Reportagens

Na rua da amargura

O lema ecológico de conhecer para preservar não pode ser aplicado às milhares de árvores urbanas. Nem as prefeituras sabem quantas são ou em que estado estão.

Andreia Fanzeres ·
29 de abril de 2005 · 20 anos atrás

Nas grandes cidades, qualidade de vida também se mede pelas árvores que existem nas ruas. Elas ajudam a manter o ar respirável e uma temperatura amena, ainda que só se perceba o real valor desse patrimônio quando ele se torna escasso. Para recuperá-lo, é preciso muitas vezes um esforço de décadas – o que pode demorar ainda mais quando não se conhece a quantidade nem a qualidade das árvores urbanas. Este é um desafio concreto para as três maiores metrópoles brasileiras.

Algo pode ser confirmado de cara. São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte têm mais semelhanças do que diferenças, a começar pelos tipos de árvores que habitam suas ruas. Segundo Roberto Okabayashi, chefe da divisão de arborização da Fundação Parques e Jardins do Rio (FPJ), as capitais brasileiras têm basicamente as mesmas espécies, inclusive as exóticas. “Como o Rio de Janeiro foi por muito tempo uma cidade referência para o Brasil, as mudas eram ‘exportadas’ e adaptadas aos outros estados”, explica.

Além disso, as metrópoles têm em comum a enorme dimensão de suas administrações, compatível com o tamanho da burocracia. As secretarias de Meio Ambiente sabem que é ousado demais fazer levantamentos sobre todas as árvores em vias públicas, mas já se convenceram de que esse trabalho é essencial para tomadas de decisão mais corretas em relação a estratégias de plantio, manejo e conservação das árvores em ambiente urbano.

Com apenas 16% de área verde, São Paulo largou na frente. Neste mês de abril, concluiu um projeto que diagnosticou 7.050 árvores e analisou o risco de queda de outras 5.200 nas sete regiões mais arborizadas da cidade, a pedido da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente (SVMA). Segundo o biólogo Sergio Brazolin, coordenador do projeto encomendado ao Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo (IPT), foram registradas 50 informações diferentes de cada exemplar, que podem ajudar na elaboração de práticas de manejo adequadas a cada caso. A equipe de técnicos constatou que 18% das árvores estavam tomadas por cupins-subterrâneos e 24% continham fungos apodrecedores, geralmente associados a ferimentos.

A Secretaria aproveitou o estudo para compor um plano ainda maior. Elaborou o Programa de Arborização Urbana, que pretende plantar cerca de 200 mil novas árvores por ano no município, com um gasto estimado em R$ 4,6 milhões. Precisamente R$ 22,05 por árvore plantada. Antes mesmo de colocar o programa em prática, a Secretaria já comemora o apoio que ele vem recebendo nas audiências e consultas públicas, o que facilita a realização dos primeiros trabalhos e a definição de áreas prioritárias.

Rio de Janeiro e Belo Horizonte ainda não chegaram a esse ponto. Um dos grandes desafios para os cariocas é justamente atrair a atenção da população para a questão da arborização urbana. Segundo Cecília Machado, engenheira florestal da Fundação Parques e Jardins, os rituais de macumba estão entre as principais ameaças às árvores da cidade. “As pessoas acendem velas perto dos troncos e as árvores queimam por dentro. Isso quando não vemos mendigos cozinhando aos seus pés”, explica. Para complicar, o medo da violência deixou as pessoas mais resistentes ao plantio, principalmente na zona norte da cidade, mais pobre e desorganizada. “Elas acreditam que ladrões possam subir nas árvores e entrar nas residências, além da questão da sujeira”, diz Cecília. “Já ouvimos até a desculpa de que se puséssemos uma árvore em frente à casa de uma senhora, alguns ‘desocupados’ iriam usar a sombra dela”, conta Roberto Okabayashi.

No Rio de Janeiro, a Fundação estima que haja cerca de 600 mil árvores em vias públicas. Todos os anos uma média de 20 mil mudas são plantadas por cumprimento de medidas ambientais compensatórias e em virtude do “Habite-se”, licença de moradia concedida pela prefeitura. Ele obriga os proprietários a plantarem uma cota de árvores de acordo com o tamanho da área construída.

Boa parte do plantio de novas árvores realizado em Belo Horizonte se beneficia do mesmo tipo de lei. Márcia Vital, gerente de gestão ambiental da Secretaria de Meio Ambiente da capital mineira, acredita que por se tratar de uma cidade planejada, a legislação municipal é mais rígida, inclusive em relação à arborização. “Nenhuma árvore pode sofrer intervenção sem autorização da prefeitura, e temos técnicos que fazem rondas pelas ruas da cidade para verificar se está tudo nos conformes”, explica. Segundo ela, mesmo sem grandes campanhas de conscientização, a população participa e colabora com o trabalho dos técnicos.

A Prefeitura de Belo Horizonte começou a fazer um levantamento parcial das árvores do centro da cidade, o que lhe deu condições de estimar que no município existam 250 mil árvores. O Rio, apesar de também registrar pesquisas pontuais desse tipo, ainda está na fase de planejamento de seu inventário arbóreo. “Estamos querendo seguir o exemplo de Salvador, Porto Alegre, Vitória e Maringá, já fizeram levantamentos semelhantes”, conta Roberto Okabayashi.

As cidades que começaram a fazer pesquisas mais cedo são hoje consideradas exemplos de arborização urbana. Nem mesmo o Rio de Janeiro, que tem a maior floresta urbana do mundo incrustada no coração da cidade, apresenta índices de arborização invejáveis como os de Maringá (PR) ao longo da década de 90 e os de João Pessoa (PB), considerada a cidade mais arborizada do Brasil. Nenhuma delas, no entanto, mereceu a menção que teve Porto Alegre em uma pesquisa feita pela ONG inglesa Trees For Cities. A capital gaúcha foi eleita a terceira cidade mais arborizada do mundo em relação ao número de habitantes, ficando à frente de Nova York e atrás apenas de Glasgow e Londres.

Mas de pouco vale ter destacada posição no ranking se ainda não se estabeleceu um critério para julgar o que é considerado aceitável em termos de arborização. A Organização das Nações Unidas (ONU) ainda pretende elaborar um índice que meça a qualidade e o impacto que determinada quantidade de árvores exerce sobre a sociedade.

A criação de uma recomendação mundial sobre as árvores não vai alterar os motivos pelos quais é imprescindível mantê-las firmes e fortes em ambiente urbano. As árvores reduzem a intensidade da radiação solar, aumentam a umidade relativa do ar, diminuem as poluições atmosférica e sonora, melhoram o aspecto paisagístico das cidades, além de influenciarem o microclima urbano. Para se ter uma idéia, um estudo comprovou que uma árvore isolada pode transpirar cerca de 380 litros de água por dia, resfriando o equivalente a cinco aparelhos de ar condicionado médios em funcionamento durante 20 horas diárias. Alguns especialistas já conseguiram registrar diferenças de até 10º C entre áreas bem e mal arborizadas na cidade de São Paulo. Daí é possível ter uma idéia do poder das árvores para melhorar a vida urbana. A começar por nossa própria rua.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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