No dia 13 de março, com um decreto assinado pelo presidente Lula, a corrente do ambientalismo pró-social deu mais um passo para consolidar sua hegemonia na atual política de conservação do governo brasileiro. O documento sacramentou uma reestruturação do Ibama, redistribuindo funções e criando uma Diretoria Sócio-Ambiental (Disam). Ela surgiu de duas costelas que já existiam no órgão, o Centro Nacional de Populações Tradicionais (CNPT) e a Coordenadoria de Educação Ambiental. O CNPT, até então, estava aninhado na Diretoria de Gestão Estratégica, de onde, pelo menos formalmente, tinha pouca voz para influenciar nas decisões administrativas do Ibama. Não mais.
E isso faz diferença. “Estamos trazendo para o centro do debate as unidades de uso sustentável”, diz Paulo Oliveira, assessor da Presidência do Ibama designado para cuidar da nova diretoria, encarregada de criar, monitorar e gerir áreas de conservação de uso sustentável, como as reservas extrativistas. “Elas agora estarão em pé de igualdade com as unidades de preservação integral, de responsabilidade da Diretoria de Ecossistemas (Direc)”.
Em termos práticos, isso significa que, a partir de agora, toda a vez que for discutir os rumos da conservação no Brasil, a direção do Ibama, além de levar em conta os interesses do clima, do solo, das águas, dos bichos e das plantas, vai ter que considerar também os interesses sociais.
Não que eles não viessem sendo considerados antes. Muito pelo contrário, principalmente depois da chegada de Marina Silva, maior estrela do sócio-ambientalismo nacional, ao Ministério do Meio Ambiente. Nos últimos meses, antes mesmo da criação da Disam no Ibama, o governo já sinalizava que estava disposto a institucionalizar de uma vez por todas a sua visão de conservação da natureza como um acessório de políticas de combate à pobreza. Em janeiro, depois de três anos, o Ministério do Meio Ambiente colocou o ponto final no seu Plano Nacional de Áreas Protegidas, feito para vigorar até 2015.
O texto diz logo de cara que o plano destina-se a promover a conservação e o “uso sustentável da biodiversidade”. E ao longo de suas 89 páginas, como demonstrou o repórter Lorenzo Aldé, menciona indígenas e quilombolas 156 vezes. Flora e fauna, juntas, são mencionadas não mais que 8 vezes. Em março, o sócio-ambientalismo deixou sua marca definitiva no Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama). Seus conselheiros, gente de governo e ongs, principalmente sócio-ambientais, legalizou a ocupação irregular em áreas de preservação permanente (APPs).
Tudo em nome das prioridades sociais — muito embora a decisão tenha aberto também brechas para empresas que têm interesses em explorar APPs. Nessa seqüência de eventos favoráveis à visão social do ambientalismo, só faltava mesmo entregar-lhe uma diretoria no Ibama para finalizar a obra. Mas Lula e Marina fizeram mais. O mesmo decreto que criou a Disam retirou da Diretoria de Ecossistemas uma de suas atribuições fundamentais, o planejamento de unidades de conservação.
No caso das áreas de proteção integral, essa função agora passa a ser da alçada das gerências estaduais, historicamente suscetíveis à ingerência política. Técnicos do Ibama, ainda de cabelos em pé com as mudanças, temem pelo futuro não apenas de Parques e Reservas Biológicas, mas do próprio Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). “Isso vai quebrar o seu caráter nacional”, diz um deles. “Vai impedir também que o Sistema evolua como um todo, com base nas experiências de cada unidade planejada”. A bicharada e as árvores que se cuidem.
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