Reportagens

Mal acostumados

Índios que estão no Parque Nacional do Iguaçu têm até o fim do mês para sair. Bom para a natureza e eles mesmos, que dão sinais de não suportarem mais a mata.

Andreia Fanzeres ·
21 de outubro de 2005 · 19 anos atrás

Na última semana foi escrito mais um capítulo da novela dos índios avá-guaranis dentro do Parque Nacional do Iguaçu (PR). O juiz federal Roney Ferreira determinou numa audiência pública que a Fundação Nacional do Índio (Funai) arrume um outro lugar para os 55 índios que permanecem na unidade de conservação até o dia 28 de outubro. Caso contrário, prometeu analisar o pedido de reintegração de posse do Ibama e retirar os invasores à força. “Mas a gente avalia que não vai ser necessário fazer nada, esse é um momento de paciência e discussão”, considera Marino Gonçalves, superintendente do Ibama no Paraná.

Depois de uma dezena de reuniões com a Funai, que até agora deram poucos resultados, Marino se mantém otimista. E há outros motivos por trás disso. Os índios, que estão no parque desde o dia 3 de setembro, começam a dar sinais de que não estão mais suportando viver na floresta.

O jornal Gazeta do Iguaçu relatou, no dia 20 de outubro, o drama de um índio que foi picado por uma cobra dentro do parque e teve que ser internado num hospital. Segundo a reportagem, os “índios não estão preparados para os perigos da mata”. O cacique Simão Tupã Retã Vilialva nega veementemente essa versão. Por seu telefone celular, ele falou à repórter Ana Antunes que não tem a mínima pressa de sair do parque porque ainda não existe um lugar definido para transferir a tribo. “É muito gostoso ficar na reserva porque aqui podemos resgatar nossa cultura”. No entanto, o cacique admite que por causa de “leis ambientais”, que ele próprio não entende, precisa deixar o local.

Funcionários do parque confirmam que os invasores, em sua maioria mulheres, crianças e idosos passam por dificuldades e não vêm se alimentando bem. “Eles estão sentindo os impactos de viver na floresta, não estão sabendo como lidar com o frio e as fortes chuvas”, conta um funcionário. Quem observa o dia-a-dia dos índios diz que tudo que eles querem é uma área para agricultura. Eles, inclusive, reclamam que dentro do parque não têm espaço para isso. “O parque nacional não é lugar adequado para eles. São seres humanos ali dentro e o parque não foi feito para abrigá-los, não há segurança para isso”, diz Marino.

Superpopulação

Tudo isso mostra que, caso não estejam mesmo se deleitando na floresta, o único motivo para invadirem o parque nacional foi mobilizar o poder público para resolver um problema importado do Paraguai. Segundo o procurador da Funai, Fernando Knoerr, o que levou os índios a abandonarem a Reserva Santa Rosa do Ocoí, no município de São Miguel do Iguaçu, foi a superpopulação, deixando-os sem espaço para o cultivo de subsistência. A aldeia ficou pequena para tantos índios. São 256 hectares para 120 famílias, ou cerca de 600 pessoas. É sabido na região que a aldeia recebeu novos integrantes paraguaios, que cruzam facilmente a fronteira atraídos por benefícios como permissão para tirar carteira de identidade brasileira e ter assistência médica, odontológica, aposentadoria pelo INSS, além de receber cestas básicas.

Para resolver o problema dos índios, a Funai está correndo para arrendar uma área no município de Matelândia, vizinho ao parque nacional. Marino, do Ibama, diz que duas propriedades com um total de 1.400 hectares estão sendo negociadas. A assessoria de imprensa do Parque Nacional do Iguaçu, por sua vez, informa que a área a ser arrendada seria algo em torno de 10% de uma propriedade de 740 hectares. E o procurador da Funai avisa que diversas propostas estão sendo estudadas ao mesmo tempo e que de fato há uma área de 700 hectares em avaliação. Seja lá para onde os índios vão, Marino acredita que o mais importante é fazer logo o arrendamento e a aquisição dessas áreas. Segundo ele, discute-se em Brasília a intervenção do Incra nesse impasse. “Já que o Incra tem recursos para aquisição de terras, poderia consegui-las e resolver esse tipo de problema. A Funai só tem condições de fazer arrendamentos”, diz.

Nada contra o local escolhido estar a dois, a 30 ou a 100 quilômetros da maior área preservada da região, o parque nacional. Marino acredita que não haverá razão alguma para os índios voltarem porque as propriedades em avaliação têm espaço para plantio e uma “boa” área de mata nativa. “Uma vez assentados em outro local, eles não têm motivos para invadir o parque. Isso está fora de questão”, concorda o procurador Knoerr. Quando finalmente saírem, vão liberar os funcionários do Ibama no parque para suas tarefas administrativas normais, que ficaram comprometidas pelo alvoroço da presença dos índios na unidade de conservação. “Temos que ficar preocupados com eles, informar ao público, providenciar documentos, agendar hotéis e passagens para os procuradores que vêem aqui para as reuniões, e outros serviços que nos tiram o enfoque do nosso trabalho”, conta Adilson Borges, da assessoria de imprensa.

Melhor do que resolver logo o impasse administrativo é evitar que a floresta seja ainda mais degradada pelos índios. Segundo uma avaliação de biólogos do Ibama na região, cerca de 600 árvores nativas foram derrubadas para a construção de barracos de madeira desde o início da ocupação, há quase dois meses. Além disso, córregos estão sendo poluídos e todo lixo produzido pelos índios fica espalhado, junto com animais que interferem na vida silvestre, como patos, galinhas e cachorros em plena floresta.

* Colaborou para esta reportagem Ana Antunes.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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