Reportagens

Brasil mais verde

Quase todas as cidades brasileiras organizaram mega eventos para celebrar o dia do meio ambiente. Num acesso de criatividade, elas decidiram plantar árvores.

Andreia Fanzeres ·
10 de junho de 2005 · 19 anos atrás

Na Semana do Meio Ambiente, O Eco continuou igualzinho. Nada de edição especial ou mobilização extraordinária. Como falar desse tema por aqui é pura rotina, não precisamos da data, ou outros simbolismos do gênero como o Dia da Água, da Árvore ou da Mata Atlântica, para lembrar de fazer o nosso papel.

Mas foi curioso assistir à imprensa, municípios e estados brasileiros dedicando dias e noites para planejar mega eventos em homenagem à mãe natureza na semana do dia 5 de junho – data que marcou a abertura da primeira conferência organizada pela ONU para debater questões ambientais, na capital sueca Estocolmo, em 1972. Como acontece todos os anos, a frase mais usada para começar as homenagens foi: “No Dia do Meio Ambiente, não há nada para comemorar”. E se uma boa receita para sensibilizar é recorrer a símbolos, nada mais tradicional do que plantar uma árvore para lembrar do amor que as pessoas têm ou deveriam ter pela natureza. Se dependesse da quantidade de mudas distribuídas à população nas datas comemorativas do meio ambiente, o Brasil não precisava de programa de reflorestamento.

Num tímido levantamento, os repórteres de O Eco me ajudaram a recolher as programações das semanas comemorativas em diferentes cidades brasileiras. Choveu e-mail. Informavam sobre as imperdíveis atividades de Hortolândia (SP), Icapuí (CE), Cabo Frio (RJ), Mineiros (GO), Pedreiras (MA), Lagoa Santa (MG), Manaus (AM), Porto Alegre (RS) e tantas outras localidades. Dos grandes centros a minúsculas cidades do interior do país, na Semana do Meio Ambiente todos subitamente se vêem imbuídos do desejo de zelar pela manutenção do patrimônio natural e pela consciência ecológica da população. Algum estraga-prazeres pode dizer que estão apenas querendo se redimir por não darem tanta atenção ao tema nos outros dias do ano. Mas o Brasil que ama a natureza não lhe dá ouvidos, ocupado em festejar data tão nobre.

As programações apresentam diversos pontos em comum, mas um em especial: as árvores. Até algumas cidades nordestinas, que normalmente distribuem mudas só até o mês de abril, quando termina a época de chuva, resolveram aderir e também estão incentivando o plantio em junho. Esse pode parecer um dado óbvio ou insignificante, mas demonstra que, para a maioria das pessoas, meio ambiente continua sendo sinônimo de verde.

De norte a sul do país, os eventos foram parecidos. Governadores e prefeitos anunciaram pacotes ambientais e juraram que as medidas não passam de uma extensão às suas políticas bem-sucedidas de proteção à natureza. “Quando temos uma data dessas é sempre um momento ritual. Como os índios, que festejam, mas não deixam o trabalho atrasar”, declarou o secretário de desenvolvimento sustentável do Amazonas, Virgílio Viana. Ele tem dados concretos a seu favor. Recentemente se viu que o desmatamento foi reduzido em quase 40% no Amazonas. O governo estadual, então, aproveitou a ocasião para anunciar a proteção de mais de 1 milhão de hectares em novas unidades de conservação. Além disso, declarou a contratação de 50 novos servidores para aumentar a fiscalização nas reservas, criou uma força-tarefa para combater o desmatamento, proibiu o corte de duas das árvores mais cobiçadas da Amazônia, a andiroba e a copaíba, entre outras medidas. O Paraná também lançou um respeitável pacote de medidas ambientais, aumentando suas áreas de conservação. Mas mesmo que só como a cereja do bolo, a programação da Semana do Meio Ambiente nesses dois estados não escapou de realizar o simbólico plantio de mudas.

Quem também quis aproveitar a Semana para dar uma melhorada na imagem foi o Ibama. Em diversas cidades, o órgão federal liderou as atividades e tentou aproximar a população das questões ambientais. Em Ceres (GO), por exemplo, foi organizada uma coleta de lixo flutuante no rio das Almas com participação da comunidade. Embora necessite de limpeza constante, o chefe do Ibama na cidade, José Elias de Brito Jardim, disse que a coleta acontece uma vez por ano, sempre na Semana do Meio Ambiente. “Sabemos que não é suficiente, deveríamos limpar o curso do rio todo, mas este ano vamos cobrir uma extensão de 10 km de rio. Ano passado foram só 3 km”, argumenta. Segundo Jardim, o Ibama pretende ampliar o foco de seu trabalho. “Em vez de só fiscalizar e punir, queremos nos concentrar na educação ambiental, por isso montamos uma programação cheia de eventos e repetimos o esforço na Semana da Água, comemorada em março”. Além de uma caminhada ecológica, o Ibama organizou, adivinhem o quê? Plantio de mudas.

Em Minas Gerais, o órgão apostou no incentivo à visitação de unidades de conservação. “Promovemos as atividades da Semana do Meio Ambiente o ano todo, mas é claro que esta data naturalmente chama mais atenção”, explicou o gerente-executivo no estado, Roberto Messias Franco. Áreas de Proteção Ambiental (APAs), Parques e Florestas Nacionais tiveram programações específicas para receber os visitantes. No entanto, muitas atividades ficam limitadas porque dependem da cooperação das prefeituras. “A adesão é muito desigual. Algumas participam ativamente e outras não”, lamenta.

A mesma frustração parcial tem a Secretaria de Meio Ambiente do Ceará (Semace). Este ano, a secretaria preparou um grande evento com palestras, “blitz educativas”, seminários, caminhadas e outras atividades que buscavam integrar diversos municípios. No entanto, os resultados são duvidosos. “Distribuímos as mudas, mas o plantio é feito segundo orientação de cada prefeitura”, explica Maria José Souza Holanda, coordenadora de extensão e educação ambiental da Semace. “Nós damos o incentivo no Dia do Meio Ambiente, mas não podemos interferir na autonomia administrativa dos municípios”, esclarece ela quando indagada sobre a freqüência da limpeza da lagoa de Uruaú, na cidade de Beberibe. Mesmo com esses incentivos da secretaria estadual, os municípios cearenses ainda não parecem ter se mobilizado convincentemente. Apenas 16 cidades conseguiram se adequar a um programa de certificação ambiental do estado, o “Selo Verde”. “Ainda assim, nenhuma na categoria mais elevada, a sustentável”, relata Maria José.

Mas como na Semana do Meio Ambiente tudo é festa, as organizações não-governamentais pegam carona em tanta mobilização e conseguem, por tempo limitado, a visibilidade e o suporte que tanto buscam ao longo do ano. “Nossa imagem é reforçada e nossas atividades recebem maior apoio da população na Semana do Meio Ambiente”, diz Valeria Barreto Moreira, diretora da ONG Oréades, de Mineiros (GO). Letícia Eberhard, bióloga da Fundação Ecotrópica, que desenvolve trabalhos no Pantanal, concorda. “Temos mais propaganda na televisão e nossas atividades passam a ser mais conhecidas pela comunidade”, conta. Para Adriano Carvalho Ferreira, da Birdlife International, a semana do meio ambiente foi uma importante inspiração para aumentar a preocupação institucional da ONG. Os resultados vieram rápido. “Recebemos ligações de escolas interessadas no nosso trabalho e até do secretário municipal de Meio Ambiente de São Paulo, o que nunca tinha acontecido antes”, diz.

Terminada a semana, fica a esperança de que tudo não volte ao normal.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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