Reportagens

Ecoturismo às avessas

A expansão do turismo no Chile coloca em risco seus Parques e Reservas. Agências de aventura usam guias despreparados e não sofrem qualquer fiscalização.

Bruno Prada ·
31 de março de 2005 · 20 anos atrás

O Chile tornou-se o centro do ecoturismo na América Latina. Com dezenas de áreas de preservação e uma infra-estrutura bem desenvolvida, o país recebe milhões de turistas de todo o mundo. A maioria vai atrás das belezas naturais chilenas e de amplos espaços vazios, coisas que provavelmente andam raras em seus países de origem. Estive no Chile em fevereiro pelas mesmas razões. Saí de lá temendo pelo seu futuro. Os Parques Nacionais estão sob risco de sucumbirem à intensidade do ecoturismo.

As agências de aventura, como se denominam as operações ecoturísticas, proliferam-se como moscas em San Pedro de Atacama, ao norte, e Pucón, ao sul, de onde saem grande parte das excursões aos Parques e Reservas Nacionais. Como o guia de viagens Lonely Planet adverte, muitas oferecem um serviço duvidoso, e até perigoso (carros mal conservados, motoristas apressados etc.).

Não é difícil abrir uma empresa do gênero no Chile, onde a burocracia é mínima e a fiscalização parece ser menor ainda. No verão, o cenário se complica ainda mais. Agências surgem em cada esquina, praticamente na porta dos fundos de algumas hospedagens. Guia não parece ser profissão. Tem mais pinta de bico. Vi um deles, por exemplo, jogar sua guimba de cigarro no chão, justo ao lado de deslumbrantes piscinas de águas termais ao nordeste de San Pedro de Atacama, no deserto.

Em mais ou menos dez passeios guiados que fiz por áreas de reserva e adjacências, em apenas um o guia fez as recomendações básicas de recolher o próprio lixo e não caminhar fora das trilhas. Esta guia, uma mulher, fez ainda o serviço de outros, ao coletar papéis e plásticos ao longo de uma trilha do Valle De La Luna, na Reserva Nacional Los Flamencos (Flamingos).

Marcelo San Martín, encarregado da educação ambiental no Parque Villarica – fronteira com Pucón, na Região dos Lagos –, explica que as aulas para formação de guias privados quase sempre focam a técnica e segurança específicas de cada atividade ou esporte, e deixam a ecologia em segundo plano. “É uma estupidez, pois sem a exuberância da natureza, esse tipo de negócio não existiria”, diz.

Em outras palavras, o ecoturismo no Chile corre o risco de ser vendido por gente que prefere ganhar o máximo de dinheiro em curto espaço de tempo, sem se preocupar com a sustentabilidade de longo prazo do negócio. Azar de quem chegar depois. As agências oferecem todo tipo de atividade ecoturística de forma muito acessível e comercial. Tudo ao mesmo tempo, várias vezes ao dia. Raftings, escaladas, mountain bike, trilhas, cavalgadas, onde a adrenalina parece ser bem mais importante do que a natureza.

Para o ambientalista San Martín, o turista estrangeiro é o mais consciente. Não deixa lixo nas trilhas, não desmata para acampar e toma cuidado especial com os fogareiros. Essa é a sorte das trilhas mais longas e de difícil acesso. Nas Termas Los Pozones, que fica perto do Parque Nacional Huerquehue, uma européia discutia com um grupo de chilenos. Eles fumavam incessantemente dentro de uma piscina natural. Indignada, ainda teve que ouvir o argumento: “tomamos cuidado para a cinza não cair na água”.

Apesar dos farofeiros e de alguns guias despreparados, a região dos lagos andinos é magnífica, e muitas vezes, quase deserta. Tirando os momentos em que passa uma excursão, é fácil ficar horas em uma trilha sem encontrar ninguém. Já Pucón no verão – a meca turística dos santiaguinos – é de dar medo. A praia de areia negra do Lago Villarrica é um filme de horror. Imagine a praia de Ipanema em um domingo de sol, hotéis de luxo na frente da água, palanques de promoção comercial disputando clientes e uma centena de pedalinhos e jet-skis a menos de cem metros de distância da areia despejando óleo na água. Aí você pode começar a ter idéia do conceito de contato com a natureza que circunda os Parques chilenos.

Apesar de 14 milhões de hectares, o equivalente a 19% do território chileno, estarem sob preservação ambiental, as ações dos órgãos governamentais deixam buracos que ninguém se compromete a assumir. A Conaf (Corporación Nacional Forestal) tem regulamentações claras e departamentos especializados, mas não fiscaliza as empresas de turismo. A Sernatur (Serviço Nacional de Turismo), cuja missão é “orientar, consolidar e dinamizar o desenvolvimento do turismo de forma sustentável”, informa que qualquer reclamação sobre esse tipo de serviço deve ser encaminhada ao Senac, o Procon chileno. Este, obviamente, não tem entre suas prioridades as questões ambientais.

* Bruno Prada é jornalista recém-formado.

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