Reportagens

A dança do Projeto de Lei

Câmara elege uma parte da direção da comissão que examinará o texto sobre gestão de florestas públicas. Mas o futuro do projeto ainda continua incerto.

Carolina Mourão · Manoel Francisco Brito ·
30 de março de 2005 · 20 anos atrás

Foi fechada na quarta-feira, dia 30 de março, a direção da comissão que vai apreciar em regime de urgência o Projeto de Lei de Gestão de Florestas Públicas. O relator será o deputado Beto Albuquerque (PSB-RS) e o presidente, o deputado Miguel de Souza (PL-RO), eleito por unanimidade. Só não se tem certeza ainda com que grau de urgência eles examinarão o projeto. Para começar, outros três parlamentares necessários à composição da Mesa diretora da comissão nem foram escolhidos ainda. Mas isso é o menor dos problemas.

O principal deles ficou claro em seminário que discutiu o projeto na Câmara dos Deputados, realizado paralelamente à tramitação. Praticamente todos os deputados presentes reclamaram da urgência constitucional. “O Ministério do Meio Ambiente teve um ano e meio para preparar o projeto, e quer que a gente o examine em apenas 45 dias”, diz a deputada Maria Helena (PPS). Entre os funcionários do governo presentes ao seminário, os representantes do Ibama criticaram a proposta. No final das contas, a defesa ficou restrita ao pessoal do Ministério do Meio Ambiente (MMA), responsável pelo texto, dois governadores – Eduardo Braga (AM) e Jorge Viana (AC) – ONGs e madeireiros.

Os madeireiros presentes eram a nata dos representantes do setor. Manoel Pereira, presidente da Associação das Indústrias Exportadoras Madeireiras do Estado do Pará, defendeu o texto como ele está, alegando a necessidade de um marco legal definitivo para o setor. “Estamos saindo da discussão do que é proibido para tentar definir o que será permitido”, diz Justiniano Neto, vice-presidente da União das Indústrias Florestais do Estado do Pará. “Tudo isso é muito bom, mas precisa ser feito rápido. Estamos com a corda no pescoço”, reclama Idacir Peracchi, da Juruá Florestal, uma das principais exportadoras paraenses de madeira legal.

No seminário, a Ministra Marina Silva até fez declarações doces aos ouvidos das madeireiras, insistindo na tecla de que o governo não abrirá mão do regime de urgência. Nas negociações de bastidores, isso não tem sido dito de forma tão clara. Ela também não esclareceu qual vai ser a estratégia do governo caso o projeto entre em regime de tramitação normal. Os deputados, pelo menos esta semana, têm sido explícitos na sua rejeição à questão da urgência. Na terça-feira, dia 29 de março, em reunião com a Comissão da Amazônia na Câmara, representantes do MMA chegaram a ouvir uma ameaça velada, caso não recuassem nesse ponto.

“Se vocês insistirem na urgência urgentíssima, o governo corre o risco de não ter comissão e de ter um relator indicado pelo Plenário”, ameaçou um dos deputados, segundo relato de quem esteve no encontro. “Imagina, discutir no varejo, artigo por artigo no plenário!”. Aparentemente o governo entendeu o recado. Na quarta-feira, enquanto se negociava a relatoria e a presidência, antes da votação dos membros da comissão, já se discutia um tipo de idéia que só floresce em Casas Legislativas: adiar a urgência sem retirar a urgência. Óbvio, vai exigir um bocado de ginástica regimental.

A discussão se limita, basicamente, em como dar mais tempo aos deputados para debater o texto, sem dar-lhes a impressão de que terão uma eternidade. Pela hora do almoço, a idéia que circulava era de fazer a tramitação de urgência até o prazo final de apreciação na comissão, dia 7 de abril, para depois retirá-lo, e voltar com o pedido, quase que simultaneamente, no dia seguinte, 8 de abril. Segundo o governo, há apenas um problema: Com a expiração do prazo de urgência, a comissão seria dissolvida. Para voltar a acelerar o processo, ele teria que começar tudo da estaca zero – incluindo aí a formação de nova comissão.

Ao final do almoço, a idéia ganhou nova maquiagem. O governo, num prazo de 48 horas, retiraria e voltaria com o pedido de urgência. Quem conhece o regimento interno do Congresso, diz que isso daria à Câmara 60 dias, ao invés de 45 para apreciá-lo. “Ainda estamos em negociação. E sensíveis aos apelos dos deputados. Mas é fundamental que esse projeto seja votado antes do recesso parlamentar”, diz Tasso Azeredo, diretor do Programa Nacional de Florestas do MMA.

“Eu continuo otimista”, diz Adalberto Veríssimo, do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Era uma voz solitária no seminário. Paulo Adário, coordenador da campanha da Amazônia do Greenpeace que defende a aprovação do projeto com algumas ressalvas, tem visão diferente. “O governo não parece ter uma estratégia clara para fazer o texto passar, principalmente para convencer a opinião pública de que a questão para a Amazônia é urgente”, diz. Essa também é a opinião de Carlos Alberto Guerreiro, diretor da Ghetal, uma madeireira certificada que opera no Amazonas. “Eu não acredito que o regime de urgência se sustente”.

Guerreiro, assim como Adário, não acredita que a falta de urgência seja um tremendo desastre, mas acha que a falta de um plano B do governo, tanto para empurrar o texto pelo Congresso, como para disciplinar a extração da madeira na floresta amazônica, pode criar uma situação de catástrofe. “A aprovação rápida seria ótima. Mas o governo não pode se esquecer também que ele precisa melhorar a sua presença e a capacidade de gestão do setor madeireiro na Amazônia”.

Antônio Carlos Hummel, diretor do Ibama, participou do seminário numa tremenda saia justa: os funcionários do órgão têm se manifestado contra o projeto e havia uma delegação deles presente ao encontro. Hummel, como representante do governo, fez o milagre de esculhambar o projeto sem, praticamente, fazer referência direta a ele. Mostrou uma série de dados de países africanos e asiáticos que aprovaram mecanismos de gestão florestal e que se encontram na rabeira do ranking do índice de desenvolvimento humano da Onu. Apenas eximiu-se de explicar como uma coisa tinha a ver com a outra.

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