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Tal cidade, tal parque

O Parque da Cidade, localizado no bairro da Gávea, no Rio de Janeiro, virou mais um triste exemplo de como as favelas privatizam bens que deveriam ser públicos.

Carolina Elia ·
15 de julho de 2005 · 19 anos atrás

O parque da cidade é fiel ao nome. Na década de quarenta, seus jardins chamavam a atenção de quem passeava por ali. Tanto que os responsáveis pelo gramado foram chamados em 1948 para preparar o campo do Maracanã, que deveria ter a mesma qualidade. “Os jardineiros mais famosos eram os do parque. Todo mundo que vinha elogiava”, conta Mauricio Chagas, chefe dos jardineiros na época. Mas de lá para cá o Rio mudou. E o parque, como a cidade, está abandonado.

Ele tem portão e cancela, mas ninguém controla a entrada. O lago está vazio, entupido por mato. Há bancos quebrados, fontes secas, trilhas fechadas. E o gramado está ralo. “Isto não é grama”, diz Mauricio, “ É orelha de sapo, ou coisa parecida. Mata a verdadeira grama”, explica ao arrancar a planta que sinaliza falta de manutenção. Ou de administração. O parque pertence ao governo estadual mas por convênio é administrado pela prefeitura, que instalou um escritório da secretaria do Meio Ambiente bem no alto do terreno. Lá funciona exatamente o setor de fiscalização, mas eles não atuam dentro do parque.

O estacionamento, localizado bem perto da porteira, virou o estacionamento da favela que existe colada à entrada: a comunidade Parque da Cidade. À noite, o parque fica aberto para que os moradores possam usufruir das vagas. “Você teria coragem de fechar se fosse ameaçado com uma arma?”, pergunta o engenheiro florestal Alexandre Amaral, gerente do escritório. Como no resto do Rio de Janeiro, a violência se tornou um motivo para omissão do poder público. Houve dia em que dois guardas municipais saíram de lá escondidos no banco de trás de um carro por terem sido ameaçados de linchamento por um grupo de crianças de 10 a 15 anos. Os guardas tentaram acabar com uma partida de futebol em local proibido. As crianças pegaram pedaços de pau e barras de ferro de uma ponte enferrujada e avançaram para cima deles. Por causa de casos assim, não se impede que pessoas passeiem com animais no parque nem que lavem seus carros nas nascentes. Infrações desse tipo são cometidas inclusive por familiares de antigos funcionários que moram ali dentro.

A falta de autoridade também levou ao fim da represa do parque.“Era tudo lago. Só tinha gansos, marrecos e patos”, descreve Mauricio ao testemunhar um mar de mato. Segundo os responsáveis, o lago foi revitalizado no final da década de 90, mas não durou um verão. “Apesar do banho ser proibido, os moradores da favela da Rocinha transformaram o lago em piscina. As árvores serviam de trampolim”, relata Alexandre. A solução encontrada pela prefeitura foi baixar o nível da água, mas os usuários quebraram a comporta. O lago então foi esvaziado.“Se uma pessoa morre, a culpa é da prefeitura”, justificou o gerente. A razão para o fim do lago foi confirmada por Márcia Pinheiro, atual diretora do parque, que assumiu o cargo em outubro do ano passado. Segundo ela, há planos de se recuperar o local. Mas os responsáveis pela segurança seriam jacarés de papo-amarelo. “A represa seria cercada. O caso está sendo estudado junto ao Ibama”,conta ela.

Atualmente o parque tem uma gerente, dois guardas municipais responsáveis pela ronda e uma funcionária pública para limpar os banheiros. Por falta de verba, esses só estão abertos nos fins de semana e feriados, sendo que parte do material de limpeza é doado por famílias que fazem festas de aniversário no parque. A manutenção da área de lazer é feita por uma empresa terceirizada, mas por falta de renovação de contrato, a atual responsável por varrer as ruas e cortar a grama é a Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb). O retorno à normalidade depende do prefeito César Maia, uma vez que o futuro contrato está na mesa dele.

Uma perspectiva de melhora, segundo Márcia, é aplicação de medidas compensatórias no parque. Empresas que causaram impactos ambientais em outras partes da cidade podem vir a investir em obras no local, a maioria de cunho social, como a revitalização de churrasqueiras, mesas de piquenique e duchas. Resta saber se esse tipo de investimento vai ser respeitado pelos freqüentadores que depredam as áreas de lazer e se apoderam do espaço público. Segundo a prefeitura, as favelas da Rocinha e do Parque da Cidade ainda não invadiram os limites da unidade de conservação, demarcados por um muro. Mas falta pouco. Traficantes já abriram uma passagem para o verde e, se continuar assim, o parque deverá ser rebatizado de Parque da Cidade Sitiada. Pelo menos fará jus aos novos donos.

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