Reportagens

Novo olhar sobre a riqueza – com José Eli da Veiga

José Eli da Veiga é um economista que torce para que o mundo adote novas medidas de riqueza, onde o meio ambiente entre nas contas. Ele defende que o PIB seja desbancado.

Gustavo Faleiros · João Teixeira da Costa ·
18 de fevereiro de 2008 · 17 anos atrás

Muitos vêem o professor e pesquisador da Faculdade de Economia e Administração da USP José Eli da Veiga como um economista que se transformou e passou a ter interesses pelos temas da conservação e o Desenvolvimento Sustentável. Ele, porém, já traz em conta a preocupação com as questões ambientais desde os tempos em que se formou agrônomo na França nos anos 70. Ali travou contato com o mestre Ignacy Sachs, que já circulava idéias sobre sua teoria do “Ecodesenvolvimento”.

Autor de onze livros, Zé Eli (como é conhecido) lançou recentemente “ A Emergência Socioambiental (Ed. Senac). Durante a conversa de duas horas que teve com O Eco em seu apartamento em São Paulo, o pesquisador aprofundou seus argumentos sobre a necessidade de revisar os conceitos e as formas de se medir a riqueza dos países. Ele afirma que a inovação mais importante que pode surgir na atualidade seria um método confiável que substituísse o PIB, e que levasse em consideração não apenas a abundância gerada pela exploração dos recursos naturais, mas também a importância de conservá-los. “O PIB ainda será motivo de gargalhada”, analisa.

Leia abaixo a entrevista concedida por Zé Eli, onde também abordou temas como o desmatamento e o aquecimento global.

Gostaríamos de começar perguntando como foi que você, um economista, começou a lidar com as questões ambientais?

José Eli da Veiga – O interessante é que eu sempre lidei com isso porque fiz agronomia primeiro. Nos Estados Unidos, nos anos 60, tinha havido uma discussão em torno da ameaça nuclear, que tomou um caráter mais internacional. O movimento ambientalista tomou força nesta época. Eu comecei a fazer agronomia em 1970, quando surgiu o relatório de Roma [grupo que produziu o documento Limites do Crescimento], e a discussão começou a pegar. O agrônomo, por mais que as escolas ainda sejam muito orientadas em uma outra direção, lida com a natureza. Existem algumas formações em que isso é inevitável. Isso se vê em botânicos, mas é muito comum também entre os geógrafos. Sua pergunta supunha que, como economista, eu estava distante das questões ambientais, mas não foi assim. Eu fiz agronomia antes, depois o mestrado e o doutorado foram em economia.

Posso dizer que naquela época, quando comecei a estudar agronomia, já tinha colegas que eram partidários da agricultura orgânica. Eu, neste período fui desconfiado. Tinha uma visão marxista, tradicional, a questão social como muito mais séria, e que as coisas se resolveriam através da luta de classes. Eu não me identificava na sala de aula com os colegas que estavam pensando a agricultura orgânica. Tudo o que estou falando ocorreu em Paris, e lá houve um fator importante. Muitos de nós, exilados, mantivemos contato e fomos muito influenciados pelo (Ignacy) Sachs e a trajetória dele entre os economistas foi mais que pioneira. Só para se ter uma idéia, ele participou da célebre reunião de Funex, na Suíça, que foi precursora a Conferência de Estocolmo (primeira Conferência Mundial sobre desenvolvimento e meio ambiente, em 1972). Embora ele não seja dos economistas ecológicos mais aguerridos, é um precursor. Nesta época, em que tínhamos muito contato com ele, estava tentando emplacar a expressão “Ecodesenvolvimento”, que depois foi substituída por Desenvolvimento Sustentável.

Desde essa época você já se interessava em discutir a fundo o conceito de desenvolvimento, em mostrar as diferenças que existem entre crescimento econômico e o que é desenvolvimento?

Veiga – Não, isso é bem mais recente. Eu sempre achei tudo muito confuso. Quando se faz economia, normalmente não se faz distinção entre crescimento e desenvolvimento. Portanto, alguns acham que são coisas iguais e pronto. Outros acham que é possível definir de outra forma, mas o feijão da feijoada vai ser mesmo o crescimento econômico. Já nas áreas das ciências sociais é bem diferente. Na antropologia , por exemplo, é o contrário. Os antropólogos chegaram muito rapidamente à conclusão de que deveriam ir contra o desenvolvimento. Quem lida com populações tradicionais vê a idéia de desenvolvimento com muita desconfiança. Os sociólogos criaram uma área, a sociologia do desenvolvimento, onde a coisa era menos complicada porque havia uma ligação muito grande com a política. E o papel do Fernando Henrique (Cardoso) foi grande. Para os economistas, o principal foi o lançamento do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Dizem que seu principal autor é Amartya Sen (prêmio Nobel de Economia de 1998), mas isso é um engano. Ele inicialmente foi crítico do IDH, pois sempre considerou que o desenvolvimento é uma coisa tão multifacetada que será impossível que seja medido por um único indicador. Depois ele fez uma espécie de autocrítica dada à importância que ganhou o IDH. Embora continue convicto de que é impossível que todas as dimensões do desenvolvimento sejam captadas por algum indicador sintético, o efeito do IDH foi muito positivo, pois estimula consultas às tabelas que podem explicar porque um país obteve determinado indicador. Ou seja, o positivo efeito pedagógico supera a impropriedade teórica. Eu já pensei muito nesta questão, e mudei de visão várias vezes. No começo eu era extremamente crítico, principalmente por ser uma média aritmética simples de três dimensões, saúde, educação e renda. Por que tudo isso deveria ter o mesmo peso? Parece bem arbitrário. Todavia, por incrível que pareça, todos os testes empíricos mostram que essa média aritmética é muito melhor do que outros instrumentos estatísticos bem mais sofisticados. É um mistério. O outro problema está no fato do IDH ter surgido em 1990 sem incluir nada referente às questões ambientais. Mesmo assim, é possível cotejar o IDH de um país com algum outro indicador sintético de seu desempenho ambiental para se ter alguma avaliação em termos de desenvolvimento sustentável. O problema, entretanto, é encontrar esse indicador Existem alguns na praça, mas todos eles têm algum problema.

A verdadeira inovação vai ser desbancar o PIB como medida de crescimento econômico. Porque ele é uma péssima medida da própria riqueza, mesmo deixando de lado a idéia de desenvolvimento. Quando o PIB foi inventado, a mentalidade das pessoas era totalmente diferente. A mentalidade do pós-guerra. Tudo foi montado num espírito de reconstrução. A última coisa que poderia preocupar os caras que montaram o PIB seria se as bases naturais da economia estariam sendo dilapidadas ou não. E não só isso: também há outras coisas que deveriam ser abatidas do PIB, como a produção armamentista, por exemplo. Naquele conceito antigo de riqueza era até coerente. Diria, então, que no terreno do desenvolvimento sustentável, a substituição do PIB vai ser a grande inovação. Para mim a principal notícia, é que o Sarkozy (Nicolas, presidente francês) encomendou ao (Joseph) Stiglitz (também prêmio Nobel de economia) uma nova medida de crescimento, porque ele está desconfiado de que o PIB não reflete o aumento de qualidade de vida da França.

A China já faz um cálculo que mostra que podem reduzir em 10% o crescimento de seu PIB em função dos danos ambientais. Estes cálculos já não valem como uma nova medida de crescimento?

Veiga – Eu não conheço o método da China. Mas isso não é novo, já foi feito há tempos no Japão e na Holanda. Porém, isso é um pouco diferente, pois eles pegam as contas do PIB, dão umas revisadas, e dizem “o PIB verdadeiro seria tanto.” Mas estes descontos nunca são grandes, ainda mais na China, pois aí daria PIB negativo. O que tem de mais avançado saiu de um grupo do Banco Mundial que concluiu que não adianta dar uma esverdeada no PIB, corrigir um pouquinho. É o conceito de riqueza do PIB que está errado. O PIB mede o fluxo de riqueza, aquilo que é acumulado de um ano para outro. Será que riqueza é fluxo? Esse grupo recuou um pouco e resgatou a idéia de riqueza dos clássicos. O patrimônio natural, por exemplo, faz parte da riqueza, não importa se ele está gerando fluxo. Isso não vale só para a natureza. Se um país tem mais cultura que outro, isso também deve ser valorado. Eles adotaram o conceito de “poupança genuína”, que procura incluir os bens naturais, e os chamados capitais humano e social. Qual o problema deste esforço, embora me pareça o mais avançado? Todas as coisas do meio ambiente passam a ser valoradas em termos monetários, precificadas. Para algumas coisas isso não é problemático e o melhor exemplo é o petróleo. É fácil atribuir algum valor monetário ao seu estoque ainda não extraído, pois basta utilizar os preços do mercado mundial do óleo. Agora quando está em questão um manguezal ou um oceano, qual vai ser a referência? Os métodos que foram criados até agora não são convincentes. Então, quando chega na hora de se calcular essa “poupança genuína”, o país que produz petróleo está sempre mal, pois está dilapidando os recursos. Agora, se eu importar petróleo, nesta conta, eu fico sustentável. O cara que mais pensa nisso, teoricamente, é um indiano que está em Cambridge, Sir Partha Dasgupta. É um dos economistas tradicionais que mais se identificaram com essa discussão. Presidiu um instituto chamado Beijer, criado pela Academia de Ciências da Suécia, e que foi a primeira instituição a juntar ecólogos e economistas.

Sobre essa questão de valorar os recursos naturais há agora toda uma discussão sobre como avançar no pagamento de serviços ambientais. Quais são as dificuldades de se estruturar um mercado para estes serviços?

Veiga – Eu acho que quando se fala de pagamento por serviços ambientais não se está visualizando um mercado. Acho que pode ser pensado assim: existe uma mata que é muito importante para a sociedade brasileira e tem lá uns posseiros que cuidam dela. Dá uma bolsa para o posseiro e estamos pagando pelos serviços ambientais.

Na Costa Rica funciona assim

Veiga – É, existem muitas experiências, mas isso não é mercado. A discussão sobre mercado é a seguinte: será que todos estes mercados de carbono que estão surgindo ao redor da idéia do mecanismo de desenvolvimento limpo vão acabar favorecendo a manutenção da floresta em pé? Para você fazer um projeto de MDL tem que plantar árvores que vão ser um tremendo sorvedouro de carbono. Isso é o que vai ser calculado para ser vendido como forma de compensação. Mas a floresta em pé não é considerada. E aí tem toda uma luta para que não seja levado em conta apenas o carbono que vai ser absorvido, como também aquele que está deixando de ser emitido . Há um grande debate sobre isso, mas não sei se isso vai acontecer. O importante é saber que este mercado de carbono vai resolver apenas 1% do problema do aquecimento global. As pessoas que acham que esta será a solução estão completamente equivocadas.

Estamos no começo de um processo de negociação em torno das mudanças climáticas, e isso está totalmente ligado ao tema do desenvolvimento sustentável. Estas conversas avançariam mais se tivéssemos uma contabilidade melhor sobre o que são as riquezas de um País?

Veiga – Com certeza. Uma das coisas que mais me choca nessa discussão de mudanças climáticas é ouvir pessoas, que acho melhor nem citar, dizendo que o bloco dos países em desenvolvimento deve fazer certas coisas. Por acaso só existem dois tipos de países no mundo? Aqueles que são desenvolvidos e estão no Anexo 1 [do Protocolo de Quioto], e os em desenvolvimento? Nenhuma classificação séria teve até hoje apenas duas categorias. Isso é forma de esconder o fato que existem mais diferenças, como países de médio desenvolvimento. Outra expressão que é boa, e mais popular, é países emergentes, que surgiu no mercado. Todas as classificações têm pelo menos três categorias de países: aqueles que saíram na frente, ainda no século 19, aos quais se juntou o Japão no século 20, são os desenvolvidos. Aí há um grande grupo de países subdesenvolvidos. Em desenvolvimento é uma expressão discutível. Ruanda está em desenvolvimento? O Haiti? E temos esse meio, no qual há países pelo seu tamanho terão o mesmo peso, em se tratando de aquecimento global, daqueles chamados ricos. Esta aí a China passando os Estados Unidos, a Índia pertinho, e o Brasil – que contando as emissões por desmatamento e queimada, também está bem perto – e a Indonésia.

Nessa discussão, quando estes países falam sobre o direito de se desenvolver eles ainda estão pensando da maneira tradicional. Na melhor das hipóteses estão pensando em termos de IDH. Mas um terço do IDH é renda, e renda é PIB. A armadilha está aí. Considero que a substituição do PIB por uma outra forma de calcular a riqueza seria uma inovação radical. Neste conceito de inovação radical ou incremental, que geralmente só usamos quando falamos de tecnologia, essa sem dúvida seria uma inovação radical. Eu gostaria que ocorresse logo, certamente terá que ocorrer neste século. Nós vamos ter que mudar não apenas a maneira de medir o desenvolvimento, o que o IDH de certa forma já faz, mas a maneira de medir a própria riqueza. O PIB vai ser motivo de gargalhada no futuro. Não sei quando, mas vai chegar um momento em que alguém vai se perguntar “Como era possível que em pleno começo do século 21, os caras usavam uma medida de riqueza como aquele tal de PIB?”

Mesmo que esta inovação nos cálculos da riqueza seja adotada pelos governos, quanto faltará para ela ser absorvida pela sociedade? O setor agrícola, por exemplo… Há artigos que tratam a atividade no Brasil como mineração, como se as lavouras garimpassem todos os nutrientes da terra até acabarem…

Veiga – Quem pratica agricultura tipo mineração, se for proprietário, é completamente idiota. Isso acontece normalmente com arrendatários. Eles sim vão com esse espírito de esgotar a terra. A sorte para quem arrenda para um batateiro, por exemplo, será encontrar alguma cultura depois que conserte a terra, porque se for para um outro ciclo com aquele, a terra vai para desertificação. Agora veja a rapidez com que o Brasil desenvolveu o chamado plantio direto. Esses caras do plantio direto sacaram muito cedo que esse tipo de agricultura-mineração não dá certo. Então essa mudança conceitual especificamente no setor agrícola já ocorreu. A área agrícola que temos no Brasil hoje já é suficiente, não precisa derrubar mais árvore, nem no Cerrado, onde ainda sobra pouco, ou na Amazônia, onde, por sorte, ainda sobrae bastante. Nos outros biomas sobrou tão pouco que é preciso recompor, Caatinga, Mata Atlântica. Também é preciso recuperar as áreas degradadas da Amazônia que são abandonadas. Não é verdade que em todas as regiões exista o ciclo onde se desmata, aí vai o boi e depois a soja. Isso é verdade no Mato Grosso. Mas existem muitas áreas onde houve derrubada e queimas onde não se fez nada. Uma das coisas mais interessantes para este cálculo de carbono seria pegar estas áreas degradadas e deixar pura e simplesmente as matas se recomporem.

Tomara fosse tão simples, e acontecesse com o PIB o que está ocorrendo com a agricultura. Existe uma ditadura do PIB, as pessoas se acostumaram tanto a medir a riqueza pelo PIB do mesmo jeito que você está acostumado a olhar para o relógio. É uma convenção. Foi a ONU quem padronizou isso. Havia muitos países que não faziam suas contas nacionais. Nos anos 50, a ONU reuniu contabilistas que elaboraram um manual de contas nacionais. E quando ela convencionou, os economistas dos países foram chamados para treinar. Aqui no Brasil começou nos anos 50 com a FGV [Fundação Getúlio Vargas]. Umas das razões da criação da da FGV foi essa.

A mudança climática acelera estas mudanças na contabilidade das riquezas?

Veiga – É difícil dizer isso. O que eu entendi, por exemplo, da iniciativa do Sarkozy é que não se trata de aquecimento global ou mudança climática. É mais a qualidade de vida melhorando no país e o reloginho do PIB que não capta. Há um exemplo nos Estados Unidos de um pesquisador que criou um novo indicador chamado índice de saúde social, mas ele lidava mais com questões sociais. Os indicadores alternativos lidam mais com o social do que com o ambiental, embora hoje, felizmente, a ligação entre os dois já faça com que se use socioambiental como uma palavra só. Mas a concepção do indicador citado era mais ou menos assim: se as condições de vida da população estão se deteriorando, será que olhar o PIB per Capita vai permitir ver se isto está acontecendo? Na verdade, não é falta de indicadores para que a mudança na contabilidade ocorra. Indicadores há diversos. Um exemplo é a pegada ecológica. Se a ONU assumisse isso como um indicador, como fez com o IDH, o impacto seria imenso.

Voltando um pouco atrás, você disse que o Brasil não precisa derrubar mais nenhuma árvore para expandir a área agrícola. Poderia explicar para a gente esse raciocínio?

Veiga – Com área agrícola e da pecuária no País, alimenta-se três Brasis. Hoje em qualquer caso que você me mostrar é muito mais importante o aumento da produtividade do que a expansão de área. Já faz muito tempo que não precisa derrubar árvore. É um despropósito a área de pastagem aqui no Brasil. Precisa ser substituída por produções mais… interessantes. Temos a área para produzir carne. Vai pegar a pegada ecológica e ver o peso que tem a carne. Na verdade temos que estimular a população consumir menos carne, em nível mundial. Então eu não vejo problema nenhum em qualquer tipo de produção agrícola que substitua pastagem. Só há ganho nisso. Ao se produzir biodiesel em pastagens só se sai ganhando. É claro que não pode acontecer como na Indonésia, onde para produzir óleo de palma, eles derrubam a floresta. Aí é outro papo. Mas pastagens… Dois terços do que chamam de área agrícola é pastagem. Se há um país que não tem problema com espaço é o Brasil. Há pelo menos uns vinte anos essa frase é verdadeira: não é preciso derrubar nenhuma árvore para aumentar a produção alimentar, exportar. Os ganhos que o agronegócio vai ter virão da produtividade.

Eu tenho a impressão que os empresários e os líderes do setor sabem disso. Tanto que aderiram a pactos, como aquele pelo Desmatamento Zero. É claro que dentro do setor tem os ignorantes, que só sabem se virar de um jeito. É o sujeito que o avô já desmatava, é uma profissão. Pega a história do Pontal Paranapanema, nos anos 50, eu ainda era menino. Vai esse pessoal primeiro para desmatar, aí depois vão aqueles que fazem a destoca e ao mesmo tempo formam o pasto. Para que não tenha muito gasto, o fazendeiro permite que plantem coisas para eles. E aí forma o ciclo, depois que termina a destoca esse pessoal vai indo mais para frente. Há famílias que só sabem fazer isso. Se sair uma lei que proíba o desmatamento eles vão ter que procurar o seguro desemprego. Tem gente que migrou para essa franja da Amazônia que vive neste ciclo. Mas é muito pouca gente. Portanto se houver uma determinação da sociedade brasileira que não cai mais nenhuma árvore, vamos ter que resolver o problema social de um punhadinho de gente. É uma bobagem, que até se ouve dentro da academia, que é por conta dos grande interesses das multinacionais que estão desmatando a Amazônia. Você acha que Bunge, a Cargill, ganham dinheiro com desmatamento?

Mas toda a discussão sobre mexermos no crédito agrícola, ou chegando mais fundo, fazer uma reforma fiscal para incentivarmos atividades melhores para o meio ambiente, não choca com esta sua opinião?

Veiga – É verdade que muitas coisas incentivam estas atividades. Um exemplo que gosto de citar é o da lagosta. O Ibama fiscalizava por um lado e essa Secretaria de Pesca dava dinheiro grosso na mãos dos pescadores para eles comprarem a tal da caçoeira. Sim, existe um sistema complexo de políticas públicas que acaba incentivando isso aí. Mas o que eu estava dizendo era o contrário. Estou dizendo que a sociedade brasileira esta assistindo o desmatamento da Amazônia com a mesma passividade que assistiu ao destruição do Pontal do Paranapanema na época do Adhemar de Barros [governador de São Paulo]. A diferença é a divulgação. Acho que naquela época nem dava, ou se dava era positivo, a glória, os pioneiros, acabando com as últimas matas de São Paulo!

Mas vamos dizer que o pacto pelo Desmatamento Zero ganhasse corpo, se transformasse num movimento como as Diretas Já. A sociedade diria “acabou”. Nós, brasileiros, não ganhamos nada com isso, então vamos indenizar uns poucos para que o desmatamento acabe. Temos que pagar uma compensação mínima, tem que ser ridícula.

Fala-se muito em metas internas e internacionais para o desmatamento. Faz-se até um paralelo entre metas de desmatamento e metas de inflação. Como economista, você acha que as metas são um instrumento bom para tornar as políticas públicas mais eficazes?

Veiga – Meta é sempre alguma coisa complicada para governo. Se a meta é 100 e faz-se 90, leva pancada. Fica aquela coisa do gato escaldado. Se não tivesse a meta, podia festejar que fez 90. Eu estou mais preocupado com uma discussão anterior a esta das metas. Será que nós estamos calculando bem as nossas emissões? Só existe um inventário e se fala muita bobagem sobre ele. Repetem que 75% das emissões brasileiras vem do desmatamento na Amazônia. Falso. Recentemente revisitei o inventário e não precisa ir muito longe, lá nas primeiras páginas diz que os 75% é o total do desmatamento, mais queimadas e mudanças no uso da terra. Depois é separado por bioma, e se vê que na época [1994], o total das emissões da Amazônia não davam 50%. Agora, com a queda no desmatamento, é possível que estas proporções tenham se alterado. Hoje podemos dizer que o Cerrado está emitindo tanto ou mais que a Amazônia. O fato é que precisava sair urgente um novo inventário e melhorar esta discussão. A imprensa por exemplo repete toda hora os 75%! O que está acontecendo é que cada vez mais estão ligando termoelétricas. Pelos meus cálculos, em dez anos os derivados de petróleo constituirão a fonte mais importante de emissões e não vai demorar muito para passarmos o Canadá e a Austrália em termos absolutos. Cada vez mais acredito que a solução terá que ser discutida entre 23 países, não aquela palhaçada de 190 países em Bali.

  • Gustavo Faleiros

    Editor da Rainforest Investigations Network (RIN). Co-fundador do InfoAmazonia e entusiasta do geojornalismo. Baterista dos Eventos Extremos

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