Desde setembro do ano passado, tramita na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo um Projeto de Lei (PL) que poderia ter modificado a situação da Estação Ecológica Juréia-Itatins (EEJI), no Vale do Ribeira (litoral sul de São Paulo), principalmente no que diz respeito ao futuro das famílias que residem ali. Mas, da forma como está redigida, a proposta trouxe à tona uma discussão que parece não ter fim.
De um lado do embate, os que defendem a preservação integral e permanente das áreas, com o mínimo de interferência humana. Do outro, aqueles que reivindicam a integração entre meio ambiente e seres humanos. Passado um ano da redação do PL, União dos Moradores da Juréia, representantes da Secretaria de Estado do Meio Ambiente, ONGs interessadas e membros do Instituto Florestal dizem estar dispostos a discutir alternativas satisfatórias para um entrave que vem se arrastando há muitos anos. O destino da Estação Ecológica pode ganhar novos rumos até o final deste mês.
Criada em abril de 1987, a EEJI tem 80 mil hectares de Mata Atlântica e imensa diversidade de fauna e flora. Abriga inúmeras espécies ameaçadas de extinção, como tucano, anta, jacutinga, onça-pintada, papagaio-chaúa e mono-carvoeiro. A estação é uma unidade de preservação integral, onde, para proteger os ecossistemas, a ocupação humana não é permitida. Na época de sua criação, porém, muitas pessoas já habitavam os limites da reserva e, para que a lei fosse cumprida, o Estado deveria desapropriar as terras e indenizar os moradores. Até hoje nada foi resolvido. Segundo o diretor da Estação, o engenheiro florestal Joaquim do Marco Neto, cerca de 150 processos ainda tramitam em diferentes fóruns de cidades da região, com a tradicional lentidão da Justiça brasileira. “Os processos foram ajuizados em 1992 e, até hoje, 70% deles ainda não tem uma definição”, destaca. Com toda essa morosidade, as cerca de 365 famílias (dado de 1998) que vivem na área da Estação Ecológica permanecem em situações irregulares.
Sob a autoria dos deputados estaduais Hamilton Pereira e José Zico Prado, ambos do PT, o Projeto de Lei número 613/2004 (consulte no mecanismo de busca da Assembléia) sugere que partes da área protegida sejam transformadas em “unidades de conservação de uso sustentável”. Apesar de benéfica para os moradores, que verão sua situação legalizada, a medida é ambientalmente temerária. Significa retalhar a área da Estação, intercalando zonas protegidas e zonas habitadas, com a óbvia conseqüência ambiental de interromper corredores ecológicos necessários à circulação da fauna e à dispersão da flora.
Além disso, o projeto permite o uso da terra para fins de subsistência e os moradores poderão receber mais infra-estrutura: energia elétrica, telefone e vias de acesso. O problema é que, para chegar às vilas, tal infra-estrutura terá que cortar as áreas que continuam integralmente protegidas. O que, além de danoso para o meio ambiente, é ilegal numa Estação Ecológica.
“O projeto significa a possibilidade de as famílias caiçaras continuarem a viver na reserva, em harmonia com o meio ambiente, mas sem a perseguição que sofrem hoje. Essas pessoas não têm direito, por exemplo, de arrumar os telhados de suas casas ou de melhorar o acesso às suas residências. Estão sendo tratadas como clandestinas”, defende o deputado José Zico Prado.
Se o projeto fosse aprovado como está hoje, os moradores que já residem no local receberiam um termo de permissão de uso, mas os processos de desapropriação continuariam tramitando na Justiça, a fim de que o Estado eventualmente assuma o domínio das áreas. “Abriríamos mão da posse das terras para o poder público, porque sabemos que isso impediria também a especulação imobiliária. Estamos reivindicando, apenas, áreas suficientes para o manejo e a subsistência”, ressalta o presidente da União de Moradores da Juréia, Arnaldo Rodrigues das Neves Junior.
Para alguns solução, para outros ameaça. “O maior problema é tratar a Estação Ecológica como um todo. Cada área tem de ser analisada isoladamente. O que serve para uma não pode ser aplicado na outra. Antes de qualquer ação, deveria ser feito um grande estudo que avaliasse a necessidade de cada região”, opina Plínio Melo, secretário-executivo da Mongue, uma ONG de proteção ao sistema costeiro criada há três anos.
Melo acredita que, se o projeto for aprovado sem nenhuma alteração, pode desencadear uma invasão incontrolável. “O povo caiçara pode até ser expulso por jagunços contratados por grileiros. É provável que tenhamos novos conflitos pela posse das terras”, diz. Outro ponto que, segundo ele, deve ser incluído durante a reformulação do PL é a criação de mecanismos que impeçam a exigência de valores milionários durante o processo de desapropriação das áreas. “A maioria dos moradores tradicionais não detém títulos que comprovem a posse das terras. Assim, quem acaba sendo beneficiado com os altos valores dos processos são os proprietários que, muitas vezes, nem moram mais na reserva”.
Há também aqueles que argumentam que a ocupação pode ocasionar desequilíbrios biológicos, incêndios, focos de poluição e até mudanças climáticas decorrentes de diferentes formas de usar a terra. A Fundação SOS Mata Atlântica apresenta motivos plausíveis para a derrubada do projeto. “A Estação Ecológica foi criada num contexto de preservação da biodiversidade do local, não para favorecer os moradores. Se o Estado já tivesse cumprido com sua obrigação, essa área não estaria sendo retalhada como acontece hoje”, destaca Mário Mantovani, diretor da fundação.
É em meio a este turbilhão de idéias que os representantes de cada um dos lados procuram o ponto de equilíbrio. “Buscamos uma conjugação de ideais. A proposta certa tem de resultar de todas as propostas, para que sejam somadas as opiniões de todos”, diz o assessor especial da Secretaria de Estado do Meio Ambiente para a Estação Ecológica Juréia-Itatins, José Pedro de Oliveira Costa, designado há cerca de 15 dias pelo secretário do Estado do Meio Ambiente, José Goldemberg, para resolver assuntos relacionados à estação. As posições são bem claras. Resta saber se será possível encontrar uma solução consensual que agrade a tão diferentes visões.
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