A foto ao lado mostra a paisagem que surge para quem se aproxima de São Tomé das Letras, no sul mineiro – uma daquelas cidadezinhas procuradas por gente alternativa, que gosta de observar as estrelas, conhecer cachoeiras, grutas e fazer trilhas na mata. Mas quando você chega lá, é isso aí o que vê. Casinhas no alto de um morro quase todo tomado por mineradoras que retiram milhares de toneladas da famosa pedra São Tomé, usada para revestir pisos de piscina pelo Brasil afora.
São Tomé das Letras fica coberta de branco, cor do que não presta na extração do quartzito. Segundo Tonico Machado, presidente de uma associação de mineradores de lá, ao perfurar o morro para tirar a pedra com valor comercial, rejeita-se cerca de 80% de tudo o que é mexido. Para ele, esse percentual de descarte é considerado bom, comparável com os índices de países como África do Sul e Itália. “Já foi muito pior, quando a gente só conseguia aproveitar 7% do total retirado”, diz. O resultado são essas pilhas que os mineradores chamam de estéreis, formadas por cacos e lascas.
Embora os arredores de São Tomé das Letras sejam vendidos como uma região de natureza privilegiada, o cenário real não é lá essas coisas. É verdade que existem muitas piscinas naturais, rios, quedas d’água e cavernas, mas não há continuidade. Nenhum visitante consegue circular por muito tempo sem esbarrar numa fazenda ou numa das 40 pedreiras no município de 6 mil habitantes.
O impacto das mineradoras no ambiente é variado. Embora os rejeitos das pedreiras não sejam tóxicos porque são apenas pedaços não aproveitados de pedra, o volume desses sedimentos assoreia rios. Já alterou inclusive a paisagem de um dos principais pontos turísticos de São Tomé das Letras, o Vale das Borboletas. Além de soterrar a vegetação original com o acúmulo de pedras, as mineradoras fazem a cidade parar por cerca de quatro horas diariamente. “É o barulho das bombas, detonadas ao mesmo tempo em todas as pedreiras”, diz Pedro Marques Filho, presidente do Conselho Municipal de Meio Ambiente.
Parceria tímida
Mas ele mesmo admite que a população já está acostumada aos estrondos. Afinal, foi a partir da atividade mineradora que a cidade nasceu e sobrevive economicamente. Assim, por mais que os problemas ambientais sejam evidentes, a pressão para recuperação das áreas alteradas ainda é tímida. “Estamos tentando fazer alguma coisa para conciliar o trabalho nas pedreiras com respeito à natureza, mas não é tão fácil”, diz Marques. Segundo ele, como quase todos os atrativos naturais da região ficam dentro de propriedades particulares cujos donos são mineradores, a prefeitura já fez propostas de apadrinhamento de cachoeiras, ou seja, que o empreendedor se comprometa a dar infra-estrutura e cuidar da preservação de determinado ponto turístico. Mas, até agora, poucas parcerias desse tipo estão acontecendo realmente.
Novas mineradoras surgem a cada dia e nem sempre elas têm autorização para lavra do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Por sua vez, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente não fiscaliza como deveria as denúncias de irregularidades que recebe todos os meses. A saída tem sido tentar negociar parcerias com outras instituições ambientais e centros de pesquisa para desenvolver técnicas de exploração mais eficientes.
“O pulo do gato vai ser quando pudermos usar todo o resíduo que geramos com fins industriais”, sugere o representante dos mineradores, Tonico Machado. Com expectativa de geração de mais empregos, as pilhas de lascas que sufocam São Tomé das Letras poderiam ser moídas e transformadas num tipo de pó que interessasse a outros mercados. Segundo Machado, já existem empresas que conseguem esse aproveitamento, mas as iniciativas são incipientes.
Só mais 800 anos
Ele garante que as pedreiras de sua cidade já fazem tudo o que podem para evitar danos ambientais. “As pilhas brancas ficam depositadas nas margens das minas. Não poderíamos descartá-las em outros lugares porque o custo do transporte seria altíssimo”, diz. Além disso, de acordo com ele não existem mais jazidas em áreas vagas. “Feliz ou infelizmente, o que pode ser extraído é uma porção reduzida da área do município, por isso as minas estão cada vez mais profundas, o que não nos faz degradar mais na direção do topo dos morros”, acrescenta. Como exemplo desse bom aproveitamento da área, Machado explica que apenas três dos 21 hectares de sua propriedade são explorados há 56 anos. “Na cidade, temos pedra para exploração por mais 800 anos”, completa.
Rogério Fonseca, analista ambiental do Núcleo Regional de Apoio ao Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) do Sul de Minas, diz que o órgão organizou um grupo de trabalho e tem discutido com Ibama, Ministério Público, DNPM, Ministério do Trabalho e representantes de mineradoras soluções para São Tomé das Letras. A idéia do “GT Quartzito” é traçar uma estratégia para melhorar a fiscalização e a técnica de extração das pedras, mais ou menos como aconteceu durante a vigência do Projeto Minas Ambiente.
Segundo Fonseca, entre 1999 e 2002 o governo do estado, o Centro Tecnológico de Minas (Cetec), a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e agência de Cooperação Técnica Alemã GTZ desenvolveram um trabalho muito bom de fiscalização, pesquisa, recuperação de áreas degradadas e orientação aos mineradores quanto à técnica de lavra. “Houve uma melhora visível na época, mas quando o projeto acabou a região ficou largada”, relata.
É bom mesmo que consigam montar um programa como o que terminou, porque se São Tomé das Letras está assim hoje, imagina daqui a 800 anos.
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