Ele corria por Pirabeiraba, um distrito rural da industrializada Joinville (SC). Tinha 14 quilômetros de águas cristalinas, desembocando no rio Cubatão, o que abastece a cidade. Hoje, parece mortinho da silva. Tanto que foi oficialmente retirado do mapa hídrico da região nordeste catarinense.
O que transformou o rio do Braço num riacho lamacento e fez suas águas quase secarem foi a combinação de esgoto doméstico, desmatamento, expansão industrial e mineração. Só os antigos ainda se lembram de quando dava para pescar piavas no Braço.
Triste com a perda? Não desanime. Ainda há uma esperança. É o Projeto de Revitalização do Rio do Braço, da ong Vida Verde, em parceria com o Rotary Club Pirabeiraba. Mas, para dar certo, a iniciativa precisa da participação da (apática) comunidade e da (desinteressada) administração pública. O projeto começou em 2000 e até agora conseguiu replantar 2,6 quilômetros de mata ciliar nas margens do rio – são elas que evitam o assoreamento. Não é muito.
À frente dos trabalhos de revitalização, o biólogo Henrique Krauser — que nasceu na região e só saiu para estudar na universidade federal, onde pesquisou as lontras do rio Cubatão — é daqueles que dariam a vida para preservar as águas e seus habitantes. É na base na persuasão que enfrenta o maior desafio do projeto: “Convencer os proprietários a ceder espaço para o plantio de mata ciliar nas margens do rio”.
Primeiro passo: educação ambiental para tirar o sentimento de desconfiança com que os moradores recebem o projeto. Eles acham que estão querendo tomar parte de suas propriedades. Lorita Elling, dona de terras dos dois lados de um trecho do rio, já foi conquistada pela causa. Por enquanto, ela cedeu apenas uma margem para o plantio da mata ciliar. Foi um voto de confiança à coordenação da Vida Verde. Promete mais, “se vier água”.
Na terra dela o plantio da mata foi realizado há dois anos. A água ainda não chegou, mas Lorita está feliz com o resultado: “Eu me encanto com a beleza dos coqueiros. Não é tão difícil colocar mata de volta onde o homem tirou”, acredita.
Semanas atrás, num ato em defesa do rio, os ambientalistas plantaram 800 mudas de espécies nativas às margens do rio do Braço no trecho que passa nos fundos da Igreja Luterana da comunidade. E lá estava o agricultor Nelson Schulz (na foto, à esquerda) que usou os cinco minutos de seu discurso para pedir perdão a Deus pelas árvores derrubadas com o seu machado: “Se há 30 anos, quando comecei a usar fertilizantes para a produção agrícola, tivesse metade da consciência que tenho hoje, jamais teria feito aquilo”, garante, arrependido.
Ele também recorre à religião para justificar sua participação no projeto: “Basta a gente ler na Bíblia que Deus fez tudo perfeito para nós. Ele quer que a gente use, e cuide”. Seu Nelson não sonha pequeno: “Este projeto é um exemplo não só para o Brasil, mas para o mundo. Quando éramos novos não tínhamos conhecimento, nós cortávamos uma árvore e ainda fazíamos júbilo. Não consigo entender por que não tínhamos os olhos abertos”.
A luta para tocar o projeto teve até irônica denúncia de uma mineradora contra a ong. Quando a turma do bem estava fazendo uma limpeza do leito do rio, a empresa recorreu à Fundação de Meio Ambiente do Estado, argumentando que a operação não tinha licença ambiental. Conseguiu adiar o trabalho. “Levamos um ano para obter a licença”, queixa-se Nilsa Schroeder Gramkow, coordenadora da Vida Verde.
A família de Nilsa, toda ela de Pirabeiraba, é a primeira a dar exemplo. Na propriedade rural de seus pais, todo o esgoto é tratado por um sistema de zona de raízes, e o rio do Braço passa por lá inteiramente escoltado por mata ciliar. Já é a quarta geração dos Gramkow a cuidar de suas águas. Para eles, o rio continua constando no mapa.
* Eunice Venturi é jornalista e pós-graduanda em educação ambiental em Joinville.
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