Reportagens

Vou a cavalo

Há várias opções para quem quiser cavalgar mato adentro. Vão dos simples passeios até as competições eqüestres. Nossa repórter participou de uma delas.

Gabriela Moreira ·
29 de abril de 2005 · 20 anos atrás

O motorista do ônibus que pego para fazer o percurso casa-trabalho-casa dá gargalhadas quando digo que preferia estar fazendo aquele trajeto a cavalo. Ele sempre diz: “Você não agüentaria andar tanto em cima daquilo”. Se fizermos as contas, seriam cerca de 80 quilômetros de distância. É pouco. Somente a metade dos 160 que tem a prova de enduro da Federação Eqüestre Internacional (FEI), ou apenas dois dos 11 dias que dura uma cavalgada que passa por três estados do Nordeste. O motorista está certo. Deve ser duro andar meia hora a cavalo com o trânsito do Rio em volta. Mas não me importaria em passar horas cavalgando no meio da mata.

Foi o que fiz no dia 10 de abril, quando participei de um enduro eqüestre em Santos Dumont, Minas Gerais. Passar um domingo de sol com as rédeas de um cavalo na mão, na sombra de reservas raras da Mata Atlântica, foi um privilégio que tive com outros 31 cavaleiros e amazonas. A prova era de resistência, mas só para os cavalos, porque não houve um competidor que reclamasse ao longo dos 26 quilômetros de trilhas, riachos e açudes previstos no trajeto. O enduro de regularidade, como é chamado, tem a preocupação acima de tudo com o condicionamento físico dos animais e o espírito esportivo do cavaleiro. Vence a dupla que completar o percurso no tempo estimado pela organização, que geralmente prevê o uso da marcha e cujos animais apresentarem melhores condições físicas depois de todo o esforço.

Fazer a prova correndo ou a galope é o maior erro que se pode cometer, pois você não só deixa de apreciar o entorno, que é sempre um presente, como perde muitos pontos. A penalidade para quem adianta a passagem por um posto de controle (PC) é muito maior do que para quem se atrasa. Prova disso é que quando estávamos na metade da prova tivemos todos que parar, por 1h30, para dar água e comida aos cavalos e levá-los aos cuidados da equipe de veterinários que checaram seus batimentos cardíacos e seus níveis de hidratação. Esse foi também um dos muitos momentos de integração entre os competidores. Era impressionante o número de crianças, idosos e jovens. Aliás, nesse esporte que permite a competição de igual para igual entre os sexos, nós mulheres ocupamos quatro dos cinco lugares do pódio.

Muito parecido com o enduro é a cavalgada. Nela ninguém compete, talvez haja uma certa disputa pelo melhor trajeto ou roteiro de viagem, mas o principal objetivo da atividade é o passeio. No Brasil, são várias as opções para quem quer, como em tempos distantes, em que as únicas rodas existentes eram as da carroça, conhecer um pouco da diversidade de locais, culturas e ecossistemas do país. No nordeste, vale conferir a cavalgada que passa pelos estados do Maranhão, Piauí e Ceará. Nos 11 dias de viagem, o programa inclui passagem pelo Parque Nacional de Lençóis Maranhenses e visita à cidade de Luiz Correa, a cerca de 15 quilômetros de Parnaíba (PI) e que abriga a foz do Rio Iguaçu. No Piauí, cavaleiros e amazonas têm a oportunidade de passar por dunas, recifes de corais, lagoas de água salgada, piscinas naturais de águas azuis, ilhas de mangue e igarapés.

Existem cavalgadas como essa em praticamente todos os estados brasileiros. Algumas unem paisagem e aventura com História do Brasil. Uma delas é a que passa pela Estrada Real – caminho usado durante a colonização como rota de transporte de ouro e pedras preciosas – em Minas Gerais. O trajeto dura cinco dias e é imperdível. A saída é em Belo Horizonte e a chegada em Ouro Preto. No roteiro, além de passar pela mesma estrada que serviu de acesso a toda a beleza de Minas Gerais, pode-se tomar banho de cachoeiras e rios. Parecido com ela em riqueza histórica é o percurso que sai de Brotas e vai até Ribeirão Preto, em São Paulo. A cavalgada dura seis dias e passa por fazendas de café e cana, que também fizeram a história do país.

A prática de atividades esportivas ou recreativas como o enduro eqüestre, a cavalgada e até o enduro a pé, também conhecido como trekking, tem conquistado muitos adeptos, principalmente nas grandes cidades. Eu sou um deles. Passei minha infância andando a cavalo e me embrenhando no meio do mato, mas mesmo assim, me apaixono a cada vez que faço isso de novo. A correria da cidade grande me cansa a tal ponto que chego a, como já disse, desejar um cavalo para atravessar o engarrafamento no final do dia. Cadu Freitas, jornalista e introdutor da prática de trekking no Rio de Janeiro, conta que na última prova de enduro a pé, realizada em Paulo de Frontin, chovia muito na cidade e que mesmo assim apareceram 350 pessoas para a competição. O morador de cidades como Rio e São Paulo está tão acostumado à rotina de correria que quando procura esportes em contato com a natureza, não deseja somente a paz e tranqüilidade. “As pessoas já estão tão adaptadas ao estresse do dia-a-dia que buscam o mesmo nas horas de lazer. A diferença é que fazer isso em áreas como florestas e parques acaba trazendo um estresse mais saudável”, diz.

A prática de esportes nesses locais tem sido alvo de críticas por parte de entidades ambientalistas. Apesar de só serem permitidos trajetos em trilhas já existentes e com punição de perda de pontos aos enduristas que desrespeitarem a legislação ambiental, Cadu admite que esses esportes podem produzir impactos sobre a fauna e a flora. “Mas os efeitos são mínimos e rapidamente absorvidos pela natureza”, ele afirma, e completa: “Sabemos que esse é o nosso estádio, nosso autódromo, nossa piscina e, por isso, temos que cuidar e preservar”.

Por experiência, eu diria que não há quem não se conscientize depois de passar um maravilhoso dia em contato com a natureza, em estado de pura contemplação. Posso dizer também que esse tipo de esporte aproxima o homem do meio ambiente. Meu professor de jornalismo ambiental, André Trigueiro, me chamaria a atenção nesse momento. Para ele, a separação entre homem e natureza não existe. “É grave a constatação de que a maioria dos brasileiros não se percebe como parte do meio ambiente, normalmente entendido como algo de fora, que não nos inclui. A expansão da consciência ambiental se dá na exata proporção em que percebemos meio ambiente como algo que começa dentro de cada um de nós, alcançando tudo o que nos cerca e as relações que estabelecemos com o universo”, afirma.

Dicas de sites:

www.cavalgadaecologica.com.br
www.ranchodacavalgada.com.br
www.estradareal.org.br
www.duailibetour.com.br
www.trilhaape.com.br

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