Um conselho de meio ambiente existe para ser a instância máxima de um estado para tomar decisões em defesa da natureza. Para tanto, é formado por entidades que representam a sociedade e, teoricamente, seus interesses ambientais. Mas em Mato Grosso parece que a banda toca um pouco diferente. Na semana passada, foi referendada por 18 votos a sete a licença prévia para a usina hidrelétrica de Dardanelos, a ser erguida no município de Aripuanã. A votação foi legítima, mas seu caráter técnico duvidoso. A autorização para o empreendimento foi dada apesar de instituições como Ibama, Ministério Público Estadual (MP), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Universidade de Mato Grosso (Unemat) terem se posicionado contra.
A questão fica mais grave quando se observa quem são as outras vozes dentro do Consema de Mato Grosso. Enquanto as ongs mais atuantes no estado na área ambiental – como o Instituto Centro Vida (ICV), a Fase e a Operação Amazônia Nativa (Opan), entre outras – não conseguem entrar para o conselho por questões burocráticas, a maioria das cadeiras do Consema são ocupadas por ongs de atuação pouco conhecida em âmbito estadual, representantes das secretarias de saúde, desenvolvimento rural, indústria, comércio, minas e energia. Além das federações de indústrias, agricultura, comércio, dos trabalhadores rurais, pescadores, etc. Essa maioria julgou que o estado precisa da produção de energia de Dardanelos e que a obra vai gerar impacto mínimo.
Na realidade, o Consema em pouco pode interferir no licenciamento da usina, que ameaça o regime de águas do complexo das cachoeiras do rio Aripuanã, no noroeste de Mato Grosso Pela legislação estadual, cabe ao conselho apenas referendar ou não a licença prévia emitida pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema) em novembro do ano passado – apesar do MP ter feito uma série de questionamentos sobre as inconsistências do estudo e do relatório de impacto ambiental (Eia-Rima) apresentados pela Eletronorte e pela Odebrecht. O próximo passo é a validação da licença dada pela Assembléia Legislativa de Mato Grosso, que ainda não colocou a questão em votação.
A Sema se baseou num parecer elaborado por sua equipe técnica para emitir a licença prévia, mas fez ressalvas, reconhecendo problemas no Eia-Rima. Para que o documento seja renovado, os empreendedores têm de cumprir 24 condicionantes até o dia 7 de agosto. Caso contrário, a secretaria ameaça cancelar a autorização automaticamente. Uma das principais exigências é a realização de estudos biológicos mais aprofundados.
Insuficiências
Apesar do prazo, de novembro para cá nada foi feito. Segundo o representante da OAB no Consema, Leonardo Campos, os empreendedores admitiram que cumpriram apenas duas ou três das exigências da Sema. “Mesmo assim, não me convenceu”, disse Campos. “Se em cinco meses não fizeram nada, quem garante que conseguirão nos 90 dias restantes?”, indaga o advogado.
Paulo Maier, superintendente do Ibama de Cuiabá, ressaltou que os estudos realizados até agora não são suficientes para assegurar a viabilidade ambiental do empreendimento porque há pouca informação sobre espécies ameaçadas na região de Aripuanã. “Isso significa riscos de irreversibilidade”, diz. Mesmo contrariado pela posição final do Consema, Maier se abstém de julgamentos. “Temos que continuar nos esforçando.”
O MP defendeu seus argumentos avessos à usina com base em relatórios de pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). “O Eia-Rima tinha falhas e omissões gritantes, que ainda hoje não foram resolvidos. Não provou a sustentabilidade do projeto”, declarou o promotor Gerson Barbosa. Segundo o biólogo Pierre Girard, um dos pesquisadores da UFMT que assinam o estudo para o MP, é necessário ter ainda mais cautela quando se fala de interferências naquele ambiente. “Dardanelos é uma cachoeira de grande beleza cênica, que ficaria com pouquíssima água entre cinco a sete meses por ano. O impacto sobre a fauna também não foi devidamente estudado”, lembra Girard.
Decisão política
Apesar do estudo, o engenheiro sanitário Rubem Mauro, representante da UFMT no Consema, se colocou a favor do licenciamento de Dardanelos nas atuais circunstâncias. Mauro explica que os pesquisadores contratados pelo MP não foram escolhidos para falar em nome da universidade no conselho. “A usina não interfere no regime hídrico do rio. Além do mais, o Brasil e o Mato Grosso precisam de energia, e não existe alternativa mais barata que a hidrelétrica”, justifica o engenheiro.
A Sema determinou limites para a vazão mínima das comportas em 21 m3/s na época de chuvas. E a oferta de energia será ainda mais restrita no período da estiagem, quando as atividades da usina deverão ser interrompidas devido à baixa vazão natural da cachoeira. Por causa disso, a representante da Unemat no Consema, a bióloga Solange Ikeda, não está convencida de que valerá a pena correr os riscos ambientais diante de um empreendimento que só poderá funcionar plenamente cinco meses ao ano.
“A decisão do Consema foi totalmente política, independente do mérito técnico”, considera o procurador do MP, Gerson Barbosa. Na opinião dele, só isso justifica a mudança de posicionamento do representante da UFMT, em cima da hora, a favor da concessão da licença para Dardanelos. Ele também lembra que outra falha grave do Eia-Rima foi não incluir os impactos da construção das linhas de transmissão. “Por onde elas vão passar? Será que não vão servir para o escoamento de usinas particulares da região?”, questiona Solange Ikeda.
E essas linhas podem estar no cerne de mais um impasse judicial. Embora Dardanelos esteja cotada para participar de um próximo leilão da Aneel no segundo semestre, a energia da hidrelétrica só poderá ser vendida quando as linhas de transmissão também estiverem licenciadas. Hoje elas sequer figuram no Eia-Rima. Se mesmo assim a usina for listada para o leilão, o MP promete entrar em cena novamente.
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