Não é fácil entrevistar Yolanda Kakabadse. Caminhando ao seu lado por um enorme auditório, onde ela acabara de proferir uma palestra no II Congresso Latino-Americano de Áreas Protegidas no dia 04 de outubro em Bariloche (Argentina), tinha-se que interromper a cada minuto a conversa, pois verdadeiros fãs vinham lhe entregar livros, presentes ou simplesmente agradecer. A equatoriana Yolanda teve por muitos anos seu nome identificado como símbolo da conservação da natureza na América Latina. Foi a primeira pessoa da região a presidir a Conservação Mundial para a Natureza (IUCN), a aliança mais influente de ambientalistas no planeta.
À frente da organização permaneceu por oito anos até 2004, e neste período acompanhou evoluções e retrocessos nas políticas ambientais dos países latinos. Agora se diz muito preocupada. Argumenta que as decisões de governos recentes acabaram com a força dos ministérios de meio ambiente locais, casos de Colômbia, Argentina e (adivinhe) Brasil. Ela mesma, Yolanda, foi ministra de Meio Ambiente. Durante 1998 e 2000 chefiou a pasta no Equador. De sua experiência pode dizer que os países latino-americanos são acostumados a desperdiçar recursos naturais. “Talvez a abundância de recursos naturais, nos faz ter demasiada confiança no futuro e pensar que tudo sempre vai estar aqui”.
No momento, a ambientalista se aprofunda no tema de governança nas questões de meio ambiente e na mediação de conflitos. Aliás quando se fala de parques e reservas na América Latina o que não faltam são conflitos. Em sua opinião, muitas áreas protegidas criadas terão que ser revisadas pois existem elemento sociais e mesmo naturais que não foram levados em conta no passado.
Leia abaixo entrevista completa com Yolanda Kakabadse.
A primeira pergunta é a mesma que todos estão fazendo neste congresso. Nos últimos dez anos, países latino-americanos criaram muitas áreas protegidas, mas muito pouco saiu do papel. Como implementar estas áreas?
Yolanda Kakabadse – Creio que temos que olhar adiante. Provavelmente em alguns anos, vamos reconhecer que algumas áreas protegidas que foram criadas não deveriam ter sido protegidas. Isso porque não foram levadas em consideração diversos elementos sociais e naturais. Por isso não merecem estar nesta categoria de conservação. Mas ao invés de investirmos muito esforços nisso, temos que olhar quais são as áreas mais ameaçadas e essenciais para a conservação. Claro que temos que trabalhar a institucionalidade para que se possa começar a trabalhar e revisar os casos que estão mal resolvidos. Mas não creio que se tem que parar de lutar por áreas essenciais, que não estão somente no papel. Evitar que sejam afetadas. Não é somente retroceder, mas sim avançar em alguns caminhos.
Isto em sua opinião inclui atender aos pedidos de muitas comunidades indígenas de que haja uma revisão de áreas protegidas que foram criadas sobre suas terras?
Kakabadse – Sim, claro, estas áreas seguem tendo conflitos porque foram definidas sem consulta com as comunidades. Provavelmente, elas podem mudar de status e passar a serem terras manejadas pela comunidade indígena. Tomaram muitas decisões em que apenas poucas pessoas participaram, com boas e más intenções. Mas haverá uma revisão destas áreas na Ámerica Latina para se definir se seguem sendo protegidas ou não.
No Brasil temos os exemplos das reservas extrativistas, que surgiram da experiência de Chico Mendes e os produtores de borracha. Mas temos indícios de que o manejo das áreas de floresta não é tão bem feito. Em sua opinião, a ciência avança para garantir melhores práticas de manejo?
Kakabadse – Tivemos informação durante este congresso que, sim, há experiências que estão funcionando. Se vê inovação e criatividade. Mas ainda estas práticas não se tornaram políticas públicas. Não se compartilhou ainda estas experiências, me parece que as informações não estão sistematizadas.
Mas a meta de se ter um desenvolvimento sustentável se tornou o principal conceito ambiental desde a cúpula do Rio (Eco-92). Por que tão pouco se tornou realidade e os problemas ainda são os mesmos?
Kakabadse – O desenvolvimento sustentável é um caminho que não tem fim. É difícil porque há muitos conflitos, tem que se tomar decisões de longo prazo. Nem todos os resultados podem ser medidos com as finanças ou a economia. Enfim não é nada fácil. Alguns países, como os nossos da América Latina, não estão convencidos sobre a importância da sustentabilidade. Talvez a abundância de recursos naturais, nos faz ter demasiada confiança no futuro e pensar que tudo sempre vai estar aqui. Como nunca vivemos, com exceção talvez de Honduras e Haiti, uma grande crise ambiental, não saberemos o que é isso. Enquanto não sofre, o ser humano não sabe o que é o impacto, a época das vacas magras. Nosso cultura desperdiça, usa e abusa dos recursos naturais.
Uma das principais questões em seu país, o Equador, é como unir a necessidade de se explorar petróleo sem afetar as áreas protegidas. Temos o caso do Parque Nacional do Yasuni, onde a brasileira Petrobras tem a concessão para explorar o recurso. Como você acha que esse problema vai ser solucionado?
Kakabadse – Acho que estamos avançando. Há agora uma nova proposta para o Yasuni, que é tentar arrumar recursos financeiros que compensariam a extração do petróleo, deixar o petróleo embaixo da terra. O presidente Rafael Corrêa a apresentou na Assembléia Geral das Nações Unidas. Então, creio que cada vez há mais atores que estão arriscando propostas novas. Convencer empresários do petróleo a deixarem o recurso de um parque nacional intocado é fabuloso. E na América Latina vão aparecer mais propostas alternativas a este modelo, em especial ao modelo energético. Veja no Peru: o tema de mineração e áreas protegidas é constante. No Brasil e no Chile, nem se fala. Então veja, já é um tema muito mais frequente e muito maior prioridade no debate político.
O diálogo, no entanto, ainda é frágil. Neste congresso, por exemplo, não vemos debates. As empresas não estão presentes. Os conservacionistas estão aqui, mas os grandes antagonistas não.
Kakabadse – Mas esse diálogo ocorre. Veja as parcerias que a Coca-Cola tem feito em prol da conservação. Ou a Shell, BP e General Eletric. São iniciativas importantes e as empresas já têm pessoal dedicado às questões ambientais. Além disso, há resultados, não são só coisas bonitas como fotografias de pássaros. Se vê mudança, o setor privado sabe que se não fizer parcerias pela conservação, ele estará fora do mercado. Alguns fazem por convicção outros por necessidade, mas isso é uma realidade.
O pagamento de serviços ambientais se tornará realmente um tema para as empresas ou mesma para toda a sociedade?
Kakabadse – Veja, até há pouco tempo o tema de pagamento de serviços ambientais era visto por muitos apenas como uma maneira capitalista de lidar com a conservação. Mas agora, mais e mais grupos já admitem que cada recurso tem o seu valor.
As mudanças climáticas trazem oportunidade neste sentido, de valorização de alguns recursos?
Kakabadse – Ai, o tema do clima me dá muita preocupação. Se não juntarmos os países em desenvolvimento aos esforços de interromper as emissões, não haverá saída. Somente o Norte – Europa, Japão e Estados Unidos – não podem frear o processo. Sem China, Brasil, Índia, México e África do Sul, não há maneira de mudar o caminho. Não vejo nenhuma intenção, com exceção da China, de colaborar. Isso é muito sério.
Sua principal preocupação agora é sobre a governabilidade ambiental dos países da América Latina. No Brasil, o tema de mudanças climáticas está totalmente relacionado com isso, uma vez que nossas emissões tem origem na difilculdade do governo em controlar o desmatamento. Como aumentar a capacidade dos governos, a senhora defende a descentralização da gestão ambiental?
Kakabadse – A governabilidade nos temas de meio ambiente é muito fraca. Veja o que aconteceu na Colômbia, onde desfizeram o Ministério de Meio Ambiente e o juntaram com de Habitação. Na Argentina, separaram os temas de conservação do ministério, tratando os na área de turismo. O Chile se recusa a criar uma instituição mais alta que o Conselho Nacional de Meio Ambiente. Já no Peru, o ministério é manipulado pelo setor privado. No Brasil, o ministério não tem competência sobre vários temas de energia e mineração. Temos um enfraquecimento de instituições ambientais na América Latina que é preocupante. Não vemos iniciativas para fortalecer e recriar. Temos que produzir mudanças que levem a maior descentralização do poder e mais participação de diversos níveis da sociedade.
A senhora tem falado muito em suas palestras sobre a capacitação de gestores do meio ambiente. Um chefe de parque nacional, por exemplo, tem que lidar com temas distintos, como turismo e biologia, entre outros. Como lidar com temas tão diversos?
Kakabadse – Isso serve para todos, seja chefe de parque, ministro das finanças ou relacões exteriores: não se pode mais construir uma política pública, ou um tratado de comércio se não conhecemos a realidade da produção agrícola, da indústria, do turismo. Ou seja, uma rede de interesses que está no mapa da tomada de decisão.
Qual é o papel das ONGs nesta discussão de governabilidade ambiental?
Kakabadse – Como todos os temas importantes em nossos países, há como ondas. Agora me parece estamos passando por um momento de confrontação com as ONGs. Colômbia, Venezuela, Equador, Peru, Bolívia, Argentina estão com situações conflitivas. Penso que deve haver adaptações no modo de trabalho das ONGs e o Estado tem todo o direito de exigir regras claras sobre a responsabilidade de todos. Mas também deve haver regras claras sobre possibilidades de co-gestão. Não chegamos a definir isso, só chegamos ao ponto de conflito. Acho isso bem perigoso. As próprias ONGs não tiveram a iniciativa de construir um marco legal, e agora que a decisão virá de cima para baixo, as coisas vão se complicar.
Este conflito, lembra uma outra pergunta. Como resolver esta eterna disputa entre países ricos e pobres na conservação da natureza. Recentemente, ambientalistas de nações em desenvolvimento escreveram um artigo na Science reclamando de práticas pouco participativas de ONGs com sede nos países ricos.
Kakabadse – Acho que isto está melhor agora. As ONGs internacionais por exemplo já perceberam que não podem chegar com sua própria agenda para trabalhar. Tem que se decidir a agenda com as ONGs locais. Isso é bom, pelo menos para América Latina, onde há um povo tão político, tão crítico às grandes ONGs internacionais. Já faz cinco anos houve uma mudança muito grande. As Ongs vieram e falaram “trabalhemos juntos”. Não sei se isso acontece na África e na Ásia, mas aqui na América Latina, sim.
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