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Pró-Guaíba, in memoriam

Onze anos de programa de despoluição não mudaram nada: lixo, esgoto e agrotóxicos continuam infestando as águas da bacia do rio Guaíba, no Rio Grande do Sul.

Guilherme Kolling ·
17 de junho de 2005 · 20 anos atrás

É lamentável que grandes projetos governamentais fracassem por falta de dinheiro. Mas pior ainda é quando não dão certo mesmo tendo à disposição imensos recursos internacionais. É o caso do Programa para o Desenvolvimento Sócio-Ambiental da Região Hidrográfica do Guaíba, batizado de Pró-Guaíba.

Iniciado há 12 anos, o programa tinha o objetivo de despoluir as águas que banham 30% do Rio Grande do Sul, numa bacia de 85.950 km2 que inclui cidades responsáveis por 86% do PIB estadual e onde vivem dois em cada três gaúchos. Quatro governos estaduais se passaram, e o Pró-Guaíba foi deixado para trás. O último relatório disponível mostra que quase 200 milhões de dólares, entre empréstimo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e contrapartida estadual, escoaram pelo ralo sem atingir os objetivos propostos.

Foi um primor de lentidão. As ações da primeira etapa do programa deveriam consumir cinco anos, mas se arrastaram por mais de uma década. O governo não tem dinheiro para fazer sua parte, o que pode levar o BID a pular fora, no final de junho. Até porque, além de lentos, os resultados são pífios: as ligações de esgoto na região metropolitana de Porto Alegre subiram de 4% das residências, em 1994, para apenas 10%.

Em março de 2002, uma missão do BID esteve no Rio Grande do Sul para avaliar o andamento do Módulo I do Pró-Guaíba. Faltavam pequenas obras para a conclusão daquela primeira parte. O governo petista de Olívio Dutra estava sem dinheiro para completar sua contrapartida, de 88 milhões de dólares. Mas, vendo que as estações de tratamento de esgoto de Gravataí, Cachoeirinha, São João e Porto Alegre estavam prontas, os técnicos do banco tiveram boa vontade. Aceitaram como contrapartida a construção de um trecho novo da RS-118, sob a justificativa de que o governo aplicara o dinheiro na estrada porque era um caminho para o Parque Estadual de Itapuã, a 57 km da capital. Seria como trocar um investimento bom para o meio ambiente, por outro tão bom quanto. Depois de autorizar o depósito de mais 3 milhões de dólares no Pró-Guaíba, o BID fechou os cofres e de lá pra cá ficou à espera dos resultados.

Naquele ano, Dutra não conseguiu eleger seu sucessor. Tarso Genro perdeu a eleição para Germano Rigotto, do PMDB. O novo governo tocou apenas pequenas obras do megaprojeto: em dois anos e meio de gestão, foram só 300 novas ligações domiciliares à rede de esgoto em Porto Alegre, mais a instalação da rede de energia elétrica na Praia de Fora, do Parque de Itapuã, em Viamão e a construção de uma travessia da rede elétrica na Ilha das Flores, no Parque Delta do Jacuí. Limpar as águas, que é bom, quase nada.

O Módulo II, parte mais importante do Pró-Guaíba, cujo valor aprovado pelo BID era de 500 milhões de dólares, ficou apenas nos estudos. Sabendo que não teria como bancar 70 milhões para a nova contrapartida, o governo estadual jogou a toalha de um programa já vinha minguando, ano após ano (veja quadro abaixo).


















Fonte: Pró-Guaíba


O especialista em Meio Ambiente do BID, Eduardo Figueroa, informa que não foi pedida a renovação do empréstimo do Pró-Guaíba. Mas o governador Germano Rigotto veio a público, no dia 15 de junho, garantir que o Módulo II começa em agosto, e que está negociando recursos com a Agência de Cooperação Internacional do Japão (JICA).

Deve estar torcendo para que os japoneses não conversem com o pessoal do BID. Neste mês de junho, o parceiro original está cobrando os resultados da primeira etapa. E o governo não tem como apresentar um resultado positivo. O relatório do Pró-Guaíba é uma coleção de fracassos. Ele mostra, por exemplo, que das 40.771 indústrias situadas na bacia, apenas 8.180 constam do banco de dados da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), responsável pelo cumprimento das leis ambientais no estado.

Na área agrícola, a situação não é melhor. O consumo de agrotóxicos na região do Guaiba ultrapassa 6 mil toneladas por ano. A aplicação dos agrotóxicos em geral “é excessiva e indiscriminada gerando resíduos nos solos, água e alimentos, e intoxicando as faunas terrestre e aquática”. De fertilizantes são mais de 160 mil toneladas. Diz o relatório: “Há poucas informações sobre os problemas ambientais causados por agrotóxicos”. E mais: “Pouco ou nada se sabe a respeito do acúmulo de herbicidas nos solos e seu arraste para os cursos e depósitos d’água”.

A situação do lixo e do esgoto, duas importantes vertentes do programa, continua crítica.

Das 3.700 toneladas de lixo domiciliar recolhidas todo dia, 70% vão parar em lixões impróprios. “O esgoto sanitário é despejado nos cursos d’água e vai parar nos rios. Apenas 10% dos habitantes dessa região são servidos por rede coletora. Mais de 200 municípios da região não têm qualquer órgão para cuidar dos esgotos”, diz o documento do programa que sonhou um dia despoluir o rio Guaíba.


* Guilherme Kolling, 25 anos, é jornalista em Porto Alegre e editor do site Ambiente Já.

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