Está no forno do Ministério da Fazenda um pacote de incentivos fiscais para atividades ambientais, originalmente previsto para ser lançado no Dia Mundial do Meio Ambiente. Depende agora apenas da chancela dos técnicos da Receita Federal. As propostas do Ministério do Meio Ambiente, se aprovadas, darão desconto de imposto para equipamentos industriais de controle de poluição e facilitarão o financiamento privado de Ongs e projetos ambientais.
O uso de taxas e tributos para se obter ganhos ambientais já é bastante difundido nos países desenvolvidos, principalmente na Europa. A Alemanha, por exemplo, reduziu os impostos de turbinas eólicas e painéis solares para alcançar a sua meta de 20% de energias renováveis até 2010. Aqui no Brasil, de acordo com um estudo da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL) realizado pelo pesquisador Jorge Jatobá, o ICMS ecológico é o melhor exemplo de uma política integrada da área econômica e ambiental. O ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) é a principal fonte dos governos estaduais e a partilha entre municípios do ICMS ecológico é feita a partir de critérios ambientais. Hoje, essa prática já é adotada por 10 unidades da federação, incluindo São Paulo e Paraná.
O incentivo a tecnologia limpas poderá ser concedido por decretos do Ministro da Fazenda. A idéia é que bens industriais que não gerem poluição sejam isentados do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Em média, a alíquota cobrada sobre os produtos da indústria é de 5%. Este percentual cairia para zero em equipamentos selecionados pelo Ministério do Meio Ambiente.
A indústria aprovou a proposta do benefício tributário. “Estamos gostando neste primeiro momento, mas este é o começo de um processo”, diz o diretor do Conselho Temático de Meio Ambiente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Maurício Mendonça. Em sua opinião, será importante que haja no setor produtivo uma aceitação da diferença conceitual que está se fazendo dos produtos. Segundo o diretor da CNI, ao deixar bem claro as razões ambientais que permitiriam a um fabricante pagar menos impostos, o governo estaria incentivando investimentos em produção mais limpa. “A lista de produtos isentos de imposto tem que estar aberta aos que aderirem aos critérios ambientais”, argumenta Mendonça.
É exatamente a análise da lista de produtos na Receita Federal a razão pela qual os incentivos ainda não foram criados. De acordo com o secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente, Cláudio Langone, existem “problemas técnicos” a serem resolvidos, pois a escolha dos equipamentos a serem isentados do IPI terá de ser bastante precisa. Embora se estime que a quantia de dinheiro que deixará de ir para os cofres do Tesouro será pequena, o governo optou por zerar o IPI apenas de componentes e não de produtos finais ou setores. Por exemplo, ao invés de reduzir o IPI da indústria de geladeiras, que possui em sua cadeia de produção itens diversos e nem sempre ambientalmente inócuos, só se daria o benefício tributário aos fabricantes de sistema de refrigeração que não emitam clorofluorocarboneto (CFC).
A Lei Rouanet ambiental
O outro instrumento econômico que está sendo preparado pelo governo federal ainda não alcançou tanto consenso quanto o desconto do IPI. Trata-se de uma lei de incentivo fiscal nos moldes da que já existe para o financiamento de produtos culturais. Chamado de Imposto de Renda Ecológico, o instrumento permitiria o abatimento da contribuição de empresas ou pessoas físicas que apoiassem projetos ambientais. Para aprovar algo neste sentido, o governo terá que enviar um projeto de lei ao Congresso, onde já existem duas iniciativas com a mesma finalidade. Mas por conta da paralisia que deve se instalar no Congresso no segundo semestre, é provável que a opção do Ministério seja criar o incentivo por Medida Provisória.
Segundo Langone, a proposta permitiria, assim como na Lei Rouanet do Ministério da Cultura, que o empreendedor escolha a Ong ou o projeto ambiental que gostaria de apoiar. O Ministério do Meio Ambiente atuaria como um órgão regulador estabelecendo as linhas prioritárias para o recebimento de recursos privados. O controle da aplicação do dinheiro, garante o secretário, não é uma preocupação. “O terceiro setor é um gastador eficiente”, diz. Para exemplificar, Langone conta que as Ongs correspondem apenas a 5% das irregularidades encontradas pelo Ministério no repasse de verba pública.
A coordenadora da área jurídica do WWF-Brasil, Georgia Pessoa, defende que as empresas sejam livres para escolher as Ongs e projetos a financiar. “A prestação de contas das Ongs já é bastante avançada. Damos publicidade às nossas ações, tem de haver um relatório de atividades”.
É Georgia quem está à frente de um grupo de trabalho criado por organizações ambientais e parlamentares para negociar com o Ministério do Meio Ambiente o melhor formato da lei de incentivo ambiental. Segundo ela, ainda há muito a se decidir. Por exemplo, o governo não sabe qual será o limite do abatimento do imposto de renda para quem financiar os projetos. A proposta do grupo é que pessoas físicas possam abater até 80% do imposto devido no caso de doações a entidades ambientalistas. Já as empresas poderiam abater 40% do imposto sobre seu lucro.
Na opinião do ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, a grande dificuldade de se implantar o imposto de renda ecológico é a situação fiscal brasileira. Ele lembra que já não é possível ao governo cobrar mais impostos da sociedade, atualmente 36% das riquezas geradas no país são apropriadas pelo setor público. Por isso, abrir mão de receita pode ser arriscado, ainda mais com as obrigações da Lei de Responsabilidade Fiscal, segundo a qual só pode gastar o que se tem. O auditor fiscal da Receita, Luis Fernando Wasilewski, que também fez parte do grupo de trabalho do IR Ecológico, afirma que seria possível absorver o impacto da renúncia fiscal impondo um limite para os financiamentos. Isto já ocorre na Lei Rouanet. Assim mesmo, ele não acredita que a medida possa ser aprovada neste ano. “Até agora não estou vendo vontade política do governo em encampar esta proposta.”
Há ainda mais um ponto polêmico na Medida Provisória que está sendo trabalhada entre os ministérios da Fazenda e do Meio Ambiente. De acordo com Langone, além do financiamento direto a projetos ambientais, seria possível conceder isenção fiscal àqueles que doassem recursos ao Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA). A priori tudo bem, apenas delega-se ao Ministério do Meio Ambiente a escolha dos projetos e das Ongs que receberão o dinheiro. Segundo Georgia Pessoa, as Ongs não têm restrição alguma a essa proposta. Quem discorda é Everardo Maciel. “É inconstitucional”, afirma. Segundo ele isto seria uma “forma oblíqua de vincular recursos”, ou seja, tira-se recurso do governo via isenção fiscal para depois incluí-lo no orçamento de um fundo específico.
As opiniões também se dividem no setor produtivo. O empresário Roberto Klabin, presidente da SOS Mata Atlântica, acha que a discussão ainda está no começo, mas apóia a adoção de incentivos. “Hoje quem tem uma RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural) não tem nenhum estímulo a não ser o amor dele pela área preservada”, exemplifica. Já Maurício Mendonça da CNI não vê a necessidade de se ter a isenção fiscal. Para ele já existem recursos, das empresas e do próprio FNMA para ajudar as Ongs. “As empresas já estão fazendo, mesmo sem incentivo econômico”.
A proposta é mesmo controvertida. Como todo projeto de incentivo com recursos públicos, o problema é garantir que os benefícios sejam, de fato, públicos e não apropriados por agentes privados, para benefícios particulares.
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