Se os moradores da Lagoa Rodrigo de Freitas se espantaram de ver o espelho d’água coberto com 36 mil cruzes de isopor no último domingo, em protesto contra a violência no Rio de Janeiro, esperem até o Natal. O governo estadual construirá ali um palco flutuante para abrigar um show de Roberto Carlos, informa a assessoria de imprensa da Fundação Superintendência Estadual de Rios e Lagoas (Serla), ao tentar dar exemplos de como a Lagoa vem sendo usada para diversas finalidades sem impacto ambiental. Mas então o que é um impacto ambiental?
Para o presidente da Serla, Ícaro Moreno Junior, com pós-graduação em Engenharia Sanitária e Ambiental, as cruzes não poluíram a lagoa porque foram todas recolhidas depois da manifestação. Ainda que uma mudança de tempo tenha feito elas quebrarem e o vento tenha espalhado isopor não só pelo espelho d’água mas por cima da vegetação das margens.
Nas 24 horas que se seguiram à manifestação, que contou com a presença da governadora Rosinha Garotinho e da vice-presidente da Fundação Estadual do Meio Ambiente, Elizabeth Lima, pescadores e funcionários da Serla fizeram um mutirão para recolher os destroços das cruzes. Mas o esforço de limpeza não justifica o evento.
A colunista Cora Rónai de O Globo, escreveu sobre o choque que a poluição visual lhe causou: “Levei um susto quando abri a janela no domingo: a Lagoa estava um lixo, emporcalhada por algo que, do meu ponto de vista, parecia ser ou uma mortandade de peixes, ou uma suspeita espuma branca, recolhida com uma rede. Desci para ver o que estava acontecendo: num primeiro momento, respirei aliviada. Não era nem mortandade nem espuma tóxica. Eram os restos daquele criativo evento da turma do SIM, que, com as bênçãos da governadora, jogou na Lagoa, como se esta fosse a lata de lixo do Palácio Guanabara, milhares de cruzes de isopor, representando, segundo os organizadores, “os mortos por armas de fogo”. Cora ainda fotografou, dois dias depois do evento, um frango d’água comendo isopor na beira da lagoa.
Segundo o biólogo Mário Moscatelli, responsável pela preservação dos mangues na lagoa, os biguás, frangos d’água e garças pequenas que moram por aquelas margens, além dos peixes, correm o risco de comer os pedaços de isopor. “Não sabemos se é tóxico, pode causar indigestão. Não é que vá causar um impacto enorme, mas tem que ter mais respeito. No geral, foi uma idéia infeliz”, disse a O Eco.
Outra gafe do evento que, como Cora Rónai chamou atenção, infringiu a lei contra maus-tratos de animais, foi a decisão de manter pombas brancas numa caixa de papelão, apenas com furinhos para respirar, por horas. Quando finalmente as soltaram, elas não tiveram força nem para voar. Caíram direto na água, abatidas pelo calor, e foram socorridas por pescadores e bombeiros que acompanhavam a manifestação contra a violência. Algumas pessoas cogitaram que elas não conseguiram voar por causa da presença de um helicóptero, mas Marcos Muzafir, um dos coordenadores do protesto, confessou que elas ficaram muito tempo expostas ao sol. A coluna Gente Boa, também do O Globo, ainda noticiou que de madrugada foram encontradas algumas pombas dentro de uma caixa com as asas cortadas. O corpo de bombeiros do Rio, que normalmente socorre os animais em perigo, não soube informar sobre as pombas abandonadas. Mas as que foram salvas de morrer afogadas teriam voado assim que a penugem secou.
Os organizadores da manifestação, idealizada por médicos que trabalham nas emergências dos hospitais cariocas, disseram que se preocuparam em usar um isopor que não se desmanchasse na água. Também garantiram que todas as pombas sobreviveram ao evento cujo mote era a preservação da vida.
* A jornalista Ana Antunes colaborou com esta reportagem.
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