Reportagens

Cada vez mais verde

A jornalista Miriam Leitão não só trabalha ao lado do O Eco como está cada vez mais do nosso lado, como mostram seus novos versos sobre a natureza.

Sérgio Abranches ·
7 de abril de 2005 · 20 anos atrás

Ao ver o “cemitério das árvores”, que foi capa de O Eco, em visita a Itaipu, Míriam Leitão, uma apaixonada pelas árvores, vestiu a roupa de poeta e fez a elegia da mata que sucumbiu na inundação que formou o reservatório da hidrelétrica. Ao sobrevoar as cataratas de Foz de Iguaçu, celebrou-as como sobreviventes. Por uma questão de quilômetros, da caprichosa morfologia geológica e toda a parafernália de cálculos sobre vazão e força d’água, foi-se Sete Quedas e ficaram as quedas da Foz do Iguaçu. O Eco, em mais um esforço para mostrar o lado estético do ambientalismo, defendido com brilho por Wanderley Guilherme dos Santos em sua entrevista, traz em primeira mão os versos nada econômicos de Míriam Leitão.













Árvores de Itaipu


Que pretendem,
as árvores de Itaipu?
Que pretendem
quando se lançam aos céus,
descarnadas
em gritos frios.
Não são mais nada.
Condenadas,
há vinte anos, condenadas,
mas erguidas
fiapos de vida
apontando o céu.
Que vida terão
as árvores de Itaipu?
No grande espaço coberto pelas águas
que no seu escondido dos olhos
guarda as quedas que não caem mais.

Que vida terão?

Por que resistem
as árvores de Itaipu?
Sem folhas, sem fruto, sem nada,
teimosas,
prolongam o tempo
para muito além da vida.
Prolongam-se, as árvores de Itaipu
como acusação,
denúncia anêmica.
inquietante
Por que não morrem,
as árvores de Itaipu?
Para apagar da vista
o que não podemos ver.
Melhor atitude tiveram as pedras.
Recolhidas no fundo da usina
silentes,
conformadas.
Apenas informam
que ali passava um rio.
Mas as árvores,
Implacáveis,
apontam diariamente o céu
o céu que nunca teremos.

Rio, 3 de fevereiro de 2005














Água Grande


O susto, entre o medo e o prazer
da grande água na pele
fria e carinhosa
assustadora e linda
como o berço da vida.

A vida por um fio
e protegida.
Vida que sabe ser breve instante
e para sempre guardada
no aconchego do planeta
agredido e protetor
devastado e fértil
perdido, refeito.

Vagando
no seu destino
predestinado
inventado
pelo mistério
que te leva
que me leva
no seu regaço.

Ser pequena na imensidão da terra.
Voar sobre o grande mundo de Deus
com coragem e medo.
Ser livre
pela teimosia da vontade
que derrota limites.
Abrir os olhos
sobre os espaços abertos
e entendê-los, afinal,
como o começo das possibilidades.

Andar na sombra das árvores
que estavam antes
que estarão depois.
Ver cada pequeno ser
vivo por breve tempo.
Tempo exato da passagem
na cadeia longa da vida
que se faz vida
para enfeitar a vida.
Saber a invisível presença do vento
que afaga os corpos e foge.
Ser apenas espanto
no silêncio do pensamento.
Ver o além do corpo
o intangível céu
em que cada tom
em cada som
em cada tempo
compõe a harmonia perfeita
na moldura da viagem solitária
e única.

Ser para sempre vida
vida flor
pássaro
catarata.
Ser para sempre árvore
abrigar a vida
refazer a vida
dissolver-se na terra.
Ser para sempre terra
germinando flor
acolhendo ninho
ensinando o futuro
repassando o tesouro
para manter a vida
para manter a terra.
Derramar-se na grande água
dos segredos ainda não contados.
Viver pela vida toda
o espantoso espetáculo
da vida na terra
com medo e prazer.

Foz do Iguaçu, 1o. de fevereiro de 2005

  • Sérgio Abranches

    Mestre em Sociologia pela UnB e PhD em Ciência Política pela Universidade de Cornell

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