Reportagens

Maravilhoso mundo da soja

Empresário lança campanha que quer fazer da soja o pilar de uma nova civilização. O movimento surge em Mato Grosso, claro, e acha a floresta algo dispensável.

Rodrigo Vargas ·
28 de setembro de 2005 · 19 anos atrás

Depois de patrocinar um aumento de 400% na área plantada nos últimos 10 anos e de levar ao governo o megaprodutor Blairo Maggi, a sojicultura de Mato Grosso poderá em breve avançar sobre um novo e controvertido território. E não se trata – neste caso em específico – do espaço hoje coberto pela floresta amazônica.

Capitaneado pela indústria de alimentos Biosoja, o projeto “Amo Mato Grosso, Amo a Soja” quer levar o grão a cruzar uma fronteira, digamos, ideológica. Ou, como explica o material impresso da iniciativa, “criar uma nova identidade de Mato Grosso, tendo a soja como agente de desenvolvimento sustentável e cidadania”.

A idéia é fruto das preocupações do dono da Biosoja, Francisco das Chagas de Medeiros, um sorridente e bem articulado defensor do segmento. Ele escreveu e financiou a produção de um panfleto que divulga a base teórica do movimento e dá detalhes sobre as etapas de sua implantação.

“É a ideologia da soja contra a máfia verde global”, define Medeiros, fazendo referência ao movimento ambientalista, a quem acusa de tentar impedir o desenvolvimento econômico do país. “Para isso, temos que incorporar a soja à cultura, trazê-la para dentro da casa dos mato-grossenses. Ela tem de estar presente em qualquer iniciativa cultural, educacional e mesmo cívica que for promovida”.

O empresário diz ter percebido, debaixo do tapete do sucesso financeiro da atividade, uma contradição que o ajudou a compreender até mesmo o que seria o principal agravante da crise por que passa o setor: muitos plantam e ganham dinheiro com a soja, mas poucos se interessam de fato pelo produto. “Existe uma aversão àquilo que é a locomotiva da nossa economia. As pessoas daqui não se alimentam de soja, não têm com a soja a mesma ligação que existe, por exemplo, com a pecuária”, aponta Medeiros. “Precisamos de uma ação global que leve as pessoas a amar a soja como amam Mato Grosso”.

Seria uma forma de se defender do que qualifica de “ataques coordenados” dos movimentos ambientalistas. Segundo ele, não é por causa dos impactos ambientais que a soja sofre perseguição das ongs, mas por razões econômicas. “A área ocupada por soja é menos de um terço da que a pecuária utiliza. Todos batem em cima da soja porque o Brasil é o único país do mundo que ainda pode aumentar sua fronteira agrícola”, argumenta Medeiros, para quem não faz sentido impor limitações ao desmatamento no cerrado e na Amazônia. Só mesmo um complô mundial poderia explicar as ações de preservação dos recursos naturais.

Não à toa, o panfleto abusa de termos como revolução e cidadania ao defender a tese de que a soja deve ser a base de uma nova sociedade. “Essa é a grande oportunidade que todos nós temos de mostrar para o mundo, e para nós mesmos, que a sojicultura está gerando uma nova civilização, um novo país”, diz um trecho do material.

Subdividido em várias frentes – estão previstas campanhas publicitárias de rádio e TV, programas televisivos, anúncios em jornais e revistas e outdoors -, o projeto tem no público infantil o seu principal alvo.

Para isso, o empresário encomendou a uma empresa especializada do Paraná a criação de sete personagens “a base de soja”, as Biosojinhas – concebidas como super-heróis ao estilo do desenho japonês Pokémon. “Queremos que as crianças comecem a ver a soja como uma amiguinha, que está ali para defendê-lo das doenças. É uma forma lúdica e discreta de começar a criar este vínculo”, argumenta o empresário, que também defende que os cardápios da merenda escolar no Estado sejam reformulados para conter apenas… alimentos a base de soja.

Mas a mais audaciosa iniciativa prevista – descrita em detalhes em um mapa estilizado no panfleto – é a construção do parque temático “O Incrível Mundo da Soja”.

“Essa é uma cultura que também precisamos desenvolver. Outras regiões do Brasil e do mundo, mais evoluídas do ponto de vista mercantil, já fazem isso. Se existem parques do vinho na Europa e da cerveja aqui em Santa Catarina, por que Mato Grosso não poderia abrigar um centro mundial da soja?”, pergunta.

O “incrível mundo” sonhado pelo empresário teria como atrações – além de brinquedos inspirados nas aventuras das biosojinhas – espaços nos quais seria possível acompanhar todo o funcionamento da cadeia produtiva, do plantio à industrialização. E ainda ambientes culturais.

“A China, o Japão e a Coréia serão convidados, por meio de suas representações, a apresentar atrações que remetam à história e suas relações com a soja, base de toda a alimentação oriental”, diz outro trecho do panfleto. Como era de se esperar, o projeto “Amo Mato Grosso, Amo a Soja” foi bem recebido pelos representantes da Associação dos Produtores de Soja de Mato Grosso (Aprosoja). “É um projeto que pretende divulgar a soja de forma positiva. Além disso, incentiva algo que fazemos muito pouco, que é o consumo do produto”, avaliou o presidente da entidade, Rui Prado.

Medeiros diz que o projeto já chegou às mãos de Blairo Maggi e de sua Secretaria de Desenvolvimento Rural. “Ainda não obtive resposta. Dizem que o motivo é a crise. Mas não me importo, já lancei a semente. É minha contribuição à sociedade”, vangloria-se. Alguma dúvida de que o governador vai adorar a idéia?

* Rodrigo Vargas, 29 anos, é jornalista free-lancer em Cuiabá/MT e faz parte da Rede Brasileira de Jornalistas Ambientais.

Leia também

Notícias
8 de novembro de 2024

A pressa para catalogar espécies de insetos antes que sejam extintas

Editores de 𝘐𝘯𝘴𝘦𝘵𝘰𝘴 𝘥𝘰 𝘉𝘳𝘢𝘴𝘪𝘭, professores pesquisadores da UFPR estimam que há mais espécies para serem descobertas do que as mapeadas até agora

Análises
8 de novembro de 2024

Obstrução da COP16: a distância entre o discurso e a prática

Nem os países ricos nem os países demandadores de recursos, em boa parte, têm dado uma demonstração mais efetiva de que estão realmente determinados a gerar alterações em seus modelos de desenvolvimento

Salada Verde
8 de novembro de 2024

Projeto lança livro inédito dedicado aos manguezais do Sul do Brasil

O livro Mangues do Sul do Brasil será lançado nesta sexta (8) pelo projeto Raízes da Cooperação, em evento realizado no Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, em Palhoça (SC)

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.