O poder destrutivo dos ciclones tropicais quase duplicou nos últimos 30 anos e o aquecimento da Terra tende a potencializá-lo ainda mais. A afirmação foi feita pelo americano Kerry Emanuel, climatologista do Massachusetts Institute of Technology (MIT), numa carta publicada na edição da revista Nature de 4 de agosto. Três semanas depois, a cidade americana de Nova Orleans foi submersa pelo furacão Katrina e o sul do Brasil foi destelhado por um tornado seguido de um ciclone extratropical. Aqui, não se ouviu falar de Emanuel, mas nos Estados Unidos e na Inglaterra sua teoria foi usada pela imprensa para repensar a charada das mudanças climáticas.
O raciocínio defendido com gráficos e equações não é complicado. O poder de dissipação do furacão estaria relacionado à temperatura da superfície dos mares tropicais. E um dos fatores que contribui para o aumento da temperatura dos oceanos é o aquecimento global. Os gases do efeito estufa permitem que a superfície da Terra receba radiação solar, mas atrapalham o processo de devolução de parte dessa radiação. Quando as nuvens não aliviam, o oceano é obrigado a se livrar do excesso de calor e intensificar o seu processo de evaporação. Segundo Kerry Emanuel, isso só pode ser feito de duas formas: ou aumenta o desequilíbrio termodinâmico entre os oceanos tropicais e a troposfera – aquela mais pertinho de nós – ou aumenta a velocidade média dos ventos sobre a superfície. Se a primeira opção acontecer, cresce o que ele chama de “intensidade potencial” do furacão. Porque quanto mais vapor é absorvido da água, maior o tamanho da tempestade e sua duração. O combustível de um furacão é exatamente o calor produzido pela condensação do vapor em nuvem, e daí em chuva. Quanto mais úmida a atmosfera, melhor.
Por isso o cientista enfatiza que não é só do aquecimento dos mares que nasce o potencial dos furacões. Ele depende também de outros fatores, principalmente da temperatura da troposfera. Mas a análise dos dados de sua pesquisa revelou que a temperatura dos ares não sobe tanto quanto a registrada na superfície dos oceanos. E o efeito colateral dessa diferença é exatamente a condensação e, portanto, a intensificação do poder dos ciclones tropicais, que podem evoluir para furacões.
Seria absurdo atribuir o desastre provocado pelo Katrina ao aquecimento global? O próprio Emanuel responde que sim na página criada por ele na internet para esclarecer as dúvidas mais freqüentes sobre a relação entre aquecimento global e furacões. Ele diz que ainda não se sabe até que ponto o aumento da intensidade potencial do furacão está associado à emissão de gases poluentes provocada pela ação humana. E o principal motivo para existir essa lacuna é o pouco conhecimento que se tem sobre o fenômeno do aquecimento global. Desconhecem-se os processos que controlam os vapores de água na atmosfera e, portanto, eles são mal representados nos modelos climáticos existentes. “O que de fato acontece na atmosfera é largamente ignorado por causa das formas precárias de medição disponíveis”, conclui ele.
Para o climatologista, as principais razões para os ciclones causarem cada vez mais danos à costa americana são menos climáticas do que demográficas e políticas. Ele afirma que os Estados Unidos já foram atingidos por tempestades muito mais fortes, a diferença é que de lá para cá houve uma explosão demográfica no litoral e áreas sujeitas à passagem de furacões foram ocupadas com o consentimento do governo.“Nós estamos subsidiando um comportamento de risco e não deveríamos nos surpreender com o resultado”, escreve.
O aumento da freqüência de ciclones tropicais na costa leste americana desde 1995 pode ser explicado como um ciclo natural, observado há décadas e previsto desde os anos 80. Porém, há evidências de que a intensidade dos furacões aumentou. Nos últimos 30 anos, a quantidade de energia descarregada por eles cresceu em média 70%. Sendo 15% referentes ao aumento da velocidade máxima atingida pelos ventos e 60% à maior duração da ventania.
Kerry Emanuel lembra que o que carrega poder de destruição são os ventos e que mais vale ser atingido por várias tempestades brandas do que por um vendaval encarnado na forma de furacão. O Andrew, que arrasou o sul dos Estados Unidos em 1992 e era tido como o pior furacão da história até a chegada do Katrina, aconteceu em uma temporada fraca. Na carta publicada na Nature, Emanuel critica a ânsia dos cientistas de identificarem padrões referentes à freqüência dos furacões e alerta que está na hora de se preocupar com o aumento do poder destrutivo dessas torres de vento.
A teoria de Emanuel sobre uma possível ligação entre a intensidade dos ciclones tropicais e o aquecimento global foi questionada por outros pesquisadores. Em resposta, ele revisou a carta e publicou considerações em seu site, onde também estão disponíveis todos os seus estudos sobre o assunto.
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