-meio ambiente, o Partido Republicano nos escutará. Seria besteira da parte deles se não o fizessem. Nós, evangélicos, somos primeiramente fiéis às nossas tradições e crenças religiosas, e não a partidos políticos. Mas os republicanos e o governo Bush têm sido bastante amigáveis à Associação Evangélica Nacional, e esperamos que isso continue. Apreciamos várias coisas boas que o governo Bush tem feito neste sentido, incluindo o gasto de 5 bilhões de dólares em pesquisas sobre mudanças climáticas. Não há uma guerra da nossa parte contra o governo Bush. Pelo contrário, achamos que este assunto deve ser tratado fora do cenário político, sem partidos, apenas como um esforço conjunto para que haja uma melhora.
O atual governo americano recusou-se a aderir ao Protocolo de Kyoto e se opõe ao controle de emissões. Como os evangélicos podem incentivar o governo a fazer algo benéfico nesta área?
Na nossa opinião, tanto o Governo quanto o Congresso americano fecharam as portas para o Protocolo de Kyoto. Mas nós não fechamos questão sobre este assunto. Achamos que há várias maneiras de envolver e educar nossa comunidade sobre a temática ambiental, e falar sobre o Protocolo de Kyoto não é a forma correta de acertar nesta tarefa. Em outras palavras, preferimos educar nossas comunidades sob o ponto-de-vista bíblico, que descrevemos como Cuidado com a Criação, do que debater este tratado. Para muitos americanos, Kyoto é um assunto morto. Mas, certamente, para o resto do mundo ainda está vivo.
Como despertar o interesse ambiental na comunidade evangélica?
Primeiramente, fazendo com que pastores e líderes falem sobre os desafios que enfrentamos como pessoas e como nação. É preciso organizar igrejas de forma que elas reajam sobre o assunto. Algumas vezes, uma resposta legislativa é a forma de resposta mais adequada – outras vezes, não. Mas, no mínimo, deve existir um consenso sobre a questão do aquecimento global. E é isso que estamos tentando fazer.
Um dos pastores que participaram do encontro disse que vocês querem ser “ecologistas pró-negócios”. O que isso significa?
Queremos dizer que é possível para empresas obedecer a medidas corretas relacionadas à emissão de carbono e serem lucrativas ao mesmo tempo. Empresas como a DuPont têm feito isso. O especialista da DuPont em mudanças climáticas, Dr. Mark McFarland, esteve em nossas reuniões. Acreditamos, sim, que isso seja possível.
Segundo ecologistas, um dos problemas ambientais mais alarmantes é o rápido crescimento populacional. Como a igreja encara este paradoxo?
Não concordamos. Os movimentos ecológicos associados ao controle populacional foram uma das razões que levaram vários evangélicos a se desligar de assuntos relacionados ao meio ambiente. Por isso, nem utilizamos o termo ecológico, e sim Cuidado com a Criação.
Mas o argumento desses ecologistas é que a necessidade alimentar tanta gente no mundo acaba causando desmatamento.
Desmatamento é, certamente, um problema. Mas temos de achar outras maneiras de abordar o assunto alimentação. Isso pode ser feito, na nossa opinião, sem considerar o aborto ou outras formas de controle de natalidade.
Outro tópico relevante é a busca de energia alternativa para meios de transporte. Isso também foi discutido nas reuniões da semana passada?
Não especificamente, mas nosso documento tocou em temas como reciclagem, conservação de recursos, redução de poluentes, estímulo de eficiência de combustível e uso sustentável de recursos naturais. Estas são as maneiras como nós, cristãos, deveríamos estar cuidando da Criação.
O senhor planeja mobilizar evangélicos globalmente?
Sim, planejamos um dia de encontro global em 2006. A idéia é falar não só sobre meio ambiente, mas sobre direitos humanos, pobreza, liberdade religiosa. Estes são tópicos importantes para evangélicos do mundo todo. Não temos prevista nenhuma ação no plano legislativo, mas pretendemos educar sobre aquecimento global e mudanças climáticas. E acredito que a ciência está bastante desenvolvida nesta área, o que só vai nos ajudar.
Como foi a repercussão da campanha “What would Jesus drive?” (“Qual carro Jesus dirigiria?”), do pastor Jim Ball, que em 2002 dirigiu um carro híbrido pelos Estados Unidos?
A campanha teve muito sucesso. Uma das conseqüências foi ressaltar a importância da eficiência do combustível em automóveis. Por exemplo, segundo dados do governo Bush, 34% das emissões de carbono vêm de carros e caminhões. Se trocarmos nossos transportes para veículos híbridos, já seria um grande progresso. Os americanos têm de começar a olhar com bastante cuidado para o uso de recursos e avaliar se estamos sendo cuidadosos e eficientes com deveríamos.
Então seu carro não é movido só a gasolina?
Não, nem pensar! Comprei um carro de combustível híbrido, para ajudar o país.
Especialistas já afirmaram que no longo prazo os estragos que estamos fazendo ao meio ambiente serão mais ameaçadores que o terrorismo global, que tem ganho muito mais atenção. O senhor concorda?
Sem dúvida. Podemos pagar agora, expandir os recursos para proteger o meio ambiente, ou pagar no futuro. Só que o preço será bem mais caro. As empresas mais responsáveis já descobriram isso. Quanto a nós, líderes cristãos, devemos perguntar se somos bons guardiões do planeta criado por Deus. Os líderes evangélicos do mundo todo têm de responder a esta questão. E achamos que temos algumas respostas. Há respostas bíblicas, científicas e, possivelmente, legislativas, e vamos usar nossa influência no processo político americano para buscá-las. Vamos primeiro buscar nossa própria voz, para depois colaborar com outros movimentos que lidam com o meio ambiente.
* Tânia Menai é jornalista e mora há 9 anos em Nova York. Colabora para o site No
Mínimo e as revistas Veja, Super Interessante, Exame e Aprendiz.
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