Reportagens

Alunos na proa

Barco-escola equipado com mini-estações meteorológicas leva estudantes a conhecer o rio Guaíba, o delta do Jacuí e a bacia do Sinos, na Grande Porto Alegre.

Cristina Ávila ·
8 de dezembro de 2005 · 18 anos atrás

No verão, os finais de tarde de calor convidam os porto-alegrenses a assistir ao pôr-do-sol no rio Guaíba. A orla se enche de gente caminhando, correndo e andando de bicicleta. Mas o esporte náutico é raro. As 30 ilhas da região metropolitana são conhecidas de vista, porém as águas são pouco exploradas. Para a maioria da população, o lazer no rio se restringe a contemplá-lo da margem.

Entretanto, nas últimas três semanas pelo menos 2 mil estudantes de 5ª a 8ª séries de escolas públicas embarcaram no catamarã Martim Pescador, em passeios que saem do porto três vezes ao dia. Os alunos conhecem belezas da fauna e flora e o sistema portuário do rio que banha a capital gaúcha. Esse passeio didático é novidade em Porto Alegre, mas o barco-escola já transportou quase 30 mil crianças e adolescentes na vizinha São Leopoldo.

O catamarã é um modelo constituído por dois cascos paralelos unidos pelo convés. Tem 16 metros de comprimento, 6 de largura e 2,20 de altura, com cadeiras no andar superior e lotação para 58 passageiros sentados. É uma das raras embarcações brasileiras com autorização da Marinha para ser usada como escola infantil. E ganhou equipamentos para tornarem as aulas interessantes. Duas estações meteorológicas são os principais atrativos a bordo.

”O barco tem instalado o necessário para que os alunos entendam como funcionam os registros de temperatura, umidade relativa do ar, os ventos e as chuvas”, explica o meteorologista Eugênio Hackbart, diretor do Instituto de Climatologia Urbana de São Leopoldo, que treina técnicos para demonstrações a estudantes.

As duas mini-estações têm termômetros que registram a umidade do ar, as temperaturas máximas e mínimas, um pluviômetro para monitorar as chuvas e uma biruta, que informa a direção e intensidade dos ventos.

Nos rios, as condições atmosféricas são bem diferentes do que em áreas secas. Se, por exemplo, na cidade a umidade relativa do ar está em 60%, a bordo do catamarã os termômetros podem indicar até 75%. As mini-estações oferecem informações como essas, mas o meteorologista lembra sempre que não se trata de “previsão do tempo”. “Fornecem dados. A previsão depende da capacidade do meteorologista de interpretar as informações”, explica Eugênio Hackbart.

Fauna, flora e poluição

O Instituto de Climatologia Urbana de São Leopoldo trabalha em parceria com o Instituto Martim Pescador, uma ong criada há três anos em São Leopoldo, que conseguiu reunir nove prefeituras da Grande Porto Alegre e mais de 30 empresas privadas para a construção do barco. O projeto demorou nove meses para ser executado e custou R$ 400 mil.
Desde o mês passado, o projeto oferece estágios a estudantes de graduação e pós-graduação do Centro Universitário Feevale, de Novo Hamburgo. Alunos de Biologia, História e Turismo serão aproveitados como monitores de educação ambiental no barco, especialmente em trajetos na bacia do rio dos Sinos, onde o catamarã já fez cerca de 550 viagens.

Para chegar ao Guaíba, o barco passa por dois rios. A partida é em São Leopoldo, pelo Sinos, e segue pelo Jacuí, em Canoas. O trajeto dura seis horas, a 12 km/h. Um privilégio de águas, fauna e flora. E também uma aula prática dos efeitos da poluição. A maior parte dos afluentes do Sinos recebe esgotos sem tratamento e resíduos industriais de 22 municípios, onde vivem 1,5 milhão de pessoas. Na capital, são quase 1,5 milhão de habitantes também. Quando o Sinos desemboca no Jacuí, já atravessou uma das maiores concentrações de indústrias e habitantes do estado.

Para a temporada de três semanas em Porto Alegre, o Instituto Martim Pescador uniu-se à Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH), com financiamento da Caixa RS, banco local de fomento. Depois dessa experiência, o catamarã deverá ficar mais disputado. O superintendente Roberto Hallal pretende que o barco-escola esteja no Guaíba durante todo o próximo ano letivo, pelo menos uma semana por mês.

Porto Alegre tem 16 ilhas sob sua jurisdição, em um total aproximado de 4 mil e 500 hectares, que fazem parte do Parque Estadual Delta do Jacuí. Localizadas em frente ao centro e ao cais, elas formam um dos principais ecossistemas da planície costeira do estado. Lontras, jacarés-de-papo amarelo, capivaras e uma grande variedade de aves habitam a região do delta. O complexo de ilhas se estende pelos outros municípios, em um conjunto de 30, que funcionam como esponja no controle da vazão dos rios em época de cheias, ajudando a reduzir enchentes.

Curiosidade

”Além das informações ambientais, as crianças aprendem também sobre as embarcações, sobre estaleiros, bóias de sinalização que indicam os canais navegáveis e sobre a estrutura portuária”, afirma Rudnei Costa, estudante de Biologia da Universidade Luterana (Ulbra) de Canoas, estagiário da SPH e monitor no barco-escola.

Em Porto Alegre, o passeio sai da doca em direção ao canal dos Navegantes, onde está a estrutura de carga e descarga de navios, depois segue pelo canal do Chico Inglês, entre as ilhas do Chico Inglês e do Pavão. As crianças passam na ponta da Ilha dos Marinheiros e entram no canal da Conga, chegando ao Jacuí.

Um dos temas que intriga os alunos é o volume de água. “Se a gente tem tanta água, por que corremos o risco de ficar sem?”, quer saber Jéssica Schineider, 15 anos. “Não dá para transformar a água salgada em doce?”, arremata Joseane Maiara Costa, 15, colega de Jéssica na escola Teotônio Vilela, da serrana Farroupilha, a 108 km da capital.

As observações que fazem no barco, eles levam depois para a sala de aula. Mas durante o passeio, sobra tempo para a diversão. “Aprendemos um monte de nomes de bichos. Foi show. A viagem também foi empolgante, passamos a maior parte do tempo fazendo festa”, conta Joseane.

Na data de aniversário, no último dia 6, o Instituto Martim Pescador ganhou um presente que traz novas perspectivas de trabalho: a escritura de uma casa de 100 m² em estilo português, na beira do rio dos Sinos, onde viveu Henrique Luiz Roessler. Pioneiro do ambientalismo no país, Roessler nasceu em Porto Alegre em 1896, mas muito jovem foi morar em São Leopoldo. Foi fiscal voluntário de caça e pesca, em 1937, e fundador da União Protetora pela Natureza, em 1955.

”Pretendemos transformar a casa em museu. E vamos prepará-la para ser um centro de referência e local de reuniões para ongs. Principalmente aquelas voltadas para a proteção dos rios e das águas”, observa Henrique da Costa Prieto, presidente do Instituto Martim Pescador e responsável pela criação do barco-escola. No início do século passado, Roessler já denunciava as ameaças à bacia do rio dos Sinos, especialmente devido aos curtumes que se instalavam na região.

* Cristina Ávila é jornalista freelancer em Porto Alegre.

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