Depois de patrocinar um aumento de 400% na área plantada nos últimos 10 anos e de levar ao governo o megaprodutor Blairo Maggi, a sojicultura de Mato Grosso poderá em breve avançar sobre um novo e controvertido território. E não se trata – neste caso em específico – do espaço hoje coberto pela floresta amazônica.
Capitaneado pela indústria de alimentos Biosoja, o projeto “Amo Mato Grosso, Amo a Soja” quer levar o grão a cruzar uma fronteira, digamos, ideológica. Ou, como explica o material impresso da iniciativa, “criar uma nova identidade de Mato Grosso, tendo a soja como agente de desenvolvimento sustentável e cidadania”.
A idéia é fruto das preocupações do dono da Biosoja, Francisco das Chagas de Medeiros, um sorridente e bem articulado defensor do segmento. Ele escreveu e financiou a produção de um panfleto que divulga a base teórica do movimento e dá detalhes sobre as etapas de sua implantação.
“É a ideologia da soja contra a máfia verde global”, define Medeiros, fazendo referência ao movimento ambientalista, a quem acusa de tentar impedir o desenvolvimento econômico do país. “Para isso, temos que incorporar a soja à cultura, trazê-la para dentro da casa dos mato-grossenses. Ela tem de estar presente em qualquer iniciativa cultural, educacional e mesmo cívica que for promovida”.
O empresário diz ter percebido, debaixo do tapete do sucesso financeiro da atividade, uma contradição que o ajudou a compreender até mesmo o que seria o principal agravante da crise por que passa o setor: muitos plantam e ganham dinheiro com a soja, mas poucos se interessam de fato pelo produto. “Existe uma aversão àquilo que é a locomotiva da nossa economia. As pessoas daqui não se alimentam de soja, não têm com a soja a mesma ligação que existe, por exemplo, com a pecuária”, aponta Medeiros. “Precisamos de uma ação global que leve as pessoas a amar a soja como amam Mato Grosso”.
Seria uma forma de se defender do que qualifica de “ataques coordenados” dos movimentos ambientalistas. Segundo ele, não é por causa dos impactos ambientais que a soja sofre perseguição das ongs, mas por razões econômicas. “A área ocupada por soja é menos de um terço da que a pecuária utiliza. Todos batem em cima da soja porque o Brasil é o único país do mundo que ainda pode aumentar sua fronteira agrícola”, argumenta Medeiros, para quem não faz sentido impor limitações ao desmatamento no cerrado e na Amazônia. Só mesmo um complô mundial poderia explicar as ações de preservação dos recursos naturais.
Não à toa, o panfleto abusa de termos como revolução e cidadania ao defender a tese de que a soja deve ser a base de uma nova sociedade. “Essa é a grande oportunidade que todos nós temos de mostrar para o mundo, e para nós mesmos, que a sojicultura está gerando uma nova civilização, um novo país”, diz um trecho do material.
Subdividido em várias frentes – estão previstas campanhas publicitárias de rádio e TV, programas televisivos, anúncios em jornais e revistas e outdoors -, o projeto tem no público infantil o seu principal alvo.
Para isso, o empresário encomendou a uma empresa especializada do Paraná a criação de sete personagens “a base de soja”, as Biosojinhas – concebidas como super-heróis ao estilo do desenho japonês Pokémon. “Queremos que as crianças comecem a ver a soja como uma amiguinha, que está ali para defendê-lo das doenças. É uma forma lúdica e discreta de começar a criar este vínculo”, argumenta o empresário, que também defende que os cardápios da merenda escolar no Estado sejam reformulados para conter apenas… alimentos a base de soja.
Mas a mais audaciosa iniciativa prevista – descrita em detalhes em um mapa estilizado no panfleto – é a construção do parque temático “O Incrível Mundo da Soja”.
“Essa é uma cultura que também precisamos desenvolver. Outras regiões do Brasil e do mundo, mais evoluídas do ponto de vista mercantil, já fazem isso. Se existem parques do vinho na Europa e da cerveja aqui em Santa Catarina, por que Mato Grosso não poderia abrigar um centro mundial da soja?”, pergunta.
O “incrível mundo” sonhado pelo empresário teria como atrações – além de brinquedos inspirados nas aventuras das biosojinhas – espaços nos quais seria possível acompanhar todo o funcionamento da cadeia produtiva, do plantio à industrialização. E ainda ambientes culturais.
“A China, o Japão e a Coréia serão convidados, por meio de suas representações, a apresentar atrações que remetam à história e suas relações com a soja, base de toda a alimentação oriental”, diz outro trecho do panfleto. Como era de se esperar, o projeto “Amo Mato Grosso, Amo a Soja” foi bem recebido pelos representantes da Associação dos Produtores de Soja de Mato Grosso (Aprosoja). “É um projeto que pretende divulgar a soja de forma positiva. Além disso, incentiva algo que fazemos muito pouco, que é o consumo do produto”, avaliou o presidente da entidade, Rui Prado.
Medeiros diz que o projeto já chegou às mãos de Blairo Maggi e de sua Secretaria de Desenvolvimento Rural. “Ainda não obtive resposta. Dizem que o motivo é a crise. Mas não me importo, já lancei a semente. É minha contribuição à sociedade”, vangloria-se. Alguma dúvida de que o governador vai adorar a idéia?
* Rodrigo Vargas, 29 anos, é jornalista free-lancer em Cuiabá/MT e faz parte da Rede Brasileira de Jornalistas Ambientais.
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