Reportagens

Novo lar para o lixo carioca

Aterro de Gramacho está com capacidade esgotada. Sua área está sendo reflorestada e o novo aterro, em Paciência, também vai ganhar um cinturão verde.

Ana Antunes ·
8 de julho de 2005 · 19 anos atrás

Quando o lixo sai da sua casa, para onde ele vai? Nem todos sabem responder a esta pergunta crucial para o meio ambiente. E, no caso do Rio de Janeiro, a resposta vai mudar em breve.

Depois de quase três décadas de operação, o aterro de Gramacho, bairro do município de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, não tem mais capacidade para receber as 8 mil toneladas de lixo produzidas todo dia na cidade. Inaugurado em 1978, com área de 1 milhão e 300 mil m2, ele recebe cerca de 80% do lixo do Rio de Janeiro e os resíduos sólidos de Duque de Caxias, São João de Meriti e Nilópolis, municípios da região metropolitana. Foi criado como lixão, mas oficialmente é chamado de aterro desde 1995.

Só oficialmente. Apesar de adotar medidas sanitárias básicas, o principal não foi feito: os catadores continuam tendo acesso ao lixo, colocando em risco sua própria saúde e espalhando o material orgânico ao ar livre. Além de causar cheiro forte e atrair aves de rapina e roedores, o lixo exposto pode contaminar o solo e os lençóis freáticos, por causa do chorume – líquido resultante de sua decomposição.

No lugar de Gramacho, será inaugurado um aterro sanitário de fato, em Paciência, Zona Oeste do Rio (maquete acima). Além dos benefícios do tratamento correto do lixo, a mudança trará mais verde para ambos os locais: a área de Gramacho será inteiramente reflorestada e Paciência, que está degradada por décadas de mineração, terá dois terços de seu terreno transformados em cinturão verde.

Em 1997, começou em Gramacho um projeto de recuperação de mangues em parceria com a Comlurb (Companhia Municipal de Limpeza Urbana), coordenado pelo biólogo Mário Moscatelli. Para o trabalho de replantio de espécies nativas, foram recrutados alguns dos catadores que viviam de recolher lixo no lugar. Moscatelli gerencia 130 hectares de mangue, nativos das margens da Baía de Guanabara. A área corre risco de ser invadida por lixo, mas não do aterro, e sim das águas da baía. Por isso, o mangue foi cercado para evitar a chegada de resíduos que vêm do mar. Para Moscatelli, tão importante quanto restaurar o manguezal é dar à população oportunidades econômicas para a manutenção do ecossistema. Propostas de negócios que variam de ecoturismo à produção de mel já estão sendo analisadas.

A Comlurb afirmou que o aterro de Gramacho será fechado assim que terminarem as obras de construção do novo aterro sanitário de Paciência, mas ainda não há previsão de data. De qualquer forma, o trabalho de recuperação ambiental da área vai continuar até quando os órgãos responsáveis acharem necessário. Moscatelli espera que seu projeto seja levado adiante. “O passivo ambiental existente não termina apenas com a paralisação das atividades do lançamento de lixo. Serão necessários ainda muitos anos para o tratamento dos resíduos oriundos da decomposição gradual de todo o lixo existente”, disse ele.

O fechamento do atual aterro, que ainda permite a atuação dos catadores, preocupa José Luiz Estácio, presidente da Rio Coop 2000. A cooperativa de catadores está procurando soluções para que as pessoas que ganham a vida no local não percam o emprego. “Uma alternativa que nós consideramos muito boa é a construção de centros de triagem pelos quais o lixo passaria antes de ir para o aterro. Desta maneira os catadores continuariam inseridos no processo de reciclagem e a sociedade aproveitaria mais os seus materiais reciclados”, afirma. No entanto, o novo aterro de Paciência não prevê centros de triagem, necessários para empregar os ex-catadores.

O gerente operacional do Centro de Tratamento de Resíduos Sólidos de Paciência – nome chique do novo aterro –, Roberto Lemos, afirma que, diferentemente de Gramacho, lá não serão permitidos catadores. “O lixo vai chegar em carretas e não haverá contato humano. Os resíduos serão colocados em blocos de até 50 metros largura por 5 metros de altura e rapidamente aterrados, o que evitará o aparecimento de animais indesejados”, diz Lemos, da empresa Julio Simões, responsável pela obra.

O fato de os catadores também serem indesejados em Paciência preocupa especialistas como Lúcia Luiz Pinto, consultora socioambiental. Segundo ela, o problema de Gramacho ultrapassa a barreira do meio ambiente, afetando diretamente 6.700 pessoas cuja renda depende do aterro. As atividades em torno de Gramacho fazem circular cerca de 1,5 milhão de reais todo mês. Lúcia aponta como alternativa de renda para os catadores um projeto de triagem do lixo de Duque de Caxias, mas se preocupa com o destino da proposta: como foi fruto de uma parceria entre a Comlurb e o ex-prefeito da cidade Zito, não é possível afirmar se o trabalho vai ter continuidade.

As críticas ao novo aterro sanitário não vêm só dos catadores. “Do ponto de vista de gestão de resíduos sólidos, o problema é ser um local único. Nenhum lugar será bom para receber a totalidade do lixo do Rio de Janeiro. O ideal seriam várias unidades menores descentralizando a destinação final de modo a não sobrecarregar o acesso e a diminuir os impactos da logística”, opina a consultora Pólita Gonçalves, especialista em lixo.

Entre os moradores de Paciência também há quem se preocupe com a escolha do bairro como destino do lixo. O Fórum de Meio Ambiente e Qualidade de Vida da Zona Oeste e da Baía de Sepetiba reclama que o empreendimento vai causar problemas de trânsito à já tumultuada Avenida Brasil e que o impacto para a população local será enorme. Roberto Lemos responde que, para resolver o problema do trânsito, a pista que liga o aterro à Avenida Brasil será duplicada e que no transporte serão utilizadas carretas em vez de caminhões, o que reduz em até três vezes o número de veículos necessários ao trabalho.

Com relação aos impactos ambientais, o gerente de Paciência lembra que o solo da Fazenda Santa Rosa do Furado, local que abrigará o aterro, já está desgastado pois foi utilizado anteriormente para mineração. Dos 3,6 milhões de m² da área total da fazenda, apenas 1,3 milhão de m² serão usados como aterro. O resto já está sendo reflorestado (foto). O trabalho de plantio de mudas começou em abril deste ano e deve terminar em outubro. Serão ao todo 210 mil mudas, que terão seu crescimento acompanhado por uma equipe de manutenção. O projeto foi desenvolvido por professores da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e vai ter cerca de 35 espécies da Mata Atlântica. Além de um cordão de eucaliptos, escolhidos por crescerem rápido e exalarem odor agradável. A idéia é formar uma barreira de árvores separando o aterro do resto do bairro.

Roberto Lemos lista os outros benefícios previstos no projeto: a construção de uma creche, uma escola, um posto de saúde, um centro de educação ambiental e 400 empregos diretos para os moradores. Haverá também um sistema de captação do biogás resultante da decomposição do lixo. No futuro, o gás pode ser usado para gerar energia elétrica. Lemos atribui as reclamações do Fórum à desinformação. “Também somos contra lixões. Quem não conhece acha que isso aqui será um lixão, mas não será. As pessoas que falam não vieram ver o projeto”.

O aterro de Paciência vai receber 9 mil toneladas de lixo doméstico por dia, apenas do Rio de Janeiro. Para começar, a obra depende de uma audiência pública que já foi adiada duas vezes. Depois disso, o centro de tratamento tem que esperar a licença ambiental. O novo aterro tem capacidade para receber todo o lixo carioca por exatos 22 anos e meio.

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