Reportagens

De Brasília, sem holofotes

Enquanto o Brasil parava por Roberto Jefferson, o presidente do Ibama reconhecia em CPI que há corrupção no órgão. Ele defendeu seu ex-diretor de Florestas.

Carolina Mourão ·
15 de junho de 2005 · 20 anos atrás

Adiada três vezes na mesma tarde, a audiência pública da CPI da Biopirataria sobre a Operação Curupira parecia que ia micar. Era o dia de Roberto Jefferson na Câmara. Mas é prática usual na Casa dar um jeitinho para as Comissões continuarem funcionando em dias atípicos como ontem. Os deputados assinam presença, garantem o quorum da reunião e se mandam. Só fica quem realmente tem muito interesse n o assunto. No caso, não chegaram a dez almas penadas.

A reunião, marcada para as 14h30 e realizada depois das 17h30, era importante. O objetivo era pedir esclarecimentos sobre a Operação Curupira, conduzida pela Polícia Federal no último dia 2 de junho, que resultou na prisão, num primeiro momento, de 87 pessoas, entre funcionários do Ibama e empresários, acusados de envolvimento com extração e comercialização ilegal de madeira. Até hoje já foram presos 101 acusados. Antes do escândalo do Mensalão, esse era o assunto da hora.

Longe dos holofotes da Comissão de Ética, o principal convocado pela CPI da Biopirataria compareceu: Marcus Barros, presidente do Ibama. Além dele, falou o interventor no estado de Mato Grosso, Elielson Ayres de Souza.

Marcus Barros começou criticando o escasso orçamento reservado ao Ibama. Disse que, neste ano, foram destinados R$ 183 milhões ao instituto, mas por conta do contigenciamento de verbas o Ibama está trabalhando com apenas R$ 135 milhões, quando o ideal, na avaliação do presidente, seriam R$ 600 milhões.

Sobre o esquema de corrupção envolvendo a falsificação de Autorizações para Transporte de Produtos Florestais (ATPFs), Barros afirmou que o Ibama pretende substituir a papelada por um sistema informatizado, que está em processo de desenvolvimento e deverá ser implantado em todo o país. O presidente do Ibama reconheceu que as ATPFs são o principal instrumento de corrupção utilizado pelos servidores do Ibama, e por isso o fornecimento dessas autorizações está suspenso até o dia 1° de julho. Os documentos – emitidos pelo Ibama e impressos pela Casa da Moeda – eram usados pela quadrilha para “esquentar” a madeira retirada na floresta ilegalmente, viabilizando sua extração e transporte. Segundo investigações da Polícia Federal, cada ATPFs era vendida por funcionários do Ibama para despachantes e madeireiros por cerca de R$ 2 mil.

O presidente do Ibama disse que não acredita que o ex-diretor de Florestas do órgão, Antonio Carlos Hummel, preso no início do mês pela Operação Curupira, esteja envolvido no esquema. Para Marcus Barros, Hummel não apresenta sinais de riqueza além do que permite seu salário de funcionário do Ibama. A Polícia Federal, de acordo com o presidente do Ibama, grampeou o telefone do ex-diretor, mas não encontrou provas contra Hummel. Ao contrário, lembrou Barros: ele tem bons precedentes, inclusive no combate a focos de corrupção no Ibama do Pará. “Se for provado que Hummel é inocente, vou ter o prazer de reconduzi-lo à diretoria da qual foi afastado”, disse Barros.

Pelo ex-gerente executivo do Ibama no Mato Grosso, Hugo Werle, o presidente do Ibama não botou a mão no fogo. Marcus Barros disse acreditar que Werle foi contaminado pelo “vírus da corrupção”, que ele sim apresenta sinais de riqueza ilícita e que há provas de que negociou propina para si com madeireiros. O presidente do Ibama também lembrou que a parceria entre o instituto e a Polícia Federal continua depois da Operação Curupira. Está em curso a Operação Arribação, investigando denúncias de corrupção no Ibama em todo o país. Barros informou que ação policial já rendeu a prisão de mais quatro servidores acusados de envolvimento com atividades ilícitas.

Interventor do Ibama no Mato Grosso, em substituição a Hugo Werle, o procurador federal Elielson Ayres de Souza afirmou que o grupo preso pela Operação Curupira, sob acusação de extração e transporte ilegal de madeira, atuava há mais de dez anos, e que a Procuradoria do órgão recebeu a denúncia em 2001. Segundo Elielson, as informações foram encaminhadas ao Ministério Público, mas o caso não teve prosseguimento. O procurador disse ter recebido do presidente do Ibama a orientação de que nenhum funcionário do órgão envolvido com corrupção fosse poupado. Sobre seu trabalho como interventor, afirmou que continua apurando outras fraudes de menor extensão envolvendo funcionários do Ibama no Mato Grosso, e que é favorável à moratória completa do desmatamento no estado por pelo menos seis meses.

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