Gritos e comemorações na sala de projeção mostravam que aquele não era um festival de cinema qualquer. O público, formado por praticantes e interessados em escalada, esqui, canoagem, mountain bike, trilhas, expedições e saltos, estava ali para prestigiar o 5° Festival de Filmes de Montanha.
O evento foi no Rio de Janeiro, nos dias 4 e 5 de novembro, e exibiu 22 filmes sobre esportes de aventura, entre brasileiros e internacionais. A qualidade da produção nacional deixou um pouco a desejar, principalmente em comparação com os filmes vindos da Europa, Estados Unidos, Austrália e até dos vizinhos sul-americanos.
A variedade de paisagens e a perícia dos atletas foram as atrações do festival. Cada manobra arriscada, conquista de uma via difícil ou salto espetacular entusiasmava a platéia. Mas nem só de cenas de tirar o fôlego são feitos os documentários de aventura. Muitos filmes pretendem mostrar que o enfrentamento com a natureza não é a única dificuldade nesses esportes. Em discussão, as superações psicológicas e físicas envolvidas, e as responsabilidades dos atletas em preservar o ambiente do qual dependem suas atividades.
Um exemplo é o brasileiro “Escalando em Cochamó” (foto acima), de Maurício Clauzet, que acompanha a expedição de dois homens e duas mulheres em direção ao vale do Cochamó, no Chile, para escalar em um lugar praticamente virgem. Depois de muita caminhada por trilhas íngremes, carregados com bagagem para duas semanas de viagem, os quatro voltaram para casa levando nas costas um peso extra: quatro quilos de lixo encontrados no local, a maioria plástico, gerado pela destruição de uma cabana construída à beira da montanha.
De Priscila Botto e Christian Steinhauser, “Júnior”, segundo colocado da mostra competitiva nacional, também alia lindos cenários, desafios esportivos e denúncia ambiental.
Cinco escaladores, após uma viagem aos Pontões Capixabas (foto), revelam que, apesar do enorme potencial do Espírito Santo para esportes de aventura, os únicos que aproveitam as pedras por lá são os graniteiros. A exploração é ilegal e o filme mostra imagens dos caminhões transportando pedaços roubados das montanhas durante a noite, driblando a fiscalização.
O vencedor do festival foi “Asas – um sonho carioca”. Dirigido por Sylvestre Campe, o filme acompanha as peripécias aéreas do praticante de vôo-livre Nader Raad. Depois de saltar da Pedra da Gávea, no Rio de Janeiro, ele chegou até o Cristo Redentor, sobrevoando-o. O feito chamou a atenção dos visitantes do ponto turístico mais famoso da cidade. Vale pelas imagens, que mostram a exuberante vocação natural do Rio e seus contrastes com a ocupação urbana, e ainda explica um pouco da história da asa-delta no país.
Aventuras em meio-mundo
Os filmes estrangeiros vieram como convidados e não concorriam a prêmio. Mas se houvesse a categoria “superação de limites”, o chileno “Planeta Antártica”, de Cristián Galaz e FelipeVera, seria forte candidato. Durante dois meses, quatro aventureiros atravessam 450 quilômetros na imensidão branca da Antártica, carregados com trenós de 120 quilos. Conquistam montanhas virgens, atravessam glaciais inexplorados e dormem apertados em uma só barraca enfrentando temperaturas de 30 graus abaixo de zero, e noites com sol.
Em determinado momento, um deles abre um mapa para estudar a rota da equipe, apontando para a montanha que enfrentarão a seguir. A cena chega a ser cômica: tudo o que se vê no papel são montanhas cobertas de neves e rigorosamente iguais para um leigo. O filme é bem-humorado e, além da aventura, acompanha o cotidiano da equipe e registra como a experiência estreitou os laços de amizade e confiança entre eles.
Outro filme que surpreende pela façanha, “Alone Across Austrália” conta a incrível história de Jon Muir, que cruzou a pé a costa australiana de norte a sul, acompanhado de sua cadela. Barbudão e anêmico, o aventureiro completou a empreitada em 128 dias, em 2001. Ao chegar, sequer tinha ouvido falar do atentado ao World Trade Center.
O alívio para tanto sufoco vem com o documentário “Refúgio Patagônia”, produzido por Martín Papalia. Entre as mais belas paisagens deste paraíso argentino, ele revela uma característica peculiar do local: os refúgios para montanhistas. São casas extremamente confortáveis, apesar de pequenas, construídas e reformadas pelos aventureiros que passam por aquelas áreas. Há sempre uma cama quente esperando o viajante. Este tipo de “resort” à beira dos lagos gelados é local de confraternização, principalmente em volta da mesa, bem servida de comidas típicas.
“Burning Time”, como o próprio nome sugere, incendiou a platéia. São 23 minutos de radicalismos variados. O filme acompanha um incrível salto de base-jump, em que o atleta pula de pára-quedas de cima de uma ponte; desce com canoístas em corredeiras violentas; e apresenta uma prática bem inusitada: um salto de pára-quedas a bordo de caiaque. Com o contra-peso do barquinho preso ao corpo, o tempo de vôo se estende e a sensação é de que estamos acompanhando um verdadeiro homem-pássaro. “As pessoas nos consideram loucos por estarmos fazendo isso”, afirma o diretor Scott Lindgren.
Por fim, um filme que veio ao festival dividido em duas sessões diferentes e mereceu os aplausos do público: “Psicobloc”, de Josh Lowell. Na ilha de Mallorca, na Espanha, três amigos escalam falésias de até 20 metros de altura e por vias muitas vezes negativas, sem o auxílio de nenhum equipamento se segurança. A queda? Direto dentro do mar. A perícia dos escaladores e o cenário belíssimo da ilha fazem até quem não é do ramo ter vontade de subir pelas paredes da sala de cinema.
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