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Desprotegidas

Conama aprova texto que permite a exploração das Áreas de Preservação Permanente, como margens de rio, encostas e nascentes. Elas eram intocáveis desde 1965.

Lorenzo Aldé ·
19 de maio de 2005 · 20 anos atrás

A Semana da Mata Atlântica começou com o pé esquerdo. Nesta quarta-feira, 18 de maio, primeiro dia do evento que reúne em Campos do Jordão (SP) ongs e governo para discutir conservação ambiental, as Áreas de Preservação Permanente (APPs) começaram a deixar de ser tão permanentes assim.

Em reunião do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) que durou quase o dia inteiro, foi aprovado o texto-base de uma resolução que abre uma série de brechas para a exploração de ambientes que até agora eram intocáveis: as margens dos rios, o entorno de nascentes, olhos d’água e lagoas, brejos e áreas alagadas, topos de morros e montanhas, encostas íngremes, escarpas, restingas, manguezais e dunas, além de espaços de reprodução da fauna.

Todas essas áreas, fosse em terra pública fosse em propriedade privada, eram integralmente protegidas desde o Código Florestal de 1965. A lei abria exceção apenas para casos de “utilidade pública” ou “interesse social”, mas esta definição genérica permaneceu esquecida e as APPs, como diz Maria Tereza Pádua, ex-presidente do Ibama e colunista do O Eco, “foram digeridas pela sociedade e sempre foram muito mais respeitadas que os Parques Nacionais e outros tipos de reservas”.

Até que, em 2001, Fernando Henrique Cardoso decidiu legislar sobre o assunto. Por Medida Provisória, alterou o Código Florestal, estabelecendo critérios para o que seria utilidade pública — atividades de segurança nacional, proteção sanitária e “obras essenciais” de infra-estrutura — e interesse social — manejo agroflorestal “sustentável”. Para concluir sua temerária contribuição à legislação ambiental brasileira, acrescentou um adendo deixando nas mãos do Conama a decisão sobre “demais obras, planos, atividades e projetos” que teriam sinal verde para degradar as áreas outrora protegidas.

O Conama não fez por menos. Começou a discutir o assunto em 2003 e, agora, está prestes a emplacar a resolução que põe as APPs em situação delicada. Como o texto-base já foi aprovado, só falta discutir e votar de 35 a 40 emendas à resolução, o que deve acontecer na próxima reunião do Conselho, em junho (veja a íntegra da resolução, em arquivo .pdf).

A variedade de “casos excepcionais” que o texto lista torna a agressão aos ecossistemas uma hipótese nada excepcional. Entre as intervenções consideradas de utilidade pública, além de obras de saneamento, transporte e energia, poderão ser aprovadas atividades de extração de minérios e areia. O setor de mineração, aliás, deve ser o grande beneficiado pela resolução. O texto prevê a possibilidade de a APP abrigar até seus rejeitos, e diz que, se não houver impactos ambientais significativos, nem é preciso Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (Eia-Rima) para a empresa operar.

Neste caso, a dúvida é: quem vai dizer que não haverá impacto ambiental, se não for feito o Eia-Rima? Para esta e todas as outras atividades previstas na resolução, a resposta é a mesma: “o órgão ambiental competente”. Ou seja, uma fundação ou secretaria estadual ou municipal. Para Heitor Marzagão Tommasini, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (PROAM) e membro do Conselho Estadual de Meio Ambiente (Conema) de São Paulo, dar tamanha autonomia às entidades locais para decidir o destino de suas APPs é muito arriscado. “Se entre os órgãos licenciadores em São Paulo já percebemos equívocos graves, imagine no resto do Brasil, onde a condução política e a pressão dos empreendedores para conseguir as licenças é muito mais forte”, alerta. Para ele, dispensar o Eia-Rima “é um absurdo legal”.

Outro ponto polêmico diz respeito às áreas urbanas. A resolução autoriza o ordenamento territorial “sustentável” de ocupações de baixa renda localizadas em APPs, ou seja, em margens de rios, encostas e topos de morro. Difícil entender como essas situações de risco às pessoas e ao meio ambiente possam ser aceitas de forma sustentável.

Por fim, há o que o Conama definiu como alterações “de baixo impacto”. Elas incluem a construção de pontes, vias de acesso a propriedades, captação de água para abastecimento doméstico e dessedentação de animais, irrigação de lavouras e projetos de aqüicultura e até construção de moradias de descendentes de quilombolas, agricultores familiares e “populações extrativistas e tradicionais” no Pantanal e na Amazônia. A única restrição é o tamanho do estrago: ele não pode passar de 5% da área da APP. Quanto à avaliação do que seria um “baixo impacto” na vegetação e nos recursos naturais, bem, isso é com o órgão ambiental competente.

Representantes do governo no Conama afirmaram que as novas regras servem para ordenar atividades que já vêm sendo feitas nas Áreas de Preservação Permanente, como extração de minérios e ocupações irregulares. Maria Tereza Pádua foi pega de surpresa ao saber da resolução, que classificou como “assustadora”, e não entende como ainda não apareceu, na sociedade civil, um movimento de resistência à medida. “Estou de queixo caído. Cadê o movimento ambientalista deste país?”, indaga.

  • Lorenzo Aldé

    Jornalista, escritor, editor e educador, atua especialmente no terceiro setor, nas áreas de educação, comunicação, arte e cultura.

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