“Sem energia não há progresso”, são os dizeres de abertura da home-page da Maggi Energia. Impossível não ligar o nome à pessoa. “Progresso” é com ele mesmo: Blairo Maggi, governador de Mato Grosso e herdeiro do Grupo André Maggi, que em nome da expansão da soja transformou seu estado no principal vilão do desmatamento amazônico. É sua faceta mais conhecida. Mas os ambientalistas já começam a se preocupar com a nova investida progressista de Maggi. As Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs).
Até agora, os movimentos de sua empresa de energia não vinham chamando muita atenção. Foram duas PCHs construídas desde 2001 – Santa Lúcia e Maggi I – e mais oito já autorizadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Mas no caminho dos interesses do governador veio à tona o mais recente escândalo ambiental do estado: o licenciamento da usina hidrelétrica de Dardanelos, em Aripuanã, noroeste do Mato Grosso.
Com base em estudos da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), o Ministério Público Estadual entrou com uma ação civil pública contra a construção de Dardanelos. A obra pode fazer desaparecer um complexo de cachoeiras no rio Aripuanã, em uma região escolhida pelo Governo Federal como pólo do Programa de Desenvolvimento do Ecoturismo (Proecotur), pelo qual receberia 250 milhões de reais em investimentos. O estudo e o relatório de impacto ambiental (Eia-Rima), necessários para a aprovação do empreendimento, têm deslizes graves: não levam em conta o impacto das linhas de transmissão, não descrevem medidas compensatórias e sequer mencionam o potencial turístico a ser afetado. Os técnicos da UFMT apontaram cerca de 70 impactos negativos da obra na paisagem, sociedade e ecossistema.
Mas se as empresas responsáveis pela nova usina — Odebrecht e Eletronorte — não pertencem a Blairo Maggi, que culpa ele tem nessa história? Para começar, foi a Fundação Estadual de Meio Ambiente (Fema), hoje extinta, que aprovou o Eia-Rima capenga. Ela lutou na Justiça pelo direito de licenciar a obra, apesar de o rio Aripuanã ser federal. Na época, quem presidia a Fema era Moacir Pires, preso em junho pela Polícia Federal, por envolvimento com esquema de corrupção que esquentava madeira ilegal.
Os bastidores dessa manobra do governo estadual para aprovar Dardanelos ganham contornos mais nítidos quando se conhece os detalhes das oito novas PCHs do grupo Maggi. Elas serão construídas justamente no meio do caminho da conexão entre a controvertida hidrelétrica e as Linhas de Transmissão de Jauru, distantes 450 km. De acordo com o Operador Nacional do Sistema (ONS) – órgão que define as políticas do sistema nacional de geração de energia –, pelo menos cinco dessas PCHs — Segredo, Cidezal, Parecis, Rondon e Telegráficas —, com previsão de funcionamento para 2006, aguardam a expansão da rede para poderem comercializar energia com os grandes centros consumidores, nas regiões Sul e Sudeste do país.
Em outras palavras: a inauguração da gigante Dardanelos é a chave que faltava para as pequenas centrais hidrelétricas de Maggi abrirem as portas do sistema nacional, vendendo sua energia com lucro estimado em cerca de R$ 116 milhões de reais por ano. O acesso ao Sudeste não é um mero detalhe. Erguidas em plena selva amazônica, região com pequena demanda de energia, tanto as PCHs de Maggi (com capacidade total de 160 MW) quanto a usina de Dardanelos (261 MW) ficarão inviáveis economicamente se não contarem com grandes linhas de transmissão para escoar sua produção.
O que impressiona é que nem mesmo o projeto de Dardanelos previu o acesso às principais linhas da região. “Como as empresas não mencionaram as linhas de transmissão no Eia-Rima, há um prejuízo no julgamento sobre os reais impactos da obra, principalmente em relação ao custo final da energia a ser gerada”, explica o promotor Kledson Dionysio de Oliveira, do Ministério Público (MP) de Aripuanã, um dos autores da ação civil pública apresentada em 12 de setembro, pedindo o cancelamento do Eia-Rima da obra. Segundo cálculos do MP Estadual, a construção das linhas de transmissão de Dardanelos deverá custar cerca de R$ 443 milhões de reais, que somados aos R$ 538 milhões previstos para erguer a usina, fazem o custo final do empreendimento subir para perto de 1 bilhão de reais. A Eletronorte S/A foi questionada pela reportagem de O Eco sobre o porquê da ausência desses custos e da definição do traçado das linhas de transmissão no Eia-Rima, mas não respondeu até o fechamento desta edição.
Outro fato interessante em relação às PCHs é sua localização. Apesar de serem empreendimentos com nomes, projetos e outorgas distintas, elas formarão um conjunto com uma potência só, pois foram projetadas posicionadas em cascata, uma abaixo da outra no rio Juruena, o que deve gerar, também, um impacto ambiental conjunto na região. Fato confirmado pelo órgão licenciador dos empreendimentos, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema). Apesar de ciente dessas características, sua equipe técnica não solicitou Eia-Rima dos empreendimentos, justamente porque cada PCH foi apresentada como um projeto autônomo. Engenhoso, não?
Pequenas Centrais Hiddrelétricas são assim definidas por sua potência de geração de energia, entre 1 MW e 30 MW, e pela área de seu reservatório, que não pode ser superior a 3 km². Elas vêm sendo escolhidas por empresários particulares como ótima fonte de investimento, pois além de demandarem obras menores e mais baratas, atravessam com mais facilidade a fase de licenciamento ambiental. Isto graças à resolução n° 1/1986 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que determina não ser necessária a realização de Eia-Rima para empreendimentos com potencial gerador até 10 MW. Em Mato Grosso a legislação é mais permissiva, permitindo PCHs de até 30MW sem o estudo ambiental. O Centro Nacional de Desenvolvimento de Pequenas Centrais Hidrelétricas (CndPCH), ligado ao Ministério das Minas e Energia, informa que há 206 usinas deste porte em processo de outorga no país, 34 em terras mato-grossenses.
Localizado na região nordeste de Mato Grosso, o município de Aripuanã permaneceu por muitos anos isolado do restante do estado, graças à falta de estradas e rios navegáveis. Mas ainda no século XIX uma expedição científica venceu as agruras da natureza bruta para conhecer a riqueza da região, entre elas o complexo de Dardanelos – formado pelas cachoeiras de Dardanelos e Andorinhas, com cerca de 130 metros de altura. A expedição aconteceu entre os anos de 1825 e 1829, sob o comando do cônsul-geral da Rússia, o naturalista Barão Ivanovitch Langsdorff. A comitiva formada por 34 artistas e cientistas partiu de Porto Feliz (SP) e percorreu terras ainda não exploradas dos estados de São Paulo, Mato Grosso, Amazonas, Rondônia e Pará. Foi justamente na região de Aripunã, em Salto Augusto, no rio Juruena, que o Barão Langsdorff acabou sucumbindo às dificuldades de transpor a floresta amazônica e, abatido pela malária, abandonou a expedição. Dos integrantes originais da expedição, apenas 12 retornaram.
Outro estrangeiro atraído pelas belezas da Amazônia mato-grossense foi Theodore Roosevelt, ex-presidente do Estados Unidos. Em 1913, convidado pelo marechal e sertanista Candido Rondon, Roosevelt realizou uma expedição científica na região de Aripuanã para definir o traçado de um rio, que não se sabia se seguia para o norte ou o sul do Estado. Após semanas de sofrimento, acidentes, ataques de índios, racionamento de comida, malária e um ferimento que acabou o imobilizando durante a aventura, Roosevelt coroou o final da expedição com a frase: “Viva, vencemos o rio da dúvida”. Devido à façanha, o próprio Aripuanã foi batizado, em um de seus trechos, como rio Roosevelt. Historiadores acreditam que as mazelas da expedição foram uma das causas para a morte de Roosevelt, alguns anos depois. Grande parte do material coletado pela expedição está no Museu Americano de História Natural, e na Fundação Roosevelt, nos Estados Unidos.
* Juliana Arini é formada em Comunicação Social pela UFMT e jornalista free-lancer em Cuiabá.
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