Presidente da Copebrás e das operações da Anglo American no Brasil, o executivo Nelson Pereira dos Reis achava que a atuação da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo na área ambiental deixava a desejar. Quando a sua chapa venceu a eleição, o presidente Paulo Skaf o convidou para a diretoria de meio ambiente da Fiesp. Foi o coroamento de uma carreira de ambientalista que, como ele mesmo explica, começou por uma dúvida surgida na sua cabeça na década de 70. Ele já trabalhava na empresa que hoje preside e nos dias de visita à fábrica voltava para sua casa coberto com um pó negro. Sua mulher não gostava do aspecto e do cheiro e ele achava que aquilo tinha tudo para lhe fazer mal. Todos diziam que suas preocupações não passavam de bobagem. Suas reclamações chegaram à presidência da empresa e ele foi chamado para uma conversa. Achou que seria demitido. Saiu de lá com a missão de buscar meios de reduzir as emissões de poluentes da fábrica. Na entrevista que segue, concedida na fábrica da Copebrás em Cubatão, ele fala sobre a sua experiência com o ambientalismo, as atitudes da indústria, e seus planos para a Fiesp.
Quando se começou a falar em responsabilidade ambiental nas empresas brasileiras?
Nelson: A associação da indústria química, a Abiquim, implantou um programa agressivo de atuação responsável. É uma iniciativa da indústria química mundial, a responsible care. A motivação desse programa veio das grandes empresas como a Dupont, a Union Carbide na época, a Dow, e que acabaram contagiando as empresas locais aqui no Brasil. As empresas locais estranhavam que as estrangeiras viessem aqui apoiar com recursos delas os nossos programas de gestão ambiental.
Aqui no Brasil isso começou há uns 10 anos, mas a iniciativa é mais antiga, começou no Canadá uns 15 anos atrás. Temos toda esta motivação, nós fazemos congressos da Atuação Responsável todo ano. Hoje o processo está mais adiantado, na fase das auditorias externas. Nós da Copebrás, por exemplo, somos chamados para auditar a Carbocloro aqui em Cubatão. Na Copebrás especificamente nós vamos começar a receber estas auditorias esse ano.
Tem coisas boas na área ambiental que a grande imprensa não cobre?
Nelson: Há uma grande falta de informação do público. Por isso, um dos pontos fortes do programa de Atuação Responsável é exatamente o diálogo com a comunidade. As empresas que aderem fazem um programa de fábrica aberta. Por exemplo a Carbocloro, que é nossa vizinha, tem esse programa há mais de 10 anos. Se você quer visitar a Carbocloro, você vai lá e tem toda uma programação. Nós estamos fazendo isso aqui na Copebrás todos os sábados: a gente abre a fábrica para a comunidade que vem aqui visitar, com direito ao almoço. Esse programa de Atuação Responsável quebrou o conceito de que a indústria tinha um muro em volta e o que acontecia aqui dentro era problema nosso. E porque isso aconteceu? Porque você começou a ter coisas muito sérias: o desastre da baía de Minamata no Japão, que foi contaminada por mercúrio, a tragédia de Bohpal, da Union Carbide, na Índia, tudo isso foi causado pela indústria química. Então o que é que nós vamos fazer? Começou a se criar a consciência de que a nossa atividade é de risco, e que para preservar o nosso negócio nós temos que melhorar.
O desastre do Exxon Valdez é outro exemplo. Já custou mais de 20 bilhões de dólares para a Exxon, só porque o comandante do navio estava bêbado. Até hoje a empresa está sofrendo as conseqüências. Então começamos a melhorar, fazer uma gestão ambiental.
Como você entrou na área ambiental?
Nelson: Eu sou engenheiro de formação. Eu estudei na USP, na Politécnica, trabalhei alguns anos em metalurgia, na montagem dos altos fornos e na expansão da Cosipa, mas acabei vindo para a Copebrás há 32 anos. Eu trabalhava no escritório de São Paulo. Na época, em 1972, a Copebrás estava construindo este complexo de fosfato e nós tínhamos aqui uma fábrica de negro de fumo, que hoje é a Columbian Chemicals. Eu vinha para a fábrica e o que é que acontecia? Quando voltava para casa minha esposa dizia: “não, não, não, nem entra aqui, larga essa roupa e joga no tanque.” Era o pó do negro de fumo, um negócio terrível que gruda na gente. Comecei a conversar com os meus colegas, mas eu era um engenheiro júnior e na época ainda nem se falava sobre meio ambiente. Eu comecei a perguntar se não dava para melhorar isso, e ouvia a resposta de que isso custaria dinheiro. Eu insistia que tínhamos como melhorar. Cheguei a ser tachado de comunista, porque na época qualquer um que dissesse qualquer coisa contra o que se fazia já era tachado de subversivo.
Subversivo?
Nelson: Pois é… Aí um dia o presidente da companhia, que na época pertencia a um grupo americano, me chamou para perguntar por que é que eu falava essas coisas. Eu respondi que não era por maldade, e sim porque eu achava que aquilo não era bom. Ele dizia que tinha estudos que mostravam que não era cancerígeno, não era nada que fizesse mal. Eu disse, já com medo de perder o emprego, que poderia não fazer mal pontualmente, mas que exposição a qualquer produto naquela quantidade deveria fazer mal. Ele me disse que já tinha feito esta pergunta para outros engenheiros, mas disseram a ele que não tinha jeito, que iria custar muito dinheiro. Eu respondi que tinha que ter um jeito, pois não podíamos continuar soltando aqueles resíduos na atmosfera.
E a coisa começou assim. Depois de um tempo começaram a ser instalados os filtros de manga e os precipitadores eletrostáticos, que no começo não eram muito eficientes mas já eram um avanço. O meu envolvimento com o meio ambiente ficava muito mais na curiosidade do que na formação, pois não sou especialista da área. Naturalmente, quando fui adquirindo mais responsabilidade na empresa comecei a conviver com o que nós passamos aqui em Cubatão.
Você passou pela pior fase.
Nelson: Foi a pior fase, mas quando se criou a Cetesb nós aqui dentro da Copebrás já estávamos num clima diferente. Já tínhamos um ambiente interno onde sabíamos que precisávamos melhorar. Para a nossa indústria era difícil, mas quando começamos a nos envolver com essa questão ambiental foi por uma pressão externa e por uma vontade interna. Só a vontade não ia fazer a coisa andar como andou, e essas duas coisas acabaram se conjugando. E por ter participado de fóruns de debate com a Cetesb e com as outras indústrias daqui, vimos que não adiantava uma empresa só, e nos juntamos então à Carbocloro, à Union Carbide, à Dow…
Foi difícil encontrar parceiros?
Nelson: Com essas empresas não tivemos problemas, porque elas estavam até na nossa frente. Mas nós tínhamos aqui duas empresas estatais: a Petrobras e a Cosipa. A Petrobras já tinha algum nível de consciência e informação do pessoal, mas a Cosipa era um desastre, não tinha nada. As pessoas da Cosipa não eram refratárias, mas havia um problema de falta de recursos, a empresa não ia bem financeiramente, então falar em por um dinheiro para se instalar um filtro ou qualquer coisa era um impacto. E por ser do governo federal, a Cosipa solenemente ignorava a Cetesb. Quando veio a privatização, muitos anos depois, a mudança foi radical. Hoje eles têm programas de gestão ambiental e estão gastando fábulas.
E como era a relação com a Cetesb?
Nelson: Nós tivemos a fase de diálogo de surdo-mudo. Eles falavam, a gente fingia que ouvia, era multa, multa, multa. Isso foi logo no inicio, mas depois se aceitou o papel da Cetesb e as indústrias começaram todas a fazer, com a Cetesb, seus planos de recuperação. Alguns mais agressivos e outros menos, já que nem todos tinham as mesmas possibilidades econômicas. Mas o importante dessa fase é que sempre se caminhou pra frente e não houve retrocesso. A Cetesb criou uma política firme e determinada e a resposta das empresas foi positiva. Nós das indústrias de Cubatão também nos juntamos para trocas de experiências, o que foi um apoio importante. E veja você que não são empresas que fazem a mesma coisa, são empresas que fazem produtos diferentes: na Carbocloro soda e cloro, na Union Carbide o polietileno, nós aqui fazíamos negro de fumo e tripolifosfato de sódio. A troca de experiência esbarrava nisso, mas teve muita vontade, muita abertura que até hoje permanece.
O diálogo com os órgãos ambientais em outros estados e na esfera federal é muito diferente daquele com a Cetesb?
Nelson: Nós da Copebrás estamos em Goiás, acabamos de construir lá, no ano passado, o primeiro complexo químico do centro-oeste. E nós tivemos uma experiência totalmente diferente desde o início do processo de licenciamento. Nós é que tínhamos de chamar a atenção do órgão ambiental para os problemas potenciais. Nós tínhamos muito mais conhecimento do que eles, e trouxemos o pessoal aqui para Cubatão para mostrar soluções. Há coisas que vamos fazer de forma diferente porque nós temos à nossa disposição tudo o que foi feito nos últimos 30 anos. Quando o complexo de Cubatão foi construído, não tinha uma técnica para isolar o solo, não se usava o “lining” para fazer a preparação do terreno. Lá em Goiás isso foi automático, ninguém precisou pedir nada, isso é a boa técnica de projeto que a gente fez questão de mostrar.
E nos outros estados?
Nelson: Eu diria que Minas é talvez o que mais se aproxima de São Paulo, talvez o Rio Grande do Sul, mas os outros estados estão muito mais preocupados em atrair as empresas. A questão ambiental não existe. O órgão ambiental em Goiás, por exemplo, tem gente muito competente, mas a questão do desenvolvimento é muito mais forte.
Então quando nós tomamos a decisão de construir ali um complexo, nós queríamos correr. Pedíamos para o processo ser agilizado, pois precisávamos de rapidez nas decisões. Eles diziam que não tinha problema, era só levar a papelada que fariam na mesma hora. Ora, esse é um exemplo de atuação irresponsável e não é isso que a gente quer. A gente quer fazer a coisa toda direitinho de acordo com o projeto, só não quer que a documentação fique parada na gaveta.
Mas há uma diferença. Em São Paulo ainda existe em algumas áreas uma certa contaminação ideológica, muito rígida. Por outro lado, a orientação da Secretaria de Meio Ambiente do estado é diferente. Essa é a cunha que estamos usando para abrir esse diálogo tanto com a Cetesb quanto com a SMA: a FIESP está sendo muito bem recebida pelo governo, estamos sendo chamados para opinar nas mudanças de legislação, nessa questão agora das “novas regras”…
O que está em jogo nessa revisão?
Nelson: Os pontos mais importantes estão na questão dos licenciamentos. Como melhorar e desburocratizá-los, mas o crucial mesmo são os critérios, por exemplo, para zonas de saturação. Cubatão é considerada zona saturada e isso impede o crescimento. Então estamos discutindo com o objetivo de se fazer uma legislação melhor, porque não somos absolutamente contra. Ao contrário, hoje a indústria sem a legislação ambiental seria impensável. Seria um desastre em todos os aspectos.
É muito bom ter novas regras. Hoje muitas empresas, incluindo nós mesmos e outras até de forma mais radical, adotam em seus projetos parâmetros mais rigorosos do que os normalmente requeridos na legislação. A gente busca estar sempre no limite da tecnologia, porque você sabe que os controles vão apertar. Nós temos de trazer o órgão ambiental para dentro da indústria e mostrar como é que a gente concebe o projeto, como a gente faz a gestão ambiental. Havendo esta compreensão, já se pode começar a trabalhar de uma forma mais flexível e menos burocrática para permitir que a indústria continue a se desenvolver.
Cubatão está saturada?
Nelson: O problema aqui em Cubatão é de emissões. Na parte da refinaria, mais perto da cidade, é o ozônio. Aqui onde está a planta da Copebrás tem particulados e flúor. A legislação hoje não te dá espaço para compensar uma coisa com outra. Nós queremos criar um sistema de compensações ambientais. A gente concorda com o secretário Goldemberg que tem que estudar melhor, mas percebo que é uma coisa que vai ter de ser discutida.
Na esfera federal você tem a mesma resposta?
Nelson: Legislação ambiental no Brasil é basicamente estadual, mas há algumas questões. Você tem agora mesmo por exemplo a resolução 20 do Conama, aquele negócio horroroso (1). Você tem um bom nível de discussão nos grupos técnicos e chega a um consenso. Mas quando vai para um plenário, como o Conama, é um negócio de louco. Aquele assunto da resolução 20 foi discutido, e se chegou a um consenso em torno dos padrões de emissão aceitáveis. Mas aí o documento foi para a câmara jurídica e eles mudaram tudo. Vimos que tinha coisa que você não podia nem medir, um verdadeiro Frankenstein. E aí, o que fazer? Nós ficamos meses analisando, e quando foi para o Plenário para discussão o plenário resolveu acatar as emendas – 200 delas. Não dá para analisar tão rápido, foi tudo aprovado sem critério. Nesse momento o Paulo Skaf teve uma atuação importante. Ele disse que só se poderia barrar isso politicamente, tirar do Plenário e voltar para o grupo técnico. Mas isso só saiu na véspera da reunião plenária. O Paulo falou com a ministra, com o José Dirceu e no dia seguinte o próprio Herman Benjamim, da câmara jurídica – ele foi procurador do ministério público, foi curador do meio ambiente em São Paulo, e é uma pessoa muito dura, agressiva em termos de posicionamentos, muito difícil de negociar – para a surpresa de todo mundo, foi ele quem pediu para retirar. Eu acho que houve aí uma influência política, da Casa Civil. A própria ministra na primeira conversa dizia que já estava tudo negociado, dentro de um consenso. Mas ela estava atrasada. Ela estava com a posição do grupo de trabalho, passou batida na 2a etapa.
Então no âmbito federal tem ainda muito para se resolver na parte política. Na representação da indústria e dos setores produtivos também não há ainda uma coordenação ajustada, e por isso há mais dificuldades. Aqui no estado a gente está caminhando bem, avançando no diálogo com a SMA e com a Cetesb. Ao mesmo tempo, nós estamos procurando difundir as informações pelos sindicatos, para que os sindicatos participem mais e tragam também os problemas. Eu conheço um pouco dos problemas da área química, que é a mais próxima. Mas cada setor tem suas questões. No setor de extração de areia, por exemplo, tem uma resolução proibindo a extração de areia do Vale do Paraíba…
É uma luta antiga dos ambientalistas do Vale.
Nelson: …mas com isso você acaba com a indústria de construção em São Paulo. Tem que regular, fazer melhor.
Qual o papel da Fiesp na área ambiental?
Nelson: Nós achávamos que a Fiesp estava um pouco fechada para a indústria. Ela estava colocando a questão ambiental de uma maneira muito burocrática, tentando cumprir requisitos, mas pouco discutindo com os órgãos ambientais as questões mais amplas, como por exemplo, como conciliar meio ambiente e desenvolvimento? Cubatão é o caso típico dessa história, porque se a indústria não crescer ela vai morrer, ela vai acabar. Então como é que se harmoniza isso? E também tinha que quebrar casca dentro dos órgãos ambientais, da Cetesb, e das pessoas ali refratárias, setores muito ideológicos que tinham uma posição contra a indústria.
Com a nova lei dos crimes ambientais, o pessoal ficou ainda mais refratário, com medo do critério de responsabilização, e ficou difícil o relacionamento. O Ministério Público às vezes entra atropelando tudo. Então nós falamos: nós precisamos mudar esse relacionamento. Foi aí que começou a nossa aproximação com o Paulo Skaf, na época da campanha, e que começou a nos ouvir. Como o Cláudio Vaz, candidato da situação, disse que ia manter a mesma política e as mesmas pessoas nós aderimos à chapa de oposição. Houve também outros motivos, mas para a indústria química de Cubatão foi fundamental o tratamento da questão ambiental. O Paulo Skaf queria diálogo, e nós achamos que tem que conciliar, ajustar as posições, porque o mundo hoje é de conversa e não de guerra. A gente foi se envolvendo e ele acabou nos chamando, dizendo que vocês que falaram tanto agora implementem.
Você está assumindo a diretoria de Meio ambiente da Fiesp. O que você espera atingir? O que espera mudar?
Nelson: espero mudar a relação das indústrias com os órgãos ambientais, para estabelecer uma relação de maior confiança mútua. Esse para mim é o ponto principal, de credibilidade. Outro aspecto é trabalhar para melhorar a legislação. Além dos departamentos a Fiesp (na verdade o Instituto Roberto Simonsen) tem conselhos. O Paulo Skaf resolveu articular para cada área – economia, comércio exterior, meio ambiente – um conselho. A idéia é que os conselhos discutam as grandes questões da disciplina e passem as orientações para os departamentos de sua área. Assim, nós formamos o conselho do meio ambiente cujo presidente é o professor Edis Milaré, que foi o primeiro curador do meio ambiente de São Paulo. Ele que é um dos maiores juristas nessa área ambiental aceitou dirigir este conselho e convidou pessoas da área jurídica e da área técnica, todos ligados à questão do meio ambiente. O que vier deste conselho orientará nossa atuação.
A revisão da legislação ambiental de São Paulo e no Brasil é fundamental para estabelecer esta relação de confiança. Hoje a verdade é que os técnicos dos órgãos ambientais também estão assustados, porque eles também têm uma legislação que as vezes os inibe de agir com bom senso. Como ocorreu por exemplo há uns dois anos atrás com o nosso ambulatório. A Copebrás está completando uns 50 anos nesse “site” de Cubatão; a fábrica é nova mas o site é antigo. Nós temos um ambulatório, mas ele ficou no meio da área porque a empresa cresceu ao seu redor. Resolvemos tirá-lo de lá e construir um novo aqui do lado do prédio da administração. Acontece que tivemos aqui em 1974 uma enchente em que o morro veio abaixo, e de lá pra cá fizemos alguns canais, barragens, um esquema de contenção de água pluvial. Nunca mais tivemos problema. Mas para construir o novo ambulatório era necessário desviar o canal, e quando começamos a fazê-lo, a polícia ambiental veio aqui e prendeu o nosso gerente, dizendo que você não pode fazer nada aqui porque aqui é área de proteção permanente. Em cima da legislação o funcionário agiu certo, mas faltou bom senso. A questão está há uns 2 ou 3 anos na justiça, primeiro como processo criminal, e depois o próprio delegado achou que era um pouquinho de exagero. Eu até estava torcendo para tramitar pela justiça, pois seria o exemplo. Mas eu resolvi parar por causa do gerente, da pessoa física. Aí você vê como o bom senso não foi possível.
A redução do impacto ambiental muitas vezes reduz o desperdício, trazendo resultado financeiro positivo…
Nelson: Todo tratamento ambiental vai resultar em ganho de recuperação, Nós fazemos aqui por exemplo a recuperação do fosfato. Ele tem quantidades enormes de flúor, que a gente tem que recuperar. Aqui entra a sua criatividade para ver o que fazer com ele. Nós estamos bolando uma parceria com a Sabesp para utilizar este flúor recuperado para fluoretar a água, que pode trazer um benefício econômico. Ainda não paga a recuperação, mas já minimizou o custo. O gesso é outro exemplo, essas pilhas de gesso que a gente tem aí. Nos últimos dois anos a gente já consegue utilizar na agricultura o gesso que a gente produz. Os plantadores de cana descobriram o gesso e agora o utilizam direto. Nós doamos a produção, mas só o fato de não ter o resíduo sujeito a tratamento já tem um valor econômico.
Essas iniciativas existem nas grandes empresas. E as menores?
Nelson: As grandes empresas são mais visadas, mas também têm mais recursos. À medida em que você desce e vêm dificuldades tecnológicas e econômicas. O nível de consciência é bom. Hoje até na panificação, por exemplo, o pessoal sabe tudo. As lideranças dizem que o problema é fulano ou sicrano, que tem suas padarias com fornos a lenha lá na periferia e não tem dinheiro. Vamos fazer um manualzinho para mostrar o uso mais adequado dos equipamentos e como eles vão ganhar dinheiro nisso, é por aí que se começa.
Tem que andar em conjunto no desenvolvimento sustentável…
Nelson: E cresce essa difusão através dos parceiros – falo da indústria química porque é a que eu conheço mais – através do transportador, do armazenador. Uma nota que a Cetesb publicou sobre as áreas contaminadas pelas indústrias indica que 40% são postos de gasolina, mas tudo coisa antiga. Hoje em dia você não tem área nova contaminada, hoje as grandes distribuidoras como a BR e a Shell, que resolveram a questão da bandeira, estão partindo para o problema da segurança.
E a Fiesp tem essa capacidade de difusão? Capilaridade?
Nelson: Mesmo com essa questão política de separação, o Ciesp aqui em Cubatão hoje atua junto à Fiesp. Mas essa divisão deve acabar. Nós estamos usando na Fiesp as estruturas do Senai, que têm muito mais abrangência que o próprio Ciesp. Lá dentro você tem delegacias da Fiesp, tem os sindicatos pelo interior e tem representação da indústria. Nós estamos agora mesmo mapeando a questão das bacias hidrográficas, vendo onde a indústria tem interesse maior em participar, estar presente, se candidatar a participar dos comitês das bacias. Um instrumento importantíssimo pela própria legislação, e agora ainda mais por essa questão da cobrança de água…
A Fiesp está ensinando seus filiados a consumir menos.
Nelson: O tema do uso da água é uma das nossas prioridades nessa parte educacional. Estamos elaborando um guia junto com a ANA (Agência Nacional de Águas) e outras entidades. Tem estudos que indicam que com a educação a gente consegue reduzir mais de 40% do consumo da água. É como o apagão da energia: o consumidor sofre um pouquinho, dói no bolso, mas é bom para a conscientização.
A área da indústria tem consciência do problema da água, não por causa do custo que por enquanto é baixo. Para a Copebrás é zero porque captamos toda a água da serra daqui. Mas a indústria de certa maneira tem consciência dessa questão, e o próprio órgão ambiental acaba controlando, pelo lado de lançamento de efluentes.
Nós temos aqui os programas de efluente zero, que buscam minimizar até os limites do tecnicamente possível. Tenho o sentimento de que a conscientização no uso de água já está bem mais avançada na indústria do que no consumo residencial. Nos próprios prédios da FIESP foi feito um programa que conseguiu uma redução no consumo de 30%. Eu quero fazer a mesma coisa no prédio onde moro. Eu acho que esse assunto da água vai ser um assunto forte para os próximos anos.
Quem capta dos rios vai ter que pagar alguma coisa…
Nelson: Nos rios das bacias federais a cobrança já existe, nos estaduais o decreto ainda não foi regularizado, mas os estados também querem cobrar. Nesse debate a gente quer entrar porque vimos que qualquer detalhe tem um efeito multiplicador.
A Fiesp pode levar a informação às indústrias menores?
Nelson: Existe hoje uma consciência nas empresas grandes, um compromisso de apoiar as empresas menores. No setor químico isso já se faz. Nós oferecemos os nossos conhecimentos, a nossa experiência e a nossa área de segurança para os nossos clientes, que são empresas menores, e às vezes até para o nosso fornecedor. E eles usam.
Não só a indústria química diretamente mas também os parceiros. Por exemplo, nas transportadoras você já tem hoje um padrão do transporte do produto químico que não tem nada a ver com 10 anos atrás. Eles têm padrões melhores até do que de muitas indústrias. Nós transportamos para Catalão, em Goiás, a amônia que trazemos de Camaçari e de Sergipe, mais de 2 mil km sem problema algum de transporte, manuseio ou escolta. Implantamos no transportador um programa da Abiquim de certificação de empresas de transporte.
Outro dia me telefonou um transportador pedindo para ajudá-lo. Ele trabalha para a Ultrafértil, que implantou esse sistema. Eu disse para ele ir à Abiquim, porque não iria lhe custar nada ver o que ele precisa. O que entusiasma, o que faz a coisa acontecer é o conhecimento, e na hora que você consegue atingir as pessoas a coisa anda e anda bem. Vai ter os problemas técnicos, problemas conceituais, que existem aqui como existe na Suécia ou na Noruega. Não é tudo um mar de rosas, mas eu acho que as indústrias avançaram muito na consciência ambiental.
1. N.R. RESOLUÇÃO CONAMA Nº 20, de 18 de junho de 1986, “Dispõe sobre a classificação das águas doces, salobras e salinas, em todo o Território Nacional, bem como determina os padrões de lançamento.”
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