Reportagens

Atolados na serra

Estrada Serramar (RJ) continua intrafegável depois dos deslizamentos e crateras causados pelas chuvas de verão. Agricultura, turismo e natureza esperam socorro.

Júlia Linhares ·
1 de abril de 2005 · 20 anos atrás

Desde 20 de fevereiro, quando uma enorme cratera se abriu na RJ-142, os moradores de Lumiar, Mury, São Pedro da Serra, Sana e outros pequenos vilarejos daquela área, que fica na região serrana do Rio, sentem-se isolados como nunca. A agricultura e o ecoturismo, duas importantes fontes de renda locais, agora são motivo de dor de cabeça.

A RJ-142 tem cerca de 70 km e liga as cidades de Casimiro de Abreu a Nova Friburgo, com trechos de asfalto e outros de terra. Aberta há 38 anos com o objetivo de ajudar a escoar a produção de banana da região utilizando burros, a via, também conhecida como Estrada Parque Serramar, ganhou importância com o tempo. Atualmente, serve de atalho entre as regiões serrana e litorânea e sua beleza natural incentiva o turismo. Desde o final de 2003 sofre com o excesso de chuvas fortes, mas neste verão a estrada não agüentou: além do buraco, vários deslizamentos tornam qualquer tentativa de locomoção uma aventura.

Quem se arrisca a passar na estrada com o caminhão nem sempre obtém êxito. “O caminhão de um amigo que produz inhame atolou, tivemos que jogar toda a produção fora para poder desatolá-lo. Estamos tendo muito prejuízo. De vez enquando a gente faz um multirão para tentar melhorar a estrada, mas isso adianta por pouco tempo”, afirma Vandi Overney, produtor de milho, banana, feijão, inhame e aipim.

A maioria dos agricultores da região vende sua produção tanto em Nova Friburgo como em Casimiro de Abreu, e para ambos os lados a situação está crítica. Os órgãos responsáveis pela Serramar são as prefeituras dos dois municípios, mas a população reclama que os políticos só lembram dela quando o assunto é voto. “Durante a época de eleições a estrada é uma maravilha. Nos outros anos é esquecida e nós ficamos nesta situação”, afirma Itamar Machon, dono da Pousada Cascata.

O turismo caiu quase a zero. A beleza e o sossego da região costumam atrair milhares de visitantes ao longo do ano. Itamar vive há 35 anos na região e afirma nunca ter visto uma situação como esta. “Normalmente, as pousadas ficam lotadas durante o carnaval. Para este ano já tínhamos fechado as reservas. Mas tivemos que devolver todos os depósitos feitos”, conta. Para a Páscoa, ele não aceitou reservas, com medo de ver a história se repetir.

Há mais de um mês o ônibus que passava diariamente pelos lugarejos não faz mais o trajeto. Quando chove e o barro fecha a estrada, as crianças não têm como chegar à escola. Mariná Schuindt leciona numa escola que fica na beira da estrada Serramar. “Nessas últimas semanas tenho feito o percurso a pé. As crianças que moram perto conseguem chegar, as que moram longe, não vão”, diz a professora.

“Mesmo a estrada alternativa que leva a Friburgo (Vargem Alta) está em péssimas condições”, atesta Eredilto da Silva, comerciante e produtor de banana. Outro caminho alternativo – o que liga Lumiar a Mury – é estreito e não agüenta o tráfego intenso dos últimos meses. Além disso, aumenta o percurso em uma hora e meia. Caminhões e carros de passeio ficam atolados. A prefeitura de Friburgo, sabendo disso, deixou um trator no local, para ajudar a retirar os veículos presos.

Como sempre ocorre nas adversidades, há quem consiga tirar proveito da situação. Um vendedor de frutas e legumes que ficou preso entre duas crateras no trecho Lumiar-Mury vive agora de levar as pessoas de um buraco ao outro. Para o trajeto de 4km, feito de Kombi, ele cobra 5 reais.

Toda a região é Área de Preservação Ambiental (APA). Além dos danos à população, a natureza também está sendo afetada. O rio Macaé, um dos poucos do estado ainda limpos, de água cristalina, está sendo assoreado. Os desmoronamentos de encostas enchem seu leito de resíduos. Em muitos trechos é visível a diminuição do curso d’água. “Isso está acontecendo porque toda a beira de estrada está plantada com capim braquiária. O capim, diferente das árvores, não absorve a água da chuva. E, quando chove, o morro se transforma em rio, levando consigo toda a superfície da terra”, explica Vandi, produtor rural.

Para ele, seria importante que os órgãos de fiscalização, em vez de só cobrar da população, fizessem campanhas de conscientização sobre a importância da mata ciliar na beira do rio e sobre como proceder em certas situações. “Muitos de nós não temos instrução sobre o local certo de plantio”, argumenta. Infelizmente, não é só a população local que é desinformada. A prefeitura de Casimiro de Abreu foi proíbida pelo Departamento de Estradas de Rodagem (DER) de realizar obras na estrada. Além de piorar as condições de tráfego, os tratoristas da prefeitura estavam causando ainda mais riscos de desmoronamento, ao deslocar encostas de forma incorreta, além de lançar terra diretamente no rio Macaé.

* Júlia Linhares é fotógrafa e estudante de Jornalismo.

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