Reportagens

Vale tudo na rede

Sites que fazem apologia de crimes ambientais multiplicam-se na Internet. Ministério Público e polícia já punem meliantes virtuais, mas ainda faltam denúncias.

Rodrigo Nery ·
26 de agosto de 2005 · 19 anos atrás

Pode-se encontrar qualquer coisa na Internet, inclusive páginas que fazem apologia de atividades ilegais. Somente em julho deste ano, no Estado do Rio de Janeiro, 14 pessoas foram presas por manter páginas ou comunidades no site de relacionamentos Orkut em que exaltavam facções criminosas ou drogas ilícitas. Crime por crime, a modalidade ambiental também tem seus meliantes virtuais.

Um dos temas favoritos são as brigas de galo. Seus praticantes mantêm páginas ou comunidades em que o assunto é discutido a sério e onde os “galistas”, como se intitulam, não hesitam em identificar-se. A página Galos Combatentes, do Mato Grosso, é uma das mais organizadas. Ali é possível encontrar desde a história das rinhas a uma tabela de preços para a compra de animais. Um galo de rinha adulto sai por R$ 500, sem contar o frete. Vende-se também pintos de um a dois meses de vida (R$ 30 por uma fêmea ou R$ 45 por um macho) e até ovos de briga, por R$ 120 a dúzia.

Tudo é feito de forma escancarada, a ponto de o dono da página e criador de galos Antonio Wolf Neto colocar à disposição telefone e e-mail para contato. Wolf diz que as rinhas de que participa, na Sociedade Avícola Nova Geração, de Cuiabá, contam com liminar favorável do Tribunal de Justiça do Estado. Desde que foi concedida, em 97, a liminar teve vários recursos e este ano chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília, onde está sendo apreciada. Segundo ele, é difícil parar as rinhas porque os galistas “têm muita força”. “Até deputados federais participam, os grandes lá de Brasília nos apóiam quando precisamos”, garante, sem citar nomes.

No Orkut, há quatro comunidades de fãs de brigas de galo: a “Briga de galo”, com 108 integrantes, a “Eu tenho galo de briga”, com 87, a “Briga de galo é esporte”, com quatro, e a “Adoro briga de galo”, com apenas dois.

A “Briga de galo” se apresenta como uma página voltada para quem “adora ver dois galos se dilacerando dentro do popular ‘poleiro’ mas tem medo do que as pessoas da vizinhança vão pensar ou até mesmo de ser pego pela polícia”. Nesta comunidade, um engenheiro chamado Assis Cruvinel insiste que as rinhas são legais, porque a lei de Jânio Quadros proibindo a prática foi revogada por Tancredo Neves (não se sabe como, uma vez que Tancredo morreu antes mesmo de assumir a presidência). Na verdade, as rinhas são sim proibidas em todo o Brasil, pelo artigo 32 da Lei 9.605/1998.

As capivaras, que na Zona Sul do Rio de Janeiro foram consideradas intrusas e acabaram perseguidas pelos bombeiros, também são caçadas no Orkut. A comunidade “Eu já matei capivara”, com três integrantes, é dedicada a quem “já caçou e matou uma capivara”, o que, segundo o autor do texto, provoca uma “sensação fora do comum”. A “Eu atropelei uma capivara”, com outros três participantes, é feita para “todos aqueles que já tiveram a emoção e o tesão de atropelar esse adorável bixinho (sic)”.

Há também comunidades mais democráticas, para os que não escolhem suas vítimas, como a “Eu adoro matar bichinhos”, com 11 integrantes, e a “Eu maltrato animais!”, descrita como um fórum “para quem odeia animais e os maltrata por prazer ou necessidade de sobrevivência”, que reúne nada menos do que 22 pessoas. Aqui, um cidadão conta que cortou a “patinha de um hamster” e o fez “andar no sal”. Outro vangloria-se: “Botei fogo num coelho”.

A comunidade “Yes to fur, sim às peles”, com 16 integrantes, convoca aqueles que acham “hipocresia (sic) hippongos (sic) falando de selvageria com os animais, quando os mesmos utilizam todos os recursos naturais como você”, o que quer que isto signifique. O criador da comunidade a apresenta como um fórum para reunir “não hipócritas, respeitadores e consumidores de recursos naturais” e é vedada aos “membros da PETA, vegetarianos, ovo-lacto-vegetarianos e afins”, a quem deseja que “engasguem, hippies!”.

O bicho também pega para o lado dos cães. Suas cabeças são pedidas em comunidades como “Cachorro bom é cachorro morto”, com mais de 400 membros, e a inacreditável “Cães de rua podem salvar vidas”, com mais de 21 mil integrantes. Esta foi criada por um criminoso notório: Alberto Conceição da Cunha Neto, um dos jovens de Pelotas (RS) que mataram a cadela Preta amarrando-a ao pára-choques de um carro, em março deste ano.

Identificando-se como “Alberto Arrependido BIA EU TE AMO”, o rapaz – que, surpreendentemente, também integra a comunidade do Greenpeace – não reserva aos animais o mesmo apreço que tem pela Bia. Segundo ele, o objetivo da comunidade é “divulgar a campanha contra o frio em todo o país”. A idéia consiste em recolher os cães de rua “e com seus ossos fazer lenha para os mendigos se aquecer (sic)”.

Na maioria dessas comunidades, é possível observar a reação de defensores dos animais, que as bombardeiam com palavrões e críticas aos seus integrantes. A cada intervenção de Assis Cruvinel na “Briga de galo”, um dos participantes, Denis, contra-ataca com reportagens de jornal e trechos do código penal, garantindo que as rinhas são proibidas. Na “Eu adoro matar bichinhos”, o internauta “Boina Preta” deixou uma série de mensagens, pedindo que “deixem os animais em paz” e ameaçando seus criadores: “A casa vai cair – a Federal já está de olho em vocês, seus imbecis”.

Enquanto Alberto e seus amigos já demonstraram disposição para passar do discurso à prática, algumas comunidades têm mais cara de galhofa ou simples provocação. Segundo o economista Carlos Rosolen, presidente da ong Projeto Esperança Animal (PEA), muitos desses internautas são membros da comunidade “Semeadores da Discórdia”, que tem mais de 4 mil participantes e assume como missão plantar “o ódio e a intriga” na Internet, para “ensinar a estes retardados que levar a Internet a sério é motivo de riso”. Visitar as páginas e mandar mensagens recriminatórias, segundo o economista, só alimentam seus criadores. “Muitas dessas comunidades são criadas por pessoas que se escondem no anonimato ou em perfis falsos. Notamos que gostam de receber os tais hate-mails“, diz, referindo-se a mensagens ofensivas ou de protesto.

Prova disso é o próprio “Alberto Arrependido”, que integra a comunidade “Odeio o Alberto que matou a Preta”. Ali, ele se esbalda atacando seus acusadores, com argumentos do tipo “vocês devem sentir inveja”, referindo-se à diferença de integrantes desta comunidade (671) e da sua “Cães de rua podem salvar vidas”.

Por isso, a PEA pede que os internautas evitem até mesmo acessar esses sites, e recomenda que as comunidades sejam denunciadas ao próprio administrador do Orkut, por meio da ferramenta “Falso!Denunciar”, ao Ministério Público ou a delegacias especializadas em crimes no meio eletrônico ou virtual. Entre as comunidades que já foram retiradas do ar estão “Eu adoro matar cachorro” e “Exterminação de gatos”.

Fora do Orkut, também é possível encontrar sites que exaltam a Farra do Boi, como o criado por um certo Leonardo, que classifica o evento como uma “brincadeira” e uma “festa folclórica”, em que nenhuma crueldade é cometida contra o animal. Para ele, a culpa pela má-fama é da imprensa.

Enquanto uns ignoram a legislação, outros a infringem por esquecimento. Muitos sites ainda trazem dicas de pesca ao Mero, peixe marinho ameaçado de extinção protegido pela portaria Ibama n° 21, de setembro de 2002.

Carlos Rosolen lembra que a repressão a crimes na rede é novidade, por isso ainda faltam denúncias. “Na comunidade da PEA no Orkut, sempre recomendamos que as pessoas denunciassem estas páginas aos administradores do site, e de fato algumas já foram tiradas do ar. Agora, como já têm acontecido prisões, estamos recomendando também que procurem o Ministério Público ou a polícia”.

Em alguns estados, o Ministério Público já tem coordenadorias especializadas em crimes virtuais. No Rio de Janeiro, por exemplo, existe a Coordenadoria de Investigações Eletrônicas, chefiada pelo promotor Romero Lyra. O MP fluminense ainda não recebeu nenhuma denúncia nem tem notícias de sites que tenham sido tirados do ar por apologia a crimes ambientais. Segundo Romero Lyra, quando uma denúncia chega ao MP, o promotor ou procurador da República (quando em âmbito federal) determina a instauração imediata de um procedimento investigatório para apurar os fatos.

O site é monitorado até que fique caracterizado o crime de apologia. “Diante de indícios suficientes de autoria e comprovação da materialidade do delito, (o promotor) inaugurará o processo criminal contra o réu”, explica Lyra.

Delegacia de Repressão a Crimes de Informática (RJ) – Tel.: (21) 3399-3200/01
Delegacia de Meios Eletrônicos de São Paulo – Tel.: (11) 6221-7011/ ramais 208 e 209

*Rodrigo Nery é jornalista no Rio de Janeiro e tem especialização em Gestão Ambiental.

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