Reportagens

Especialista em anta – com Juscelino Martins

Liderança entre empresariado preocupado com ambiente, Juscelino Martins quer conservar 5 milhões de hectares na Amazônia para pôr de pé pagamento por serviços ambientais.

O maior criador de antas do Brasil se chama Juscelino Martins e está no círculo dos mais bem-sucedidos empresários do país. Seu sucesso, no entanto, não se deve à experiência com os quinze mamíferos da espécie que mantém em uma fazenda no Cerrado. “Depois de passar trinta anos nas empresas, fiquei especialista em anta”, brinca ele. Juscelino é um dos três herdeiros do Grupo Martins, um verdadeiro império das vendas a varejo no Brasil. Martins é parte da geração de empresários que está na dianteira quando o assunto é a questão ambiental. Além de ter feito diversas modificações no interior de suas próprias empresas, apóia projetos na área e faz parte do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio).

De uns anos para cá, se voltou para uma propriedade da família de 160 mil hectares na floresta amazônica paraense. A área foi comprada com o objetivo de ser desmatada para criação de gado, mas a atividade acabou se mostrando inviável economicamente. Influenciado pelos filhos, que acamparam por lá durante um carnaval e se encantaram com a floresta, Martins resolveu conservar a área. O projeto, segundo ele, estava se tornando tão bom que acabou se expandindo. Agora, a intenção é encontrar uma forma de conservar cinco milhões de hectares de floresta, requisito através do qual poderia colocar em funcionamento um mercado de serviços ambientais. A cifra impressionante é o que ele acredita ser necessário para chamar atenção de investidores internacionais para esse novo negócio.

O mineiro de Uberlândia esteve na redação de O Eco para uma conversa sobre a história de sua conscientização ambiental e a relação entre o empresariado e o meio ambiente. A entrevista contou com a participação do primatologista Claudio Pádua, amigo de Martins e criador do Instituto de Pesquisas Ecológicas (Ipê). E em falar nos Padua, foi à esposa de Claudio, Suzana, que Martins fez certa vez um desafio que garante estar conseguindo cumprir com facilidade. Ouviu de Suzana que o empresariado brasileiro não tinha vocação para investir em ONGs. E rebateu dizendo ser capaz de encontrar mais deles dispostos a abrir as carteiras do que a ambientalista de achar pesquisadores para atuar em projetos. “Hoje, eu diria que estou ganhando de 10 a 0”, afirma.

Como você acordou para a questão ambiental?

Juscelino Martins: Para encurtar um pouco a história eu comecei há quatro anos. Fui conversar com o Roberto Klabin e ele me convidou para ir para o Funbio (Fundo Brasileiro para a Biodiversidade). Na época ele ainda era presidente do fundo. A gente tem uma capacitação na área de logística no Brasil inteiro e, inclusive, na Amazônia. Eu fui convidado para representar o segmento empresarial e para esta capacitação de logística.

Qual a história da sua família na Amazônia?

Martins: Nossa família fez uma aquisição de uma propriedade de 160 mil hectares na Amazônia nos anos 70. Nunca decolou. De certa forma, não tínhamos capacidade de administrar. A área não tinha nada para dar certo, e aconteceu o que era previsto. A família perdeu muito dinheiro lá. Houve algumas pessoas que supostamente trabalhavam para nós e começaram a desviar recursos. Tivemos um certo desgosto e abandonamos. O interessante é que o objetivo, de uma certa maneira, foi produtivo. Era o patrimônio da família e nós precisávamos fazer alguma coisa com aquela área. Por trás de toda organização existem pessoas. Para um empreendedor, no caso, meu pai, fere um pouco o orgulho fracassar, existe uma emoção nisso. Na época, ele falou, “olha, nós fomos vencidos pela Amazônia”.

Quando você fez contato com o Roberto Klabin, a sua idéia era pegar dicas, informações sobre o que fazer com as terras do Pará?

Martins: Exatamente. Ecoturismo, ocupação, pegar a experiência dele para dar uma continuidade. Um pouco antes disso eu resolvi passar as férias com meus filhos (tenho quatro filhos e, na época, minha filha mais velha devia estar com uns 14 anos), e decidimos acampar lá durante um carnaval. Como a propriedade é grande, a gente parou no meio do mato, onde tinha um rastro de uma onça no meio da estrada. A floresta na área é bem exuberante mesmo. E acho que a pressão veio um pouco deles, de manter aquela área intacta. Aí nós começamos a fazer o projeto de uma ocupação da fazenda com pesquisa científica e talvez ecoturismo, tentar dar uma utilidade pecuária para as áreas já desmatadas, e assim por diante.

Você tinha alguma ligação anterior com mato? Ou você foi acampar por pressão dos filhos?

Martins: Não, eu sempre gostei. Quando tinha meus 12 anos já ia acampar, passar as férias. Naquela época não tinha problema de segurança. Talvez uma grande diferença entre dois mundos que estavam se conectando (do empresariado e da natureza) foi que eu, como pessoa física, sempre gostei de bicho. Eu brinco que, depois de passar trinta anos nas empresas, fiquei especialista em anta. Eu crio antas em Goiás, perto de Uberlândia. Eu acho que nesta fazenda do Pará de vez em quando aparecia uma anta, e eu achava um animal interessante, um pouco exótico, e para o ponto de vista comercial é um animal inviável. Porque precisa de muita área, consome muito, dá muito trabalho.

Claudio Padua: Você é o maior criador de antas do Brasil.

Martins: Hoje eu sou o maior criador, são quinze antas. A fertilidade delas é baixa, então ela leva mais de um ano para ter um filhote. Hoje existe um trabalho já bem avançado de pesquisa da anta na natureza. Agora mesmo a Patrícia Médici está terminando o Protocolo de Reintrodução de Antas. Eu queria fazer um repovoamento ou um projeto de reintrodução de antas na nossa região ali, de Cerrado. Tem outras pessoas que também criam. O José Roberto Marinho, por exemplo. Eu inclusive me aproximei dele muito por isso. Eu ligo para ele e as pessoas devem achar que estamos falando em código, porque é algo como: “ah, e a anta, a receita tal…”. Há muito pouca informação sobre este animal, mas hoje se sabe de algumas coisas. Se você conservar a anta, você conserva a floresta, então onde a anta vive você consegue manter os outros animais. Apenas a onça pintada tem o home range maior do que a anta no Brasil. Então ela é super estratégica, é um animal nosso.

O que vocês pensaram em fazer no Pará ao longo deste tempo, até você tomar esta decisão de proteger a área? Quantos hectares foram abertos?

Martins: Uns 10 mil hectares, e hoje deve ter uns 8 mil ainda abertos. Meu pai construiu uma cidade lá, onde chegaram a morar umas duas mil pessoas. Os trabalhadores e suas famílias. As famílias moravam em casas separadas e quem era solteiro em alojamento. Tinha açougue, delegacia, escola. A escola ainda está lá. A idéia inicial era fazer pecuária. Só que quando começou a desmontar, viu-se que tinha uma madeira muito boa e pensamos: vamos fazer exploração madeireira. Estávamos tendo um certo prejuízo e pensamos: vamos gerar energia com os resíduos da madeira. Para utilizar a madeira de maneira lucrativa, investimos na integração. Foi ficando uma bola de neve, sem muito rumo.

Por que não deu certo?

Martins: Nossas empresas na época não eram tão relevantes como hoje e começou a pesar no orçamento. No início dos anos 80, resolveram fechar todas estas operações e ficou só com a pecuária. E, mesmo assim, era inviável. Hoje a gente acredita que essas atividades tradicionais não valem a pena naquela região. Por muitas razões… a logística, inclusive. Ainda hoje, mesmo vendo que alguns empreendimentos se tornaram viáveis, não há arrependimento. Na minha opinião, esse tipo de atuação ainda é pouquíssimo rentável. A nossa propriedade tinha subsídio no imposto de renda, teoricamente, mas uma coisa é verdade: nós nunca conseguimos nenhum recurso lá. Nós nunca nos rendemos para facilitar a aprovação de planos através de subornos. E isso também nos deixou com muita liberdade de ter um plano de uso e fazer as coisas conforme achávamos que era correto.

E quando foi que vocês olharam de novo para a área?

Martins: Quase 20 anos depois, no começo dos anos 2000. Voltamos lá com outros olhos. O grupo cresceu muito em termos urbanos, ficou bastante importante. A empresa virou líder da distribuição de produtos para supermercados, farmácia, material de construção, elétrica, essas coisas. O banco também, em um nicho de financiamento de pequenas e micro empresas. Voltamos então com uma visão de conservação. A idéia era pesquisar um novo uso para aquela área lá que não seja para desmatar mais nada. Nós teríamos a possibilidade de até 20% (deixando intacta a reserva legal), mas não queríamos. A nossa determinação era que não houvesse mais nenhum desmatamento. Só que descobrimos, principalmente depois da constituição de 88, que o direito de propriedade é relativo a que a área seja produtiva e que tenha algum benefício social. Então simplesmente deixar a área lá parada podia dar motivo para uma invasão. Estavam ocorrendo cerca de trinta delas na região. E o arco do desmatamento estava chegando ali próximo de Paragominas, e foi chegando em Tucuruí, onde é a nossa fazenda. A área estava sob forte pressão e vimos que para preservar aquela área era necessário ter algum tipo de uso. Foi quando eu, paralelamente, entrei para o Funbio.

Quais são as ambições do projeto nessa fazenda?

Martins: O projeto foi ficando tão interessante, que agora nós mudamos. Agora ele será um projeto demonstrativo para viabilizar algo que não serão mais 160 mil hectares, mas 5 milhões de hectares não contínuos. É o que nós estimamos ser necessário para botar de pé o mercado de serviços ambientais. O mais palpável seria a questão da venda de créditos de carbono, de ter uma compensação para o proprietário que, ao invés de desmatar, estivesse conservando uma área, o que é algo oneroso.

Como vocês estabeleceram essa quantia, de cinco milhões?

Martins: Isso veio um pouco de influência do que seria um ponto de partida inicial para atrair interesse das maiores empresas internacionais. É preciso ter área suficiente para que grandes empresas que resolvam mitigar seus passivos ambientais tenham onde investir. Eu tenho 160 mil, é pouco para estabelecer um mercado. Se quisermos conciliar um grupo de proprietários que ofereça serviços ambientais e uma demanda de empresas e pessoas físicas para servir de consumidores, tem que ter um mínimo para ter uma relevância no mercado internacional. O número não precisa ser exatamente calculado, mas ele dá uma ordem de grandeza.

E como funcionaria esse mercado?

Martins: A gente criou uma idéia de que não precisa haver transação da propriedade da terra, mas sim um compromisso. Ou um direito de uso e uma restrição. A pessoa faz um compromisso de preservar determinada área. Se for combinado, por exemplo, que o cara vai preservar sua área por 60 anos e vai ganhar, para isso, 60 mil dólares. Ele ganharia mil reais por ano, desde que comprove a cada ano que fez o combinado. Há possibilidade, inclusive, de envolver áreas que não sejam necessariamente localizadas em propriedades particulares. Florestas Nacionais, Reservas Extrativistas… Talvez se uma reserva extrativista tiver um marco legal ou alguma regulamentação para que possa se ter uma concessão dos serviços ambientais, assim como para exploração madeireira. Mas será preciso criar um modelo de governança que crie confiabilidade através de terceiros.

De um ano para cá a gente ouve falar nesta história de desmatamento evitado e, a rigor, nada saiu do papel.

Martins: Por incrível que pareça esta possibilidade está se tornando muito interessante. Ganha-se pouco por hectare, mas a dela capacidade de alavancar, de replicar, é enorme. Uma coisa é acordo entre os países. E eu não acredito e nem espero por ele. Mas pode até vir. É tudo muito no longo prazo. Eu acompanho mais por curiosidade. Tanto é que tivemos uma discussão interna e pensamos, poxa, será que não estamos muito afoitos, muito a frente? Eu falei, “não, vamos correr rápido porque o negócio está explodindo”. Hoje o Estado não tem mais aquele monopólio absoluto na regulamentação da sociedade, que está mais dispersa entre diferentes agentes.

Claudio Padua: Você vê, até as multinacionais estão do nosso lado.

Martins: Talvez influenciadas pelo Greenpeace e outras ONGs internacionais importantes, elas estão se posicionando. O McDonald’s falou, olha, não queremos contribuir com o desmatamento na Amazônia. Um amigo meu, da maior indústria de carne do Brasil, abandonou o projeto de fazer uma nova fábrica no norte do Mato Grosso porque o McDonald’s, um de seus grandes clientes, disse que não compraria produtos vindos da Amazônia. Não foi o governo que proibiu, que zoneou. Foi a questão de globalização. A área de soja é a mesma coisa.

Como está esse mercado hoje?

Martins: Para cada caminhão que compra, a minha empresa planta doze árvores (dentro do programa “Florestas do Futuro”, da SOS Mata Atlântica) e coloca um selo. Já são alguns milhares. Nós fomos falar com a Volkswagen sobre esta idéia e ela gostou. Então agora para cada caminhão que eles produzem hoje, dá um dinheiro para a SOS plantar. O Bradesco extrapolou e foi x milhões de árvores. A Fiat aderiu, Mercedes, Volkswagen. Audi, Renault, todo mundo vai entrar neste negócio. A Natura quer neutralizar acho que seis mil toneladas/ano. Onde ela encontra isso? Não tem. O Bradesco pediu ajuda para a Vale para ver se arruma mudas e a capacidade de reflorestamento das árvores que eles prometeram plantar em campanhas que eles fizeram. Mas tudo é mercado voluntário, não tem regulamentação.

Quer dizer que está faltando árvores para plantar no Brasil?

Martins: Está faltando oferta e credibilidade. Porque muitas vezes você dá o dinheiro e ele fica no bolso de quem recebeu. O grande desafio é também de criar confiança e ela vem com transparência, com avaliação externa, com interação. Hoje, as pessoas estão comprando precocemente, mas estão comprando barato. Na hora que o governo ver que o mercado existe e resolver regulamentar, pode ser que se perca tudo, ou se ganhe muito. Uma boa notícia é que a atmosfera é global. Quando há poluição aqui, talvez em um ano ela estará refletindo lá em Nova Iorque, ou na África, na Austrália. Com essa globalização, a comunidade internacional se preocupa além da regulamentação local. O estado do Utah, por exemplo, fez uma aquisição de uma grande reserva na Costa Rica por uma questão de compensação. A regulamentação vem naquilo que existe. Como esse mercado não existe ainda, não existe regulamentação. Mas vai ser feita e vai influenciar quem tem maior presença, maior participação. A falta de regulamentação agora significa que é um mercado de alto risco. E por isso o preço é barato.

E como você conheceu o Claudio Padua?

Martins: Eu já tinha ouvido que o Ipê fazia pesquisas com antas. Eu conheci o Claudio Padua no Funbio. Sentamos por acaso lado a lado, e eu o convidei para conhecer a minha criação, vir para a minha fazenda. Ele levou a esposa como acompanhante, a Suzana. A minha esposa também foi, e ficamos os dois casais na fazenda. Lá eu perguntei para a Suzana que empresas estavam trabalhando com o Ipê. Ela disse que praticamente nenhuma. E ainda desafiou: “No Brasil os empresários não têm vocação, paciência ou vontade de investir nas ONGs”. Eu falei assim: “Gozado, meus amigos empresários, a maioria deles, diz que não conhece ONGs sérias para patrocinar, sem receio de saber, por exemplo, se a gente está dando uma ajuda para um poder político que a gente desconhece”. Então ali ficou claro uma desconfiança entre o entendimento de cada parte. E aí eu devolvi o desafio. Disse assim: “Suzana, eu vou encontrar mais empresários como eu, dispostos a fazer coisas, do que você vai encontrar pesquisadores, cientistas para atuar nos projetos”. E, hoje, eu diria que estou ganhando de 10 a 0.

Que caso você daria como exemplo disso?

Martins: Havia dois anos que o Ipê queria oferecer a idéia de fazer sandálias Havaianas. Mas o empresário recebe propostas desse tipo todo dia, eu sei por que também estou desse lado. Em um ano a gente recebe umas 200, 300 idéias. O Ipê estava com dificuldade de ter acesso a um gerente de marca. Conhecendo o trabalho da ONG, eu liguei para o diretor da São Paulo Alpargatas (empresa que produz as sandálias) e sugeri que eles recebessem o Ipê, que é uma ONG científica, séria, etc. Para o Ipê foi uma abertura importante. E, do outro lado a São Paulo Alpargatas Havaianas também ficou muito agradecida, porque a idéia poderia ter sido levada para outras empresas. Ela ganhou a oportunidade de criar um diferencial.

Como está sendo essa corrida dos empresários para se atualizar em relação ao meio ambiente?

Martins: Esta questão de sustentabilidade começou a ficar na linha principal da empresas. Muitos empresários, presidentes de grandes empresas seguiram esta linha. O mundo é muito competitivo. Tanto nas ONGs, quanto nas academias, quanto nas empresas. Um diretor internacional de grande empresa (seja no Brasil, na América Latina) não pode demonstrar fragilidade. Só que com o mundo mudando tão rápido, eles têm que fazer uma reciclagem. Mas não assumem isso claramente. Não se pode fazer muito alarde nisso: se esta pessoa não é perfeita, ela não pode ser a principal executiva. Aconteceu é que seja dos filhos, do vizinho, do Al Gore, está vindo uma espécie de configuração que tem mostrado a sua estrutura de maneira mais acelerada. Hoje as decisões das empresas estão sendo baseadas na revelação dos valores, o que cada um pensa em relação a cooperação, competição, entendimento do outro, regras a curto e longo prazos. De certa maneira, o dilema social, as decisões intertemporais, tudo isto está ligado à questão do meio ambiente.

Claudio Padua: Embora eu, como você, esteja vendo muitas empresas genuinamente mudando – na perspectiva de que se não mudar não tem futuro –, ainda tem muito marketing por trás da história, não é?

Martins: Com relação ao marketing, eu acho que nós temos que ser pragmáticos. Tem algumas pessoas que começam com conveniência, posicionamento, começam até com marketing. Mas vamos pegar, por exemplo, a Cargill: imagino que ela, como qualquer outra organização, tenha movimentos internos. Um a favor disso, outro a favor daquilo. Nós temos que ajudar a dar uma direção, a dar um propósito, para que saia daquela frágil iniciativa por conveniência e passe a ser uma coisa blindada por convicção. É preciso que flua uma identificação. É preciso dar uma personalidade à empresa. Um fenômeno proveniente dessas mudanças que aconteceram (como o surgimento da internet) é que o mais importante ativo passa a ser virtual, passa a ser a confiança que se estabelece entre essas comunidades. O que é físico, na verdade, está ficando muito parecido. A tendência é de virar commoditty. Em termos racionais, um banco que tenha os computadores funcionando bem não vai errar nos seus saldos, extratos, etc. O sabonete da Procter & Gamble é um produto muito parecido com o da Natura, da Colgate… Há uma necessidade de ter um diferencial, de expandir o material com o que está acontecendo na empresa.

Quais são as cabeças mais prontas sobre a questão ambiental que você encontrou entre empresários desde que começou a conversar sobre os assuntos?

Martins: Eu admiro muito o Guilherme Leal, da Natura, e o Fábio Barbosa (presidente do Banco Real), hoje presidente da Febraban (Federação Brasileira de Bancos). A posição que Barbosa tem na Febraban é muito legal, outros bancos estão se transformando rapidamente, como Itaú, Bradesco, Banco do Brasil e Unibanco. Forças que antigamente eram mais voltadas para o business. Tem o José Luciano Penido, presidente da Votorantim Celulose e Papel (VCP). Os sem-terra estavam invadindo uma área da VCP no Sul, e ela os transformou em proprietários, ensinando a plantar eucalipto, dando financiamento e comprando em sete anos o primeiro corte. Fizeram um cinturão de proprietários, uma verdadeira reforma agrária com financiamento de capital de um banco estrangeiro. O governo nem sabe dessa história.

Você conseguiu levar a preocupação com o meio ambiente para o cotidiano da empresa?

Martins: Nós estamos só no começo. Um exemplo é que nós temos, obviamente, muitos caminhões e muitos motoristas. A frota roda o país inteiro. Só nossos, são 1,2 mil veículos. A nosso serviço, devem chegar a três, quatro mil. Nos nossos seminários de treinamento dos motoristas, ao invés de falar apenas coisas mais comuns sobre o trabalho (como dirigir melhor, como regular o caminhão, como saber abordar um cliente), falamos também sobre o tráfico de animais, mão de obra infantil, doenças, e etc. Nós fizemos uma parceria com a Renctas (Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres), inclusive. Na avaliação deste seminário os motoristas ficaram super motivados. Resultado: maior produtividade, a empresa fica melhor. É um falso dilema dizer que a mudança foi por uma questão de economia, ou preocupação ambiental. Não precisa ser exatamente ou por isso ou por aquilo. Pode ser pelos dois. As caixas de papelão que carregam os produtos na Martins são todas reutilizadas, por economia, há muitos anos. Isso começou por economia. Além disso, no nosso segmento, um grande desafio é usar a logística de transportes na distribuição das mercadorias.

Isso contribui para a diminuição da poluição dos caminhões…

Martins: Sim. Os caminhões que nós temos hoje já apresentam uma produtividade muito grande em relação ao que era no passado. Se a logística fosse a mesma, seria preciso ter muito mais veículos nas estradas. Mas tem muito por fazer ainda. Há muito desperdício entre mercadorias irem e voltarem por estarem em excesso ou em falta. A idéia é que investindo em integração de sistemas, o volume logístico em termos reais de quilômetros rodados e consumo de combustível pode cair bastante. Agora, tem outras coisas que dá para a gente fazer também. Por exemplo, nós vamos começar agora a exigir que para entrar no sistema Martins de distribuição, o caminhão passe por uma checagem da regulação dos motores e como está a emissão de gases poluentes. Sempre de forma educativa, estipulando prazos, após a medição, para não aceitar mais.

O transporte é a segunda atividade que mais polui no país (depois do desmatamento). E o governo não dá o menor sinal de que entenda de logística, não é?

Martins: Parece que ficou tão complexo que ninguém tem o poder de fazer a mudança necessária. Porque sempre será mexer em um tabuleiro em que um se beneficia e o outro perde. Uma outra questão séria é a tributária. Vou dar um exemplo. Em Uberlândia, tem uma fábrica muito grande da Sadia. E do lado dela fica um dos grandes produtores de grãos, a ADN. Mas a ADN não vende a matéria-prima para essa fábrica de margarina da Sadia. Ela vende para outros lugares. E a Sadia tem comprado do Mato Grosso, andando mil quilômetros de caminhão. E isso, por questões tributárias. Às vezes não vale a pena comprar do vizinho. Isso impacta diretamente. Outra coisa é modal. Até pouco tempo atrás, hoje ainda está difícil fazer. A área ferroviária era complicada, não tem previsibilidade, não tinha regularidade, não tinha a velocidade. A parte de cabotagem, por exemplo, seria fantástico. O tanto que tem do povoamento no litoral, nas capitais, quase tudo no litoral, vai até Manaus, então muita coisa poderia ser feita pela parte de cabotagem.

Qual o alcance do Martins no varejo?

Martins: Hoje são mais de 200 mil clientes em negócios ativos. Cada um desses pequenos supermercados recebe, vamos supor, mil pessoas por mês. Então, de certa maneira, a gente pode se relacionar, passar um exemplo, para 200 milhões de pessoas. Não pessoas diferentes, mas em um fluxo mensal. Hoje, mesmo sendo uma empresa grande, uma empresa que fatura bilhões, ela não existe sem as empresas pequenas e, principalmente, nossos clientes. O supermercado, o bar e assim por diante. Então nós criamos uma área de capacitação que se chama (um nome pretensioso, mas copiado de fora) “Universidade Martins do Varejo”. É onde que a gente ensina para eles tudo o que você pensar. Ela faz um trabalho de capacitação. Temos mais de 200 cursos, sobretudo para pensar como expor um produto, como embalar, como vender carne, como fazer pão, como dar crédito, como limpar a loja, como iluminar, pintar… ou seja, tudo o que você imaginar. Sempre nas melhores práticas de gestão.

Como vocês traduzem esta preocupação ambiental, ou de sustentabilidade, seja como for, no banco?

Martins: O nosso banco é relativamente pequeno, mas tem mais de um bilhão de ativos. É super rentável. A gente tem pensado integrado com o Martins. É o Tribanco que provê os fundos para esta transformação do negócio de quem faz o curso na Universidade. Ele vai colocar equipamentos de refrigeração mais econômicos, iluminação… Com as boas práticas de gestão, esse cliente nosso de pequena e micro empresa cresce. Ela vende mais e compra mais da gente. O banco dá o financiamento sem subsídio e com altíssima rentabilidade, porque a inadimplência é muito menor, o cliente quer dar continuidade, o crédito é fragmentado, mas a gente consegue um custo barato porque, além da relação de banco a gente tem a relação comercial também que a gente compartilha um pouco disso, e a coisa vai crescendo. Nós já treinamos mais de 150 mil pessoas. Eles saem lá de Rondônia, de Porto Alegre, do interior da Paraíba…

E nesses cursos, o que vocês passam é uma coisa de eficiência, na qual está embutido, mas é implícita a coisa ambiental. Quer dizer, vocês não fazem pregação ambiental, ou fazem?

Martins: Um programa de capacitação sócio-ambiental se iniciou há um ano e meio. É bem recente. Nós fizemos uma pesquisa, todas as maiores empresas do Brasil já têm uma agência sócio-ambiental importante. Qualquer empresa, em qualquer ramo que você pensar, tem uma agenda. Mas nós fizemos uma pesquisa e só 1/3 destas milhares de microempresas fazem alguma ação social ou ambiental.

Quando você começou a fazer modificações, devia ter uma velha guarda que dizia: “ih, lá vem ali o filho do Martins…”

Martins: Em qualquer organização que eu conheço tem gente que diz assim: “olha, esse negócio é frescura, está perdendo tempo, onde já se viu, que absurdo, está brincando, como vamos deixar de atender um diretor de uma indústria importante para atender uma pessoa de ONG”. Mas eu comecei a trabalhar com dezesseis anos, então a minha força no Martins é muito forte. Não foi tão difícil para mim influenciar estes rumos. É lógico que ninguém faz nada sozinho. Não foi um sucessor que estava chegando com idéias. Muito pelo contrário. Uma pessoa que eu sempre cito, o professor Antônio Carlos Gomes da Costa (está por trás de toda a estratégia do Estatuto da Criança e do Adolescente, muito ligado ao Instituto Ayrton Senna, ABN e ao Itaú Social) que acho que é o gênio da educação, estava comentando que o bem e o mal está igualmente distribuído em todas as partes, em todos os grupos, em todas as organizações.

E como a sua família viu a sua conversão?

Juscelino Martins: A próxima geração, que seria a dos netos do fundador (o meu pai), é até mais radical do que a gente. Vemos pela escola, pela televisão e etc. Nós somos três irmãos que sucedem o controle lá, e os três já pensam assim. Meu pai apóia, mas ele não se envolveu, em princípio. Ele disse que topava por respeito. Mas disse, “desde que vocês não façam besteira, não exijam demanda, grandes investimentos, grandes compromissos, vocês podem fazer o que quiserem e não precisam nem perguntar para mim”. Mas hoje ele inclusive suporta bastante. Incrível.

Claudio Padua: Nós não falamos da OPA, a sua iniciativa…

Juscelino Martins: É, a Organização de Proteção Ambiental (que também tem o sentido de alerta, uma interjeição: “opa”). É uma ONG de atuação local em Uberlândia. A gente faz de tudo, principalmente educação ambiental. Agora vai lançar um livro sobre Cerrado e conservação, com trabalhos de teses de doutores. Está legal, já tem coisas inclusive com a Boticário, HSBC, Sadia, Martins, IPÊ, Renctas e SOS Mata Atlântica.

  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

  • Sérgio Abranches

    Mestre em Sociologia pela UnB e PhD em Ciência Política pela Universidade de Cornell

  • Felipe Lobo

    Sócio da Na Boca do Lobo, especialista em comunicação, sustentabilidade e mudanças climáticas, e criador da exposição O Dia Seguinte

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