Será que o Protocolo de Kyoto é a única saída para evitar que o aquecimento global tenha conseqüências catastróficas para o planeta? A julgar pelo debate público em torno do Protocolo, pareceria que sim.
As posições se radicalizaram em dois extremos. De um lado aqueles que negam a existência da mudança climática, ou argumentam que ela não é causada pelo homem, ou que ainda é muito cedo para tirar conclusões porque a climatologia ainda está engatinhando. Eles atacam o Protocolo dizendo que não faz sentido se comprometer com um programa tão custoso se ainda não dá para saber com certeza se ele é necessário (e eficaz). Por outro lado, o movimento ambientalista freqüentemente confunde o apoio a Kyoto com apoio à tese da necessidade de se fazer algo contra o aquecimento global.
A confusão é compreensível. O Protocolo é o fruto de uma longa e complexa negociação, e lideranças ambientais fizeram muito esforço para manter o processo em movimento. E por muito tempo pareceu não haver alternativas a ele. Há, no entanto, uma enorme distância entre dizer que Kyoto é o melhor acordo político que pôde ser barganhado, e dizer que se trata de uma solução adequada para o problema da mudança climática.
É o que argumenta o economista australiano Warwick McKibbin, que esteve em São Paulo – ou, mais precisamente, em Campinas – na semana que passou. O Objetivo de McKibbin parece modesto a primeira vista: nada além de um pouco de sensatez na política climática. Segundo ele, o problema fundamental de Kyoto é a sua rigidez. O Protocolo estabelece metas rígidas e prazos para atingi-las, ignorando completamente o custo de atendê-las. Ele sugere que uma política sensata precisa levar em conta as enormes incertezas que cercam o assunto. Ele não nega a realidade da mudança climática, nem a origem antrópica da mesma. Mas ressalta que não sabemos direito qual é a relação entre emissões de gases do efeito estufa e mudança climática, e não temos os instrumentos para prever a trajetória futura do clima – não sabemos o suficiente sobre os rumos futuros da economia global para projetar emissões de gases do efeito estufa, e não sabemos dizer que efeitos essas emissões terão sobre o clima. E ninguém sabe qual será o custo de reduzir emissões, que dependerá do desenvolvimento de tecnologias que nem existem ainda.
Uma política sensata deve estar preparada para lidar com a incerteza, diz McKibbin. E deve fazê-lo de maneira economicamente eficiente, extensiva, justa e barata. Kyoto claramente não passa no teste. As metas de redução de emissões são mais ou menos arbitrárias, e não se sabe qual será o custo da sua implementação. Se as metas forem frouxas demais, perde-se uma oportunidade de fazer mais contra a mudança climática. Por outro lado, se elas forem excessivamente restritivas o Protocolo será destruído. Os mecanismos de negociação de direitos de emissão parecem trazer alguma flexibilidade, mas a maneira como foram concebidos traz sérios problemas. Eles podem gerar grandes transferências de riqueza entre países, gerando instabilidade econômica e política; precisam ser monitorados e sancionados por um sistema centralizado e forte, capaz de impor punições implausíveis. E a negociação internacional desses direitos depende, em última análise, da qualidade das instituições nacionais dos países onde eles são gerados. Em outras palavras, quando uma geradora de energia alemã (por exemplo) comprar direitos de emissão de um projeto de reflorestamento brasileiro (por exemplo), ela estará comprando um ativo altamente abstrato e que só existe como objeto de negociação porque um órgão do governo brasileiro certifica que aquele projeto existe e gera créditos. É uma estrutura frágil que provavelmente não suportaria sem abalos a entrada, ou saída, de grandes consumidores ou geradores de direitos. Finalmente, há o problema dos países que não fazem parte de Kyoto – não apenas os Estados Unidos e a Austrália, mas também os grandes países em desenvolvimento, que são parte do acordo mas não estão sujeitos a nenhum tipo de restrição de emissões.
E qual seria a alternativa? McKibbin sugere que é preciso desenvolver uma alternativa que combine as melhores características de um sistema de negociação de direitos de emissão, de um imposto sobre carbono, e de metas de emissão. A sua proposta é o que ele chama de uma abordagem híbrida, que estabelece limites de emissões no longo prazo, mas minimiza os custos no curto prazo. E que pode ser implementada país a país, com coordenação mas sem negociação internacional de direitos de emissão. Este não é o local para uma discussão aprofundada da proposta, mas ela envolve a criação de dois tipos de direitos de emissão, de longo prazo e de curto prazo. No curto prazo o custo seria fixo e os volumes emitidos flutuariam. No longo prazo, as emissões seriam determinadas e o preço flutuaria. Como o preço no curto prazo seria fixo, seria possível calcular com antecedência o impacto para a economia da adesão ao sistema. E a flutuação dos preços de mercado dos direitos de longo prazo geraria sinais para orientar as decisões de firmas e de famílias.
Ha outras medidas extremamente sensatas que poderiam ser tomadas rapidamente e que poderiam reduzir emissões de carbono, como a redução ou eliminação dos subsídios aos combustíveis fósseis. E a não seria tão difícil, segundo McKibbin, evoluir de Kyoto para a sua proposta, bastando estender o alcance no tempo das metas de emissão e criar as instituições para suportá-la. O primeiro período de comprometimento do Protocolo de Kyoto vai de 2008 a 2012, e as negociações para o que vem depois mal começaram. Talvez não seja desperdício de tempo estudar propostas alternativas.
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