Reportagens

Turismo a preço de banana

Ruanda é um país de gente simpática e natureza exuberante. Num parque com 80 km de vulcões, protege quase metade dos gorilas das montanhas que existem no mundo.

Pedro da Cunha e Menezes · Ana Leonor ·
5 de maio de 2006 · 18 anos atrás

Na África, quando contamos que estamos de partida ou chegada de Ruanda somos sempre recebidos com incredulidade: “mas o país não é perigoso?”, ou “o povo não está em guerra?”, ou ainda “o que você vai fazer lá, afinal?”. Como acontece com muitas nações que atravessaram momentos de profunda crise, Ruanda ainda sofre de um estereótipo marcado pelo genocídio de 1994.

Entretanto, como também acontece com a maioria dos pre-conceitos, Ruanda está longe de retratar apenas este passado sombrio. Kigali, a capital do país, é limpa, bem organizada e repleta de gente nas ruas. O povo, apesar de tímido, é hospitaleiro, extremamente curioso em relação aos turistas e genuinamente simpático.

Ruanda é um pequenissimo país de apenas 26.338 quilômetros quadrados, mas, como tamanho não é documento, é também um dos mais populosos do mundo, com 8.6 milhões de habitantes (dados de 2004). Isso significa que para cada quilômetro quadrado existem 322 indivíduos – uma taxa de ocupação maior do que a da Holanda.

Apesar de o país estar longe de ser um pólo produtivo na África, é possivel notar esforços para diversificar sua economia. O turismo tem tido atenção especial do governo, que tem tentado divulgar os Virungas, uma das mais belas cadeias vulcânicas do mundo, que também é a moradia dos raríssimos gorilas das montanhas (Gorilla gorilla beringei – foto acima).

Parque dos vulcões

Os magníficos picos vulcânicos de Virunga estão situados ao noroeste de Ruanda. Esparramam-se por 80 quilômetros formando uma fronteira natural entre Ruanda, Uganda e Congo (antigo Zaire). Após duas horas de viagem de Kigali, passando pela ininterrupta sucessão de plantações, é possivel avistar nada menos que sete vulcões, sendo o mais alto, Karisimbi, de 4.500 metros. Na maior parte do dia, os picos vulcânicos estão envoltos por nuvens que parecem auréolas, santificando esta escultura da natureza.

O Parque Nacional dos Vulcões é um dos primeiros parques transfronteirços do mundo. Foi criado em 1925 pela Bélgica, o poder colonial, juntamente com o Parque Nacional de Virunga, seu contíguo, no vizinho Congo. Na época recebeu o nome de Albert National Park. Somados, os parques cobriam 809.000 hectares. Mais recentemente, em 1969, o parque no lado ruandense foi reduzido em mais de 8.900 hectares, para o plantio de pyrethrum e hoje compreende apenas 0.5% do território do país.

Os gorilas da montanha foram descobertos para a comunidade científica européia em 1902 pelo capitão alemão Oscar von Beringe. Desde então, foram dizimados pela caça e pela perda de habitat e hoje sobrevivem apenas nos Parques Nacionais dos Vulcões (Ruanda), dos Virungas (Congo) e de Mihainga e da Floresta Impenetrável de Bwindi (Uganda). Mesmo essa proteção não garantiu a completa segurança da sua sobrevivência no longo prazo. Ainda hoje, os gorilas da montanha são classificados como criticamente ameaçados de extinção pela União Internacional para a Conservação da Natureza – UICN.

Popularidade dos gorilas

Esses imensos primatas foram apresentados para o mundo na revista National Geographic na primeira metade do século XX e, muito depois, no livro e filme “Na montanha dos gorilas”, protagonizado por Sigourney Weaver, no papel da pesquisadora Dian Fossey. Apaixonada pela causa da pesquisa e preservação dos gorilas da montanha, Fossey se mudou de mala e cuia para uma tosca residência entre os picos enevoados dos Virungas, onde acabou morando por treze anos. Foi pioneira nos estudos comportamentais da espécie, cujas tropas catalogou e cujos indivíduos pesquisou exaustivamente. A investigadora também travou luta sem quartel contra os inúmeros caçadores ilegais que predavam gorilas para a confecção de ornamentos feitos de suas mãos, pés e cabeças e raptavam bebês para a venda a zoológicos do exterior.

O trabalho de instituições dedicadas à preservação desses grandes primatas, como o Programa Internacional de Conservação dos Gorilas (IGCP) e a Fundação Gorila Dian Fossey (DFGF), tem promovido a participação da comunidade local no desenvolvimento do turismo e de práticas de agricultura sustentável. No plano nacional, alentado esforço de conscientização popular logrou elevar os gorilas à categoria de símbolo nacional ruandense. Assim como o tigre é para a Índia e o Condor é para a Argentina, os gorilas de Ruanda hoje são vistos como símbolo de orgulho patriótico, o que ajuda as iniciativas do Governo para sua conservação e sobrevivência.

Também o turista ajuda a preservar o Gorilla Beringei. A taxa de visitação é revertida para manutenção do parque. Não é pouco dinheiro. A magnífica experiência de contemplar os gorilas durante uma hora em seu habitat natural custa nada menos que US$375.

Preservação aliada ao turismo

O preço pode parecer salgado, mas justifica-se pela preocupação com o bem estar dos animais. Além do estresse causado pela visitação, os grupos são reduzidos para minimizar o risco de contaminação dos gorilas por doenças carregadas pelos turistas. O homem compartilha 97,7% do código genético desses animais, que podem facilmente contrair doenças de origem humana, para as quais não têm resistência imunológica eficiente.

Mas quem visita um dos quatro grupos de gorilas não lembra dos prós e contras de se pagar esta exorbitante quantia. Antes da jornada, ainda de madrugada, quatro guarda-parques saem à cata dos macacões, tomando por base o ponto onde foram vistos na véspera. Após localizarem os primatas, informam o guia por rádio. Começa então a caminhada da turistada, que em geral não excede oito quilômetros e é realizada em uma explêndida floresta tropical de bambus, cuja beleza, por si só, já valeria o passeio.

Próximo aos gorilas, os guarda-parques ficam para trás, juntamente com bolsas, mochilas e cajados de caminhada. Para apreciar os animais leva-se apenas câmera fotográfica e alguma coragem. O primeiro impacto é inesquecível! Uma mistura de assustador com surpreendente. Por mais que se imagine um encontro com um macaco de até 200 quilos, na vida real, a coisa é diferente. Mesmo sentados, os gorilas medem em torno de um metro e meio e, apesar de terem pernas curtas, comparados com o orangotango, por exemplo, são bem mais fortes e robustos. E como fedem!

O grupo visitado pelos autores chama-se Susa e compreende uma familia de 13 gorilas: um macho, o imenso silver back (costas prateadas), que é o líder da tropa, nove fêmeas, e três bebês, entre quatro e seis meses de idade. Os machos atingem a maturidade em torno dos 13 anos de idade. Nesse momento, o pêlo de suas costas começa a ganhar uma coloração prateada. Por outro lado, as fêmeas aos oito anos já são consideradas adultas. A gestação de um gorila é de oito meses e meio e, durante os primeiros seis meses posteriores ao nascimento, o bebê, é inteiramente dependente da mãe. Além do homem, o gorila da montanha é a única espécie de primatas em que o macho acolhe e cuida dos recém nascidos em caso de morte da fêmea.

Apesar de sua aparência um tanto assustadora, os gorilas não são seres agressivos e os grupos visitados pelos turistas em Ruanda já estão “habituados” à presença dos humanos. Graças a essa familiarização com a turistada, durante a visita é possivel apreciar gorilas brincando, comendo, namorando, subindo em árvores, caindo de galhos e, por vezes, até uma assutadora corrida na direção dos visitantes.

Vez por outra, quando alguma fêmea sente sua prole ameaçada, pode haver uma ruidosa bateção de peito, almejando intimidar os visitantes. No entanto, esses rompantes normalmente são blefes, logo reconhecidos pelos dois guias que orientam o grupo, que têm bastante experiência adquirida em longos anos de convívio com os animais. A visita demora uma hora rigidamente cronometrada, com gorilas passando a dois metros dos turistas, por vezes até pisando no pé de alguém ou dando um tapinha provocante nas costas de um guia. O tempo voa. Ao fim, parece que se recém chegou e é com pesar que a caminhada de volta é iniciada. O bolso volta mais vazio, mas fica a recompensadora certeza da contribuição para a preservação desse enorme e gentil primata.

* Ana Leonor é fotógrafa e esposa do nosso colunista Pedro da Cunha e Menezes.

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