O Centro de Abastecimento do Estado da Guanabara (CADEG), que abastece as feiras do Rio de Janeiro, vende palmito ilegal. Sexta-feira, dia 18, a equipe do O Eco comprou 600 gramas do produto por 11 reais. Bastou perguntar para os funcionários das lojas onde se encontrava palmito in natura e eles disseram para procurar “a loja da japonesa”, onde se vendem ingredientes da culinária oriental e palmito fresco.
A japonesa atendeu com sorriso, confirmou que tinha o produto e pediu para esperar um pouquinho, porque o palmito não ficava ali – apesar de existirem geladeiras no local que poderiam armazená-lo. Quase dez minutos depois, chegaram três bandejas de isopor com palmitos frescos, limpos e embalados com filme de PVC. Em cima de cada pacote, uma etiqueta branca escrito “Palmito de Caraguatatuba”, “LS Distribuidora de Alimentos Ltda” e números do CNPJ e do registro no Ibama – ambos falsos. Segundo a Receita Federal, o número do CNPJ não existe. O Ibama de São Paulo, onde fica Caraguatatuba, também afirmou que aquele cadastro não consta de seus registros.
Durante a compra, a vendedora fez questão de dizer que o produto não era deles. Era de outra pessoa, por isso a demora. “Mas é legal”, garantiu. Sobre a data de colheita que constava na etiqueta – 18 de novembro, exatamente aquele dia -, disse que era na verdade a data de empacotamento e que o produto tinha sido entregue naquela madrugada.
No ano passado, a Promotoria de Tutela Coletiva do Estado do Rio de Janeiro recebeu uma denúncia anônima de que acontecia na CADEG, com freqüência, descarregamento de palmito extraído ilegalmente da Reserva Biológica do Tinguá. Segundo a denúncia, o produto chega de madrugada em kombis vindas especialmente da região de Xerém e Petrópolis. Os promotores responsáveis por zelar pelo meio ambiente fluminense abriram inquérito e pediram para o caso ser investigado.
Agentes estaduais foram à CADEG e verificaram que em pelo menos duas lojas era possível comprar, depois de uma certa insistência, palmito in natura se fosse feita uma encomenda. Em outras, havia nas prateleiras vidros de palmito em conserva com rótulos artesanais de procedência duvidosa. Para o dia 15 de novembro, estava agendado para a promotora Denise Tarim ouvir sete pessoas envolvidas no caso, mas graças à decisão da governadora Rosinha Garotinho de decretar ponto facultativo, os depoimentos foram adiados para o fim do mês.
Os indícios de que existe comércio clandestino nas dependências da CADEG também levaram o caso a ser investigado pela promotoria estadual do Direito do Consumidor, que está sob a responsabilidade da promotora Fernanda de Abreu.
Ainda não foram encontradas provas concretas de que o palmito vendido na CADEG é retirado da Reserva do Tinguá, mas segundo os investigadores que apóiam o Ministério Público no caso, dificilmente ele tem outra origem. No Rio de Janeiro não existem planos de manejo de palmito nativo licenciados pelo Ibama. Os produtores precisariam contar também com Autorizações para Transporte de Produtos Florestais, as ATPFs de cor amarelas. O lugar mais próximo dos grandes centros urbanos onde se extrai palmito de primeira é a Reserva do Tinguá. E certamente os atravessadores que fazem a ponte entre os palmiteiros e os compradores evitam fazer longos percursos com as cargas ilegais.
Crime inafiançável
Em agosto, a Polícia Federal, o Ibama e o Ministério Público Federal flagraram seis palmiteiros na Reserva do Tinguá com mais de 300 peças de palmito. Cinco carregavam 270 pedaços de palmito Jussara, que só dá na Mata Atlântica e demora 15 anos para chegar ao ponto de corte. Sendo que, uma vez extraído o palmito, a árvore morre. O sexto era um menor, tinha 17 anos,e era o que tinha feito o maior estrago. Carregava, sozinho, cerca de 150 caules da especiaria. Por ser menor, foi liberado e entregue à mãe, já que o pai foi preso no flagrante.
Os palmiteiros eram todos da região de Xerém, onde fica a parte mais explorada da reserva, e ganhariam em média 10 reais por cada dúzia de palmito. Estão presos até hoje à espera da sentença. Um fato raro. Normalmente, flagrantes desse tipo são enquadrados no artigo 39 da legislação ambiental, que prevê detenção ou multa para quem cortar árvores em floresta considerada de preservação permanente sem permissão da autoridade competente. Muitos não chegam nem a ser presos. Mas o procurador federal responsável pelo caso, Carlos Bruno Ferreira da Silva, decidiu processar os cinco pelo artigo 40 da mesma lei, que determina reclusão de 1 a 5 anos para quem causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação, e não prevê fiança. Como eles também estão sendo acusados de formação de quadrilha, dificilmente serão inocentados.
O delegado Alexandre Saraiva, que comandou a ação, acredita que a rigidez com que foi tratado o caso contribuiu para a diminuição do número de palmiteiros na Reserva do Tinguá, pelo menos em Xerém. “O lucro de se cortar palmito na reserva ficou pequeno diante do ônus a ser pago no caso de flagrante. Isso se espalha pela comunidade”, argumentou. Olheiros afirmam que ninguém tem usado as trilhas clandestinas e muitas foram fechadas pela mata. O perigo agora é de novas áreas da unidade de conservação virarem alvo de exploração ilegal. Para evitar isso, o Ministério Público Federal e a Polícia Federal estão tentando impor um cronograma de incursões sistemáticas aos 27 mil hectares da reserva.
Mas reprimir a extração de palmito na reserva não elimina o problema. O alvo das investigações tanto do Ministério Público Federal quanto do Ministério Público Estadual, e suas respectivas polícias, é descobrir quem faz a ponte entre os palmiteiros e centros de distribuição como a CADEG. No Tinguá, numa batida a um galpão que embalava palmito ilegal, foi encontrada uma agenda com nome e endereço de alguns feirantes de Nova Iguaçu. Mas eles não são capazes de dar vazão à quantidade de palmito extraída da reserva. Já os moradores da região revelam pouco. Dizem que um homem chamado Severino aparece numa data marcada, num Monza preto, para pegar a encomenda à noite, atrás de uma pedra. Quase uma lenda.
Por parte do Ministério Público Estadual, pouco foi descoberto para além dos muros da CADEG. Alguns codinomes, mas nada de concreto. O mais espantoso é que apesar de o MP e a polícia estaduais estarem investigando um fio da meada – a CADEG, importante centro de distribuição de alimentos – e do MP e polícia federais estarem apurando a outra ponta da história – a Reserva do Tinguá, principal foco de extração ilegal do Rio – cada esfera de poder desconhecia o trabalho da outra. Foram informadas pela imprensa.
Quem sabe agora, juntando as peças, os poderes públicos cheguem a quem realmente ganha dinheiro e comanda o tráfico de palmito no Rio de Janeiro. Em 2000, quando este ciclo foi fechado em Itatiaia, onde se extraía palmito dentro do Parque Nacional a qualquer hora do dia, se chegou a um importante empresário de Volta Redonda.
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