Reportagens

Caça aos votos

A pouco mais de uma semana da votação sobre o Santuário de Baleias do Atlântico Sul, o Japão, favorável à caça, leva vantagem na disputa contra o Brasil.

Ana Antunes ·
9 de junho de 2005 · 20 anos atrás

A visita do presidente Lula ao Japão, no dia 26 de maio, poderia ter sido uma excelente oportunidade para discutir com o governo nipônico a criação do Santuário do Atlântico Sul, proposta pelo Brasil na Comissão Internacional das Baleias (CIB). Apesar da inclusão do tópico ter sido um pedido da ministra Marina Silva, ele perdeu espaço na agenda para dar lugar à pretensão de ambos os países a uma cadeira cativa no Conselho de Segurança da ONU. A reunião anual da CIB ocorre entre os dias 13 e 17 de junho em Ulsan, na Coréia do Sul. Nesta oportunidade, o Japão vai propor o aumento do número permitido de baleias capturadas para pesquisa.

Para aprovar o projeto protecionista do Brasil são necessários ¾ dos votos dos países participantes. Para o veto, basta a maioria simples. Já a proposta japonesa será examinada por uma comissão científica, que decidirá se é viável aumentar o número de baleias Mink e a inclusão das espécies Fin e Jubarte para a pesquisa letal chamada Jarpa 2.

O Japão tem conseguido angariar votos ao redor do mundo para frear o Santuário do Atlântico Sul. A inauguração de uma fábrica de gelo na costa do Gabão, doada por uma fundação japonesa, foi apontada por defensores do santuário com uma estratégia para conquistar o voto favorável do país africano às suas pretensões na CIB. A Embaixada do Japão em Brasília nega que a doação tenha segundas intenções. Noritaka Akiyama, secretário do órgão, disse que a compra de votos nunca fez parte da política de seu país e que o Japão ajuda mais de 150 países no mundo inteiro, entre eles alguns que votam a favor do santuário.

Procurada insistentemente pelo O Eco, a Embaixada do Gabão levou uma semana para dizer que o governo não vai emitir nenhuma opinião oficial sobre o assunto. Outros países suspeitos de receber “favores” do Japão em troca de votos também foram procurados. A Embaixada do Suriname não vai se pronunciar antes do dia 13 de junho e a Embaixada do Peru foi procurada durante três dias, sem resposta.

Apesar de o Brasil insistir na proposta do Santuário do Atlântico Sul desde 1998, o Ministério das Relações Exteriores (MME) sabe que será muito difícil aprová-lo. Maria Teresa Pessoa, chefe da Divisão de Mar, Antártica e Espaço do Itamarati, disse que o objetivo da proposição é pressionar a CIB. Segundo ela, quanto mais votos o Brasil conseguir, mais força terá para lutar contra as propostas japonesas. “Esta é uma forma de defender a nossa posição a favor da pesquisa não-letal e do turismo de observação de baleia”, afirmou Maria Teresa.

Esta atividade econômica tem crescido em todo o mundo. Régis Pinto Lima, diretor do projeto Mamíferos Aquáticos, do Ibama, afirmou que a observação de baleias já movimenta mais de 6 milhões de dólares em 40 países. Ele não concorda com as pesquisas letais conduzidas pelo Japão. Régis disse que mais de 90% das pesquisas com cetáceos podem ser feitas apenas através de observação. “O Japão está conduzindo pesquisas letais há mais de 15 anos. Será que eles já não têm dados suficientes? A pesquisa letal é apenas uma desculpa para vender a carne das baleias”, afirmou.

O governo japonês rejeita as críticas. O secretário da Embaixada garante que a comercialização dos restos da pesquisa é feita apenas para seguir as leis da CIB. Um artigo no regulamento da Comissão determina o aproveitamento total dos animais pescados. Sendo assim, o Japão só estaria vendendo a carne por falta de alternativa. “A carne também é enviada para pessoas que têm alergia a carne bovina e de aves”, justifica Noritaka Akiyama. Ele reconhece que seu país defende a liberação da pesca comercial dos cetáceos por achar que o estoque das populações já está normalizado. O diretor do projeto Mamíferos Aquáticos discorda. Régis Pinto Lima diz que as estatísticas populacionais das espécies de baleia são muito incipientes. Por isso a opção dos países conservacionistas é preservar os estoques.

Quanto à oportunidade perdida pelo presidente Lula no Japão, o MME afirmou que o encontro de dois Chefes de Estado envolve uma grande preparação e que os assuntos tratados devem ser acordado entre as partes. A diplomacia internacional recomenda que quando países têm opiniões opostas sobre um assunto, este não deve ser discutidos para evitar o azedamento dos outros tópicos. O ministério afirmou ainda que a criação do Santuário não foi tratada diretamente mas que, no documento sobre desenvolvimento sustentável assinado pelos dois países, ficou implícita a sua negociação futura. Em uma longa lista de temas a serem discutidos, a preservação das baleias se encaixa no item “regulamentação dos estoques de recursos vivos do oceano”.

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