Sair para um passeio ecológico é sempre uma diversão, mas a falta de um guia especializado pode colocar em risco toda a aventura. Foi o que aconteceu em Petrópolis, região serrana do Rio, onde cinco mulheres passaram mais de 50 horas perdidas ao tentarem fazer a travessia entre os picos do Cobiçado e Ventania, na região conhecida como Caxambu Pequeno.
A experiência do grupo não vai sair da lembrança. Marcela Zilves, 30 anos, sua mãe Celena, 52, as tias Celina, 57, e Celeida, 60, e a amiga Luciana Camarota Medeiros, 55, saíram para o passeio às nove da manhã de domingo, 17 de abril, e pretendiam estar de volta em casa antes das cinco da tarde. Mas por volta das 15h perceberam que estavam perdidas. “A neblina atrapalhou a visibilidade e quando nos demos conta de que estávamos no caminho errado já não sabíamos mais voltar”, relembra Marcela, que fazia sua primeira caminhada pela mata junto com a família. Sem o material necessário para enfrentar o problema, o grupo, que vestia calças e blusas de mangas curtas, passou duas noites enfrentando temperaturas próximas a 0º e sem ter o que comer.
Segundo Marcela, a sensação, durante todo o tempo, foi de desespero. “Logo que percebemos que estávamos perdidas fomos em busca de um rio qualquer que nos tirasse dali. Encontramos, mas não conseguimos sair da mata. Passamos os dias bebendo água do rio e a única coisa que comemos foi broto de bambu”. A primeira noite do grupo na região foi sobre uma pedra, no meio do rio, sob chuva forte. Na segunda-feira, Celeida e Luciana se perderam das demais, que à noite se abrigaram numa cabana usada por caçadores.
“Foi uma sorte termos encontrado a cabana porque eu já estava com princípio de hipotermia, por causa do frio. Acho que não resistiria a mais uma noite”, revela Marcela. Celeida e Luciana não tiveram a mesma sorte. Acabaram passando a segunda noite sobre outra pedra, também no rio, e reencontraram o restante do grupo na manhã seguinte.
O drama só acabou 50 horas depois do início da aventura, quando as cinco ouviram homens chamando por seus nomes. Eram moradores da região que tinham se juntado aos 50 bombeiros destacados para ajudar nas buscas. “Tínhamos andado muito e ouvi-los nos chamando foi um presente. Quando os encontramos agarrei no pescoço de um deles e não queria soltar. Precisava que ele me levasse embora dali”, relembra Marcela. Ao final do passeio, o grupo, que saiu para uma caminhada de 18 quilômetros que duraria no máximo 6 horas, contou mais de 85 quilômetros percorridos em 50 horas.
As irmãs Celena, Celeida e Celina tinham mais de 20 anos de experiência em caminhadas por trilhas no meio da mata. Mesmo assim, segundo o guia ecológico Anderson Campos Felipe, elas não deveriam ter se arriscado sem a orientação de um profissional. “Um guia saberia que as condições climáticas não eram ideais para o passeio e, com certeza, teria os equipamentos necessários para o caso de o grupo ficar perdido. Confundir a trilha não é tão grave. Até os guias se confundem. A diferença está no que eles podem fazer depois”, explica ele, que é amigo de três integrantes do grupo e acompanhou as buscas entre o Cobiçado e o Ventania.
A travessia é considerada um dos principais percursos para caminhada na região serrana por causa da paisagem. De um lado é possível ver toda a Baía de Guanabara e, do outro, o conjunto de montanhas de Petrópolis. O passeio tem grau de dificuldade médio, ou seja, não é indicado para iniciantes por causa dos obstáculos, como o que eles chamam de “escalaminhada”, uma espécie de subida em degraus em que é preciso usar as mãos como apoio.
“O erro delas foi no fim do percurso, quando, depois de passarem pelo Cobiçado, tentavam subir o Ventania. Ao lado da trilha que levava ao pico havia uma outra, que levava para a área conhecida como Pedra do Diabo. Elas se confundiram porque, além da pouca visibilidade por causa da neblina, havia bambu cobrindo o caminho que leva ao Ventania”, conta Anderson Felipe, que faria, no mesmo domingo, um passeio na região com um grupo de excursionistas. “Cancelei porque vi que a previsão meteorológica indicava tempo ruim”.
O montanhista Luciano Bender, vice-presidente da Federação de Esportes de Montanha do Estado do Rio de Janeiro (Femerj) e co-autor do livro Guia de Escaladas de Petrópolis (em parceria com Paulo Lúcio Tesch Loureiro), observa que há duas formas de as pessoas ficarem perdidas na mata: “Uma coisa é se perder; outra é perder a trilha, mas continuar sabendo a direção a tomar”, diz Bender, 27 anos, há 14 no montanhismo.
O caso das cinco mulheres se enquadra na primeira hipótese, de absoluta falta de orientação quanto ao rumo a seguir. “Nestes casos”, recomenda ele, “o ideal é voltar ao ponto em que se tinha certeza de que a trilha estava correta e deixar uma parte do grupo ali, enquanto a outra procura o caminho certo, marcando árvores com fitas para poder retornar”.
Ele e Anderson Felipe também mencionam alguns cuidados que as pessoas devem ter para se aventurar nas matas. Em primeiro lugar é preciso estar em boas condições de saúde e estar acompanhado de um guia especializado. Também é importante levar alimentos leves e de fácil digestão à base de nutrientes como carboidratos, proteínas e sais minerais. Frutas secas, sanduíches, barras de cereais e de produtos protéicos são os mais indicados, além de uma provisão de dois a três litros de água por pessoa, para uma caminhada com ida e volta no mesmo dia.
Aconselha-se levar também protetor solar, repelente e boné, além de um apito, que pode ajudar na localização de pessoas perdidas. Se possível, é recomendável ainda levar, mesmo no verão, capa de chuva, um agasalho e uma muda de roupas, para o caso de se molhar e ter que passar a noite na mata. Corpo molhado e queda da temperatura ambiente podem causar hipotermia, que em casos extremos leva à morte.
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