Um inventário das plantas predominantes em florestas de Miguel Pereira rompeu os limites acadêmicos da botânica e fez rebrotar o movimento pela a criação de um parque ecológico no município, que fica no centro-sul fluminense, a 120 quilômetros do Rio.
Com mais de mil hectares, a área é formada por remanescentes da Mata Atlântica e por floresta regenerada desde a década de 1950, com o fim das lavouras de café. Pelo pedaço de verde se batem, de um lado, defensores da conservação e, de outro, proprietários que querem derrubar a mata para fazer loteamentos.
Celso Fraga, 21 anos, estudante de Engenharia Florestal, dedicava-se à coleta e identificação das espécies vegetais da região quando, no fim de janeiro, teve que interromper o trabalho por motivo de força maior: a resistência dos proprietários-desmatadores. O problema não era só a dificuldade de acesso. O ritmo de derrubada das árvores fez Celso temer que as partes da mata pesquisadas não estariam mais de pé na hora de redigir suas conclusões, o que privaria o trabalho de comprovação acadêmica.
Aluno do sexto período na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e estagiário do Jardim Botânico carioca, Celso passou a relatar a conhecidos a gravidade da devastação, que só pode ser testemunhada por quem percorre o lugar, apesar da proximidade com o centro da cidade. Situadas num maciço entre a zona urbana e a rural, nas localidades de Retiro das Palmeiras e Morro do Parapente, as florestas têm jequitibás com mais de 30 metros de altura por 2 de diâmetro e grande variedade de orquídeas, além de mais de 80 espécies de aves e mamíferos como o tamanduá-mirim e o cachorro-do-mato.
À medida que o estudante compartilhava sua preocupação, crescia a idéia de criar um parque municipal para proteger a área. “Achei que fazia só um trabalho científico, mas a idéia do parque foi tomando corpo”, conta Celso. Por ironia, uma parte da floresta ameaçada pertencera à sua família até ser vendida pela avó, por problemas financeiros, a um loteador. A propriedade é justamente a mais ameaçada pelas motosserras.
Conhecido por substituir matas por loteamentos sem infra-estrutura, o construtor Mário Lúcio Leite derrubou árvores e abriu estrada para acesso aos lotes que pretende vender. Foi contido e multado, no início do ano, por fiscais do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Mas a ameaça de devastação continua pairando sobre a área de Mata Atlântica, pondo em risco nascentes e riachos que deságuam no rio Santana, afluente do Guandu, que abastece o Grande Rio.
A mobilização em favor do Parque Municipal de Miguel Pereira, como já é chamado por seus defensores, ganhou a adesão da ong Instituto Terra de Preservação Ambiental, que atua há sete anos na região. “Estamos conseguindo potencializar uma idéia antiga do instituto”, diz um de seus diretores, Maurício Ruiz. A ONG planeja iniciar, ainda em maio, o trabalho de delimitação da área que quer ver convertida em unidade de conservação, com a ajuda de equipamento de GPS (Global Positioning System) e imagens de satélite.
Ruiz diz que a criação do parque deve integrar o projeto de um corredor de biodiversidade entre a Reserva Biológica do Tinguá e o Parque Nacional da Serra da Bocaina, envolvendo ações em nove municípios.
Os defensores do parque já discutem as modalidades de proteção que seriam implementadas. A sugestão mais bem aceita é que uma parte seja aberta à visitação e a atividades esportivas e ecoturísticas, e outra fechada ao público – uma zona-núcleo com a parte da Mata Atlântica mais conservada.
Mesmo em fase de planta nova, a idéia vem angariando simpatizantes rapidamente. “Muitas agressões ao meio ambiente têm ocorrido em todo o município e a atividade econômica na região está muito debilitada. O parque poderia ser uma solução para esses problemas, fortalecendo também nas novas gerações a necessidade da preservação”, diz o presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Miguel Pereira e Paty do Alferes, Leôncio Lameira de Oliveira. O comerciante acredita que a mobilização tende a crescer entre a população.
A prefeitura já foi acionada. Secretária municipal de Meio Ambiente, Kathia Harnam afirma que o governo empossado em 1º de janeiro vê com bons olhos a movimentação. “Mas tudo ainda é um desejo que não se apresentou de forma concreta. Estamos dispostos a avaliar todos os projetos de áreas de conservação”, ressalta. Empenhada em tirar do papel a Área de Proteção Ambiental (APA) do Rio Santana, criada em 2004, Kathia lamenta que o dinheiro é curto.
Ele será necessário para desapropriar as terras do parque municipal. Os proprietários ali são pelo menos sete. “Dois querem destruir, um quer vender e os outros quatro querem preservar”, Celso Fraga faz as contas. Para os preservacionistas, ele sugere a criação de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN). Se isto acontecesse, sobrariam somente três terrenos a serem desapropriados, mas a prefeitura não promete nada. “Nossa prioridade emergencial é resolver o problema do lixo”, avisa Kathia Harnam.
Por jogar dez toneladas de lixo todos os dias em encosta da Mata Atlântica, a Prefeitura recebe multas diárias do Ibama. O vazadouro está na área da Reserva do Tinguá que pertence a Miguel Pereira, por onde se estende também, no outro extremo do município, a Reserva Biológica de Araras. Uma solução para o descalabro ambiental causado pelo lixo, cogitada pela Prefeitura, pode ser um consórcio com o município vizinho Paty do Alferes, que possui usina de compostagem.
Enquanto não sai uma proposta oficial de criação do Parque Municipal de Miguel Pereira, a pressão sobre a floresta segue em frente. No início de maio, ao visitar o lugar, Celso Fraga viu que o dono recente da área que abrange o Morro do Parapente mandou fincar cercas em suas divisas. O nome do morro não é por acaso, mas agora os esportistas terão trabalho para continuar decolando da montanha, que oferece visão panorâmica da cidade. Mais um grupo que deve apoiar o parque.
* Francisco Noel é jornalista e mora em Petrópolis (RJ). Trabalhou por dez anos no Jornal do Brasil e por três no O Dia, até partir para um vôo solo, no qual O Eco é um dos pousos.
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