Cauam Cardoso chegou do Japão há um mês, mas ainda se esforça para voltar à realidade. Afinal, foram três dias em contato com pessoas de partes do mundo das quais mal ouvira falar antes da viagem, como Uzbequistão e Ilhas Fiji. E ainda há o motivo que o levou à terra do sol nascente, também pouco comum para um jovem de 23 anos. Cauam teve um artigo escolhido como finalista de um concurso anual do Banco Mundial, que este ano distribuiu prêmios entre dois mil universitários de todo o globo. Apresentou suas idéias na Conferência Anual de Desenvolvimento Econômico do Banco (ABCDE), em Tóquio. E voltou de lá com o primeiro lugar.
O estudante de Engenharia Sanitária e Ambiental na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) tem dedicado seus últimos três anos a um projeto de melhoria das condições de vida dos moradores da Serrinha, uma favela de 3,5 mil habitantes em Florianópolis. Ele ganhou o prêmio do Banco Mundial (International Essay Competition of the World Bank) com um ensaio em que contava suas experiências com esse trabalho. Carioca do bairro de Irajá, na zona Norte da cidade, Cauam cresceu acostumado a observar favelas em profusão. Sempre incomodado com as imagens de esgoto a céu aberto e de lixo típicas de alguns desses lugares, decidiu que faria carreira na área de meio ambiente. Escolheu a engenharia sanitária.
Em 2001 se mudou para Santa Catarina, quando entrou para a UFSC. Dois anos depois, pouco contente com as possibilidades de aplicar na vida real aquilo que aprendia nos bancos da universidade, o rapaz decidiu arregaçar as mangas. Pediu ajuda a um professor, que sugeriu a Serrinha como um lugar favorável para a realização de um projeto. Não faltam à jovem comunidade, próxima à UFSC, nenhum daqueles problemas que mexiam com os nervos de Cauam, ainda no Rio de Janeiro.
Florianópolis, cidade cuja qualidade de vida é acima da média nacional, tem enfrentado nos últimos tempos um forte aumento no número de favelas, principalmente devido a um surto de imigração decorrente do alto desenvolvimento econômico. Mas Cauam lembra que a situação lá ainda está bem no começo, se comparada ao Rio de Janeiro. “A Florianópolis de hoje é o Rio de amanhã”, diz ele, que procura fazer a sua parte para evitar que as dificuldades enfrentadas pelos moradores das favelas cariocas não se repitam em solo catarinense.
Ações locais
Uma sondagem inicial com os habitantes da Serrinha concluiu que o principal problema da favela era a coleta de lixo deficiente, que atendia a poucas casas. O resultado era uma grande quantidade de resíduos espalhados pelas ruas e em terrenos abandonados, transformados em verdadeiros lixões. O projeto, chamado “Ações Ambientais na Comunidade da Serrinha e a Cidadania”, firmou um acordo com a prefeitura e a companhia de lixo da cidade, que se propuseram a acolher as suas sugestões. Até então, Cauam contava apenas com a ajuda de Bruno Azevedo, um colega da faculdade, e a orientação do professor Luiz Sérgio Philippi.
As mudanças implementadas foram um sucesso. Onde os caminhões não conseguiam chegar, mandam-se agora tratores pequenos ou mesmo garis a pé. Os lugares onde o lixo se acumulava não existem mais por conta do trabalho de educação ambiental realizado com os moradores – atualmente o principal foco do projeto. Mais de 30 estudantes de vários cursos da UFSC estão dando prosseguimento à idéia de Cauam, trabalhando inclusive em outras duas comunidades.
As aulas ministradas a duas turmas de quarta série do ensino fundamental em 2004 – que incluíam, além do tema lixo, água e “meio ambiente e cidadania” – resultaram num livro ainda não publicado, “Fazer e aprender educação ambiental”. Todas as aulas estão detalhadas ali, com bibliografia e dicas de atividades. O grupo busca apoio da prefeitura de Florianópolis para a publicação e distribuição nas escolas municipais. Por enquanto, ele é utilizado como uma espécie de cartilha para o próprio grupo e para professores da rede pública que participaram de um mini-curso ministrado pelo projeto no início do ano. Agora, com o sucesso internacional, Cauam espera poder firmar novas parcerias para solucionar o problema do esgoto na Serrinha, que corre em liberdade por entre as casas. Isso depende de algo que ele nunca teve até agora em todo o projeto: dinheiro.
Ações nacionais
O trabalho de Cauam em comunidades faveladas tem um quê de hereditário. Ele é filho da coreógrafa Carmem Luz, que fundou e dirige a Companhia Étnica de Dança, um dos projetos culturais em favelas mais conhecidos do Rio de Janeiro. No caso, uma escola e companhia de dança no Morro do Andaraí, zona norte carioca. Cauam diz que a atividade da mãe – e do pai, terapeuta corporal que também trabalha na companhia – teve grande influência na sua própria iniciativa. “Na verdade eu juntei essas duas coisas: a minha criação e a vontade de trabalhar com o meio ambiente. Um dia eu chego no nível deles”, brinca.
A diferença, segundo o futuro engenheiro, (além da sua vertente ambiental) é que não está nos planos dos seus pais expandirem o trabalho. “Eles querem continuar atuando lá, enquanto eu quero trabalhar para todo mundo, no governo”, conta. Seu sonho é poder participar da formulação de políticas públicas que se destinem a resolver os problemas ambientais que hoje ele tenta combater localmente. “Falamos em educação ambiental de crianças, por exemplo. Claro que é preciso investir nisso, principalmente porque elas são muito abertas a esse tipo de informação. Mas, por outro lado, ninguém fala em fazer educação ambiental dos nossos governantes. Há muito pouco sendo feito pelo meio ambiente no alto escalão”, afirma. A julgar pelo currículo que tem até agora, não dá para duvidar das intenções do rapaz de alçar vôos cada vez mais altos.
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