Na África, quando contamos que estamos de partida ou chegada de Ruanda somos sempre recebidos com incredulidade: “mas o país não é perigoso?”, ou “o povo não está em guerra?”, ou ainda “o que você vai fazer lá, afinal?”. Como acontece com muitas nações que atravessaram momentos de profunda crise, Ruanda ainda sofre de um estereótipo marcado pelo genocídio de 1994.
Entretanto, como também acontece com a maioria dos pre-conceitos, Ruanda está longe de retratar apenas este passado sombrio. Kigali, a capital do país, é limpa, bem organizada e repleta de gente nas ruas. O povo, apesar de tímido, é hospitaleiro, extremamente curioso em relação aos turistas e genuinamente simpático.
Ruanda é um pequenissimo país de apenas 26.338 quilômetros quadrados, mas, como tamanho não é documento, é também um dos mais populosos do mundo, com 8.6 milhões de habitantes (dados de 2004). Isso significa que para cada quilômetro quadrado existem 322 indivíduos – uma taxa de ocupação maior do que a da Holanda.

Os magníficos picos vulcânicos de Virunga estão situados ao noroeste de Ruanda. Esparramam-se por 80 quilômetros formando uma fronteira natural entre Ruanda, Uganda e Congo (antigo Zaire). Após duas horas de viagem de Kigali, passando pela ininterrupta sucessão de plantações, é possivel avistar nada menos que sete vulcões, sendo o mais alto, Karisimbi, de 4.500 metros. Na maior parte do dia, os picos vulcânicos estão envoltos por nuvens que parecem auréolas, santificando esta escultura da natureza.
O Parque Nacional dos Vulcões é um dos primeiros parques transfronteirços do mundo. Foi criado em 1925 pela Bélgica, o poder colonial, juntamente com o Parque Nacional de Virunga, seu contíguo, no vizinho Congo. Na época recebeu o nome de Albert National Park. Somados, os parques cobriam 809.000 hectares. Mais recentemente, em 1969, o parque no lado ruandense foi reduzido em mais de 8.900 hectares, para o plantio de pyrethrum e hoje compreende apenas 0.5% do território do país.

Esses imensos primatas foram apresentados para o mundo na revista National Geographic na primeira metade do século XX e, muito depois, no livro e filme “Na montanha dos gorilas”, protagonizado por Sigourney Weaver, no papel da pesquisadora Dian Fossey. Apaixonada pela causa da pesquisa e preservação dos gorilas da montanha, Fossey se mudou de mala e cuia para uma tosca residência entre os picos enevoados dos Virungas, onde acabou morando por treze anos. Foi pioneira nos estudos comportamentais da espécie, cujas tropas catalogou e cujos indivíduos pesquisou exaustivamente. A investigadora também travou luta sem quartel contra os inúmeros caçadores ilegais que predavam gorilas para a confecção de ornamentos feitos de suas mãos, pés e cabeças e raptavam bebês para a venda a zoológicos do exterior.

Preservação aliada ao turismo
O preço pode parecer salgado, mas justifica-se pela preocupação com o bem estar dos animais. Além do estresse causado pela visitação, os grupos são reduzidos para minimizar o risco de contaminação dos gorilas por doenças carregadas pelos turistas. O homem compartilha 97,7% do código genético desses animais, que podem facilmente contrair doenças de origem humana, para as quais não têm resistência imunológica eficiente.

O grupo visitado pelos autores chama-se Susa e compreende uma familia de 13 gorilas: um macho, o imenso silver back (costas prateadas), que é o líder da tropa, nove fêmeas, e três bebês, entre quatro e seis meses de idade. Os machos atingem a maturidade em torno dos 13 anos de idade. Nesse momento, o pêlo de suas costas começa a ganhar uma coloração prateada. Por outro lado, as fêmeas aos oito anos já são consideradas adultas. A gestação de um gorila é de oito meses e meio e, durante os primeiros seis meses posteriores ao nascimento, o bebê, é inteiramente dependente da mãe. Além do homem, o gorila da montanha é a única espécie de primatas em que o macho acolhe e cuida dos recém nascidos em caso de morte da fêmea.
Apesar de sua aparência um tanto assustadora, os gorilas não são seres agressivos e os grupos visitados pelos turistas em Ruanda já estão “habituados” à presença dos humanos. Graças a essa familiarização com a turistada, durante a visita é possivel apreciar gorilas brincando, comendo, namorando, subindo em árvores, caindo de galhos e, por vezes, até uma assutadora corrida na direção dos visitantes.
Vez por outra, quando alguma fêmea sente sua prole ameaçada, pode haver uma ruidosa bateção de peito, almejando intimidar os visitantes. No entanto, esses rompantes normalmente são blefes, logo reconhecidos pelos dois guias que orientam o grupo, que têm bastante experiência adquirida em longos anos de convívio com os animais. A visita demora uma hora rigidamente cronometrada, com gorilas passando a dois metros dos turistas, por vezes até pisando no pé de alguém ou dando um tapinha provocante nas costas de um guia. O tempo voa. Ao fim, parece que se recém chegou e é com pesar que a caminhada de volta é iniciada. O bolso volta mais vazio, mas fica a recompensadora certeza da contribuição para a preservação desse enorme e gentil primata.
* Ana Leonor é fotógrafa e esposa do nosso colunista Pedro da Cunha e Menezes.
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